[ Edição Nº 06 ] – Cáritas de Setúbal ajuda milhares de famílias.

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Cáritas de Setúbal ajuda milhares de famílias

          Fundada na década de oitenta, a Cáritas Diocesana de Setúbal nasceu com o intuito de combater o fenómeno da exclusão social que então se verificava na região de Setúbal, fruto das sucessivas crises económicas que lançaram milhares de pessoas para o desemprego.           Dez anos depois, os problemas continuam mas a situação melhorou em muitas famílias, diz o presidente da instituição, Eugénio Fonseca, que dá por bem empregues os esforços feitos pela comunidade no sentido de recuperar os que ficaram para trás na corrida pela sobrevivência. A filosofia universalista desta instituição levou-a ainda a estender os braços a terras de África, onde também desenvolve esforços para acudir aos pobres.



          Setúbal na Rede – Desde que se implantou em Setúbal, que tipo de trabalho é que esta instituição tem desenvolvido junto das populações?
          Eugénio Fonseca –
A Cáritas é a estrutura oficial da diocese de Setúbal para responder aos problemas sociais da região. Temos uma natureza cristã embora os colaboradores e os destinatários não sejam só aqueles que perfilham a nossa matriz cristã. Estamos abertos a todas as pessoas e a todos os problemas, independentemente dos credos religiosos, políticos ou outro tipo de ideologia. Temos cerca de oitenta funcionários e mais de cem voluntários para acorrer aos inúmeros pedidos de ajuda que surgem diariamente. Ao nível do auxílio às populações temos quatro grandes áreas de intervenção. No atendimento, que é a nossa primeira vocação, acolhemos as pessoas e respondemos aos problemas fundamentais de subsistência, o que passa pela alimentação, habitação e pela educação. Depois ajudamos nos inúmeros casos de toxicodependência, droga, alcoolismo e os problemas das pessoas sem abrigo.
          SR – Que tipo de respostas a Cáritas oferece a quem precise de ajuda para se libertar da situação de marginalidade?
          EF –
Criámos um conjunto de valências. Temos o apoio à infância, um centro para crianças maltratadas ou em situação de risco (crianças violadas, abandonadas ou negligenciadas), procuramos trabalhar a família natural e só em último caso recorremos à adopção. Depois trabalhamos com as minorias étnicas, nomeadamente africanos, ciganos e timorenses, promovendo a sua cultura e tradições junto da sociedade, por forma a combater os sentimentos de xenofobia que originam problemas sociais. Noutra vertente, temos um lar de idosos, apoio domiciliário aos idosos dependentes, fornecimento de refeições e três centros de dia. Oferecemos ainda apoio domiciliário a doentes com Sida, bem como apoio psico-social a estes doentes, para além dos toxicodependentes e das vítimas do álcool que também recebem este tipo de apoio e ajuda na desintoxicação. Mais recentemente temos a distribuição da revista Cais, por alguns sem abrigo, que assim conseguem tirar rendimentos suficientes para se sustentarem. Dos mais de cem desalojados que vivem nas ruas de Setúbal, prestamos assistência a cerca de metade e a nossa intenção é poder chegar a todos eles, oferecendo-lhes meios de sobrevivência e de valorização pessoal.
          SR – Os meios financeiros e técnicos de que a Cáritas de Setúbal dispõe são suficientes para acudir a todos os pedidos de ajuda?
          EF –
De maneira nenhuma. Só nas valências atendemos quinhentas pessoas regularmente, nos atendimentos são mais do dobro e dispomos apenas de oitenta funcionários e de cerca de uma centena de voluntários. Os meios financeiros são escassos, tendo em conta os problemas a que temos de acorrer mas depois temos um outro problema ainda maior. É que as pessoas procuram-nos, muitas vezes, com a mesma postura com que procuram o Estado, numa postura de obrigatoriedade e urgência. Nós compreendemos as pessoas e a urgência dos pedidos mas quem nos fornece auxílio são os particulares e só podemos dar aquilo que partilham connosco e aí a nossa responsabilidade é subsidiária. Ou seja, não temos a responsabilidade primeira porque essa responsabilidade é do Governo.
