Junta de Freguesia e moradores contra a localização
O presidente da Junta de Freguesia de Quinta do Anjo, em Palmela, torce o nariz à localização do futuro Parque de Aventuras, uma estrutura para reinserção de ex-toxicodependentes, numa zona central da localidade, em terrenos cedidos pela Câmara Municipal. Um projecto que, aliás, o “Setúbal na Rede” revelou na edição número sete. Joaquim Simões garante não ter nada contra o projecto e adianta que o problema está apenas no local escolhido, ao lado de uma escola primária.
O caso provocou a saída de um comunicado da Junta de Freguesia que fez também eco das preocupações dos moradores, o que acabou por levar a uma reunião, na Quinta feira, dia 26 de Fevereiro, entre as partes interessadas na matéria. Um encontro entre o responsável do Projecto Vida, em Setúbal, o presidente da Câmara de Palmela e os eleitos de Quinta do Anjo, para esclarecimento de todas as dúvidas sobre o projecto.
Joaquim Simões parece não ter ficado lá muito convencido mas garante que decidirá o que todos os eleitos da freguesia decidirem.
Setúbal na Rede – O que é que esteve na origem da polémica gerada à volta da localização do Parque de Aventuras?
Joaquim Simões – Primeiro, o facto do executivo da Junta ter tido conhecimento da sua localização através da comunicação social. Penso que a Junta devia ter sido informada do que se estava a passar, através dos responsáveis pelo Parque mas o Projecto Vida só falou connosco depois de instalada a polémica. Até porque a falta de conhecimento sobre o projecto levou a população a pensar que se tratava de mais um centro de recuperação de toxicodependentes e daí nasceu a confusão. Mas estes dois problemas já não existem visto que fomos esclarecidos de que não era intenção dos responsáveis do projecto ultrapassar a Junta, que existia um calendário de reuniões com este executivo mas a comunicação social soube do projecto antes disso e divulgou-o. Quanto às suspeitas de que seria mais um centro de recuperação, também foram de imediato ultrapassadas, visto que nos foi provado que o projecto nada tem a ver com esta área. É que as pessoas ficaram com medo porque já temos alguns centros desses aqui. Mas há problemas que persistem como é o caso da localização do Parque, numa das zonas centrais da freguesia e ao lado de uma escola primária.
SR – Este projecto é direccionado para pessoas em fase de recuperação ou que já recuperaram da droga em centros instalados na localidade. Portanto, serão pessoas que a população já conhece e que, de certo modo poderão estar em vias de integração no meio. Não lhe parece que a reinserção deve ser feita, precisamente nesse meio, dentro da comunidade?
JS – Eu sou autarca nesta freguesia há muitos anos e conheço a população. Neste caso, sei que as pessoas não querem conviver com coisas de que não gostam. Na sessão pública, logo após a reunião com o Projecto Vida, a população mostrou-se desagradada com a ideia de ter à porta o Parque de Aventuras. Há medo e o medo traz insegurança. Em zonas como a Quinta do Anjo, Cabanas, Bairro Alentejano e Bairro dos Marinheiros temos constatado o aumento do número de assaltos e muitos são praticados por toxicodependentes. Para mim, trata-se de um problema sem cura e temos que utilizar a inteligência para poder viver com isto.
SR – E saber viver com este problema é pô-lo à porta dos outros e estar contra a instalação do Parque numa zona populacional?
JS – É por isso que digo que não estou contra o projecto mas há coisas que temos de acautelar, como é o caso da proximidade da escola. Agora, o presidente da Junta tem uma opinião mas tudo depende da vontade da maioria dos eleitos da freguesia. Sou sensível à opinião dos eleitos e da população que represento e, por isso, vamos esperar pelas próximas reuniões deste executivo onde o projecto será analisado em pormenor. Nessa altura o que os eleitos decidirem está bem para mim e também para o presidente da Câmara. Isto porque na última reunião, o presidente Carlos de Sousa garantiu-nos que se nós dissermos não, o parque vai para outro sítio. Se os eleitos aceitarem a localização, então passaremos a desenvolver acções de sensibilização das populações para a importância do Parque de Aventuras naquele local.
A freguesia rural mais industrializada do país
SR – Que tipo de população vive na Freguesia de Quinta do Anjo?
JS – Bom, são pessoas agarradas ás tradições e aos conceitos e temos feitos esforços no sentido de manter vivas essas raízes culturais. A Junta de Freguesia e a Câmara Municipal estão apostadas em não deixar perder estes valores e disso têm sido exemplo iniciativas como a Festa do Queijo, Pão e Vinho. Por isso temos desenvolvidos esforços no sentido de articular as componentes industrial e rural desta freguesia.
SR – Quinta do Anjo tem uma enorme componente rural mas é, ao mesmo tempo, a freguesia mais industrializada do país. Como é que se gerem estas duas componentes, de maneira a salvaguardar a qualidade de vida da população?
JS – A Freguesia tem cerca de 54 quilómetros quadrados e nela vivem mais de oito mil e quinhentas pessoas, uma boa parte destes terrenos é utilizada na agricultura familiar que convive com uma extensa área industrializada, ocupada pelo Parque Industrial da Auto Europa. Ora, isto é difícil de gerir porque as novas indústrias levam a que chegue, todos os dias, gente nova à região. No entanto, este crescimento é moderado porque a maior parte das pessoas a quem este complexo industrial deu emprego nem sequer é de Palmela. Ou seja, admitimos que o complexo da Auto Europa é importante porque trouxe muitas coisas boas para o distrito mas essas coisas boas não se reflectem na zona onde ela está implantada. Basta dizer que a Auto Europa ficou isenta de impostos municipais e que, por isso, não está a contribuir, como eu acho que devia, para o desenvolvimento do concelho, e que são muito poucas as pessoas daqui que arranjaram trabalho naquela indústria. Por outras palavras, o complexo Auto Europa teve aqui um impacto muito forte, mais negativo que positivo.