          SR – Isso poderá significar a instalação de uma mentalidade de dependência de terceiros para sobreviver?
          EF –
É a própria cultura de acção social que o país tem que favorece este tipo de situação. Nós temos uma acção social virada para o imediatismo e não para a resolução dos problemas atacando-lhes as causas. Depois, as pessoas aproveitam-se disso, mas não posso dizer que na nossa região a maior parte dos pobres sejam aqueles que sofrem de pobreza cultural. Isto porque Setúbal sofre demasiado com o fenómeno do desemprego e nós sabemos que o desemprego atira para a valeta da carência, com a maior rapidez, muitas e muitas pessoas, sendo que algumas delas tornaram-se dependentes, pobres por vício. Isto porque começaram a ver que o esquema montado lhes facilitava mais a vida e então, para quê trabalhar se podem obter os mesmos proventos de uma forma mais fácil? Agora é preciso dizer que estas pessoas são vítimas da situação porque se tivéssemos uma acção social como o Rendimento Mínimo procura fazer, e eu espero que o faça, as coisas seriam bem diferentes.
          SR – Enquanto membro da Comissão Nacional do Rendimento Mínimo, parece-lhe que o processo está a ser bem conduzido?
          EF –
Para já, os resultados não são desanimadores mas o que me aflige é a morosidade no tratamento dos processos. Há pessoas que estão desde Junho à espera para receber e isto não pode ser. Por duas razões: primeiro porque se as pessoas precisam, precisam no imediato, e depois porque ao demorar mais tempo o dinheiro aparece todo de uma vez, em grandes quantias. E isto para os pobres cuja mentalidade não está organizada para a vida, é extremamente perigoso. As pessoas não conseguem gerir o dinheiro e acabam seduzidas pelo consumo.
          SR – O que é que se tem feito para alterar este comportamento?
          EF –
É a chamada segunda fase do projecto, ligada à promoção pessoal. Assim procedemos à alfabetização, oferecemos ensino recorrente, formação profissional e, muitas vezes a formação sócio educativa, como por exemplo, ensinar uma mulher a rentabilizar os escassos meios que tem sem os desperdiçar em coisas supérfluas, ensinar o planeamento familiar para uma paternidade e maternidade consciente e responsável. Finalmente encaminhamos as pessoas para postos de trabalho e o grande problema está aqui. É que praticamente esses postos de trabalho não existem.
          SR – Então, a aposta na recuperação das pessoas não tem tido o sucesso esperado?           EF – Tudo o que tenha a ver com a componente humana é impossível de contabilizar. Porque repare, há muitas pessoas que, depois de passarem por estas etapas, esbarram na falta de emprego e voltam para nos pedir ajuda. Isso é verdade, mas entretanto verificam-se algumas mudanças, embora não sejam imediatamente visíveis. É o caso da consciência de uma paternidade responsável, é o caso da mulher que aprendeu a conhecer os seus direitos e já não se deixa maltratar…
          SR – Nestes anos de trabalho, a Cáritas tem contado com a ajuda da sociedade civil no combate à pobreza e à exclusão social?
          EF –
As ajudas que temos tido são as dos cidadãos que trabalham connosco em regime de voluntariado e as dádivas de diversas empresas, já que o Estado paga apenas uma pequena percentagem das despesas, relacionada com o pessoal e a estrutura. Tudo o que nos oferecem é para quem necessita e deixe-me dizer que o que recebemos não chega nem para um terço das necessidades dos que nos pedem ajuda.
          SR – Quem é que pode fazer o quê para ajudar na resolução deste problema social?
          EF –