SR – Se fosse presidente da Câmara, teria deixado a Auto Europa implantar-se no concelho?
JS – Essa é uma boa pergunta, mas muito difícil de responder porque, repare, há dois lados distintos na mesma moeda. Por um lado, temos um complexo industrial que traz muita riqueza para o distrito mas, por outro, muito pouca dessa riqueza fica na Quinta do Anjo. Portanto, o que me parece é que, os empresários, nos locais onde estão implantados, têm a obrigação de participar na vida da comunidade e de se envolver nos problemas da zona, ajudando à evolução da localidade. Mas, no caso da Auto Europa, isso não acontece com a frequência que nós gostaríamos.
SR – Na área agrícola, a freguesia tem reflectido os problemas com que o sector se debate, a nível nacional?
JS – Sem dúvida. Trata-se de uma área onde as pessoas se sentem desprotegidas porque a política agrícola não ajuda. Ou seja, os agricultores produzem e depois não têm como escoar os produtos e, sendo pequenos agricultores a coisa é ainda pior porque se não vendem os produtos vão ter dificuldades em voltar a produzir.
Crescimento sustentado, em pleno Parque Natural
SR – A freguesia de Quinta do Anjo está limitada, no seu crescimento, por se situar numa zona protegida?
JS – Sim, mas nós concordamos com isso. Toda a população sabe e defende que, tal como o Plano Director Municipal contempla, não vamos ter aqui florestas de cimento porque a construção de prédios está condicionada. O crescimento tem de ser moderado já que fazemos questão de preservar a zona natural onde estamos inseridos. Por isso acontece que, apesar de sermos uma zona em franco crescimento, somos a freguesia com o menor número de urbanizações. Mas também não temos muito por onde crescer porque estamos limitados pelas fronteiras com as freguesias da Anunciada e São Simão, em Setúbal, Pinhal Novo e Palmela, no concelho de Palmela, Quinta do Conde, no concelho de Sesimbra, Coina e Santo António da Charneca, no concelho do Barreiro e Alhos Vedros e Moita, no concelho da Moita.
SR – Quais são os principais problemas de Quinta do Anjo?
JS – São as habitações clandestinas. Sabe que a nossa área de clandestinos é igual à área de todo o concelho do Barreiro? Temos doze mil lotes clandestinos, espalhados pela Quinta da Marquesa, um e dois, porque são duas áreas distintas, e pela zona do Pinhal das Formas. O pior é que pouco podemos fazer contra isso, já que a Câmara não tem condições financeiras para resolver o problema. Nestes casos tem de ser o Governo a intervir e é isso que deve ser feito, o mais depressa possível. A nível ambiental temos alguns problemas que, aos poucos vão sendo resolvidos. É o caso da poluição e dos maus cheiros vindos da fábrica da Socar. Depois da intervenção da Câmara, a poluição da chaminé parece ter ficado resolvida mas ainda ficam os maus cheiros do matadouro. Tínhamos ainda o problema da vala real da Salgueirinha, que nasce na Serra do Louro, mas o Ministério do Ambiente já anunciou que vai proceder à limpeza da vala e recuperar aquilo. Ao nível das acessibilidades, há que alcatroar algumas ligações e caminhos e isso é o que tem sido feito ao longo dos últimos anos. Precisamos ainda de construir uma ligação à Barra Cheia mas estamos já a tratar disso, em conjunto com a Câmara Municipal, e a breve prazo, vamos mesmo melhorar todas as vias e construir as que forem necessárias. Quanto à habitação não há problemas de maior porque, ao abrigo do PER, Plano Especial de Realojamento, vamos agora dar casa às cerca de oito a dez famílias que vivem em más condições. Na área da segurança, precisamos de iluminação mais forte porque, embora a freguesia esteja toda electrificada, a luz que temos nas ruas é muito fraquinha. Como sabemos que isso pode ser um factor de insegurança, decidimos falar com a Câmara e a EDP, no sentido de se aumentar um pouco a potência da corrente eléctrica. De resto, o maior problema diz respeito à própria freguesia que deveria Ter mais dinheiro para trabalhar.Com um orçamento de cinquenta mil contos pouco podemos fazer mas o Governo não tem isso em atenção. Pior ainda num momento em que nos dão mais competências sem que elas sejam acompanhadas das verbas necessárias. Para dar uma ideia do problema, com tudo o que temos a fazer nesta freguesia, um orçamento de cerca de 150 mil contos já dava para trabalhar melhor em prol da população.
SR – A eventual ascenção de Pinhal Novo a concelho terá alguma influência na Quinta do Anjo, freguesia vizinha?
JS – Não vai ter qualquer tipo de influência porque as relações históricas que temos vão continuar a existir. São estreitas ligações, ao nível da cultura e da tradição que não se apagam, mesmo se Pinhal Novo vier a ser concelho.
SR – Concorda com o pedido de subida a concelho?
JS – Os pinhalnovenses sabem o que querem e eu respeito muito a sua vontade. Não tenho que me pronunciar sobre isso, até porque às vezes quando a gente se intromete na vida dos outros acaba por perceber que fazia melhor se tivesse ficado calado.
- Entrevista de Etelvina Baía