Para além das funções do Estado, primeiro responsável pelas medidas de carácter político no sentido de mudar as coisas, é você, sou eu, é toda a comunidade que se deve levantar e ajudar. O voluntariado, seja ele qual for, e a ajuda aos que mais necessitam, tenha ela que forma tiver, são a expressão máxima do direito de cidadania de cada um. É dever de cada cidadão ajudar os excluídos da sociedade, porque em última análise eles são as vítimas da sociedade que nós todos construímos. E, felizmente, parece-me que as coisas estão, de facto, a melhorar. Já se sente maior abertura dos cidadãos, aos poucos as pessoas vão tomando consciência da necessidade de se ser solidário. E acredito mesmo que o Governo tem incentivado esta postura, com as políticas sociais que tem vindo a desenvolver. Não há dúvida que há uma política de solidariedade social mas isso só não chega pois agora é necessário pôr as ideias em prática e acelerar todos os mecanismos de ajuda aos mais necessitados.
          SR – A Cáritas tem alguns projectos em fase de implantação e outros que pretende implantar ainda este ano. Quais são?
          EF –
Para além das intervenções no bairro da Bela Vista – uma das zonas mais pobres de Setúbal -, do Centro São Francisco Xavier, onde acorrem idosos, mulheres e crianças de todo o concelho e os sem abrigo da região, temos um projecto nas zonas de Poceirão e Águas de Moura, no âmbito de uma intervenção de desenvolvimento rural. Penso que ainda este ano poderemos iniciar as obras para a casa de acolhimento de doentes com Sida. O terreno já nos foi oferecido, estamos a trabalhar com a ajuda da Câmara e espero que as ajudas apareçam porque a casa de acolhimento para doentes com Sida é uma das nossas maiores necessidades.
          SR – E a tão ansiada casa de acolhimento para prostitutas, que a Cáritas queria implantar?
          EF –
Esse é o nosso maior sonho, alimentado há anos, e impossível de concretizar até ao momento, por um conjunto de razões. Mas neste momento é necessário voltar a estudar o problema porque muitas das razões que levam à prostituição parecem não ser as mesmas de há uns anos. Agora, a prostituição acontece muito por via da necessidade de droga e, sendo assim, primeiro há que combater esta causa.
          SR – O trabalho da Cáritas de Setúbal estende-se por outros países, nomeadamente os de língua oficial portuguesa, e nesse âmbito acabou de visitar São Tomé e Príncipe. Qual é o vosso papel em África?
          EF –
Estive em São Tomé para verificar o destino do último contentor de ajuda humanitária que para lá enviámos e para tomar nota das necessidades da população, no sentido de voltar a prestar auxílio. O que vi, foi pior que na visita do ano passado. A miséria é muito maior e o grau de dependência das pessoas também. Basta dizer que S. Tomé tem um orçamento anual de seis milhões de contos e 54% dessa verba é para pagar a dívida externa ao Fundo Monetário Internacional. É daqueles casos em que se justificava o perdão da dívida e, se assim fosse, acredito que o país recuperava mais depressa. Deixámos lá dinheiro para acudir à fome de muita gente e trouxemos muitos outros pedidos de ajuda. Por exemplo, a nova escola politécnica tem muitos candidatos a alunos mas a pobreza é tanta que não há dinheiro para estudar. Assim, trouxe duas ideias para concretizar: uma é fomentar o apadrinhamento de estudantes santomenses por cidadãos setubalenses, e basta quinze contos por ano para garantir os estudos médios de cada um destes jovens, a segunda ideia é fomentar a criação de um grupo de cidadãos intervenientes e com capacidade para ajudar, tendo como objectivo a intervenção amiúde em zonas de grande pobreza em S. Tomé, em Angola e em Moçambique.
          SR – Quer deixar uma mensagem aos leitores do “Setúbal na Rede”?
          EF –
A Internet veio abrir as fronteiras e rasgar todos os muros, aproximando mais as pessoas. Queria dizer a todos os que estão nesta estrada da informação que não se aproximem só pelo computador mas também pelo coração. Vamos utilizar bem este instrumento informativo para nos aproximarmos, criando mais pontes e menos barreiras. Que a Internet ajude as pessoas a ficarem ainda mais próximas e mais sensíveis. Que possam partilhar as suas angústias mas também a sua generosidade.

          Associando-se à ideia de partilha e de ajuda ao próximo, o “Setúbal na Rede” divulga o número da conta da Cáritas Diocesana, destinada à recolha de auxílio para as obras da instituição: Número de Identificação Bancária, Banco Espírito Santo – 0007.0227.00251.0005.64

                      Entrevista de Etelvina Baía