A restauração do concelho de Azeitão é uma aspiração antiga da população que se sente “abandonada” por Setúbal
O dirigente do movimento de cidadãos pela restauração do concelho de Azeitão acredita que os azeitonenses vão aderir em massa ao projecto de recuperação do estatuto de concelho, um ideal que Fernando Sacramento já considera ser uma aspiração de toda a população.
Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, o responsável pelo movimento diz ainda acreditar que um dia Azeitão voltará a ter autonomia administrativa e garante ser essa a única forma da região progredir. Pelo meio ficam algumas críticas à actuação da Câmara que acusa de esquecer os problemas daquela vila, e às comissões políticas concelhias do PSD, PS e PCP, por não estarem em sintonia com os ideais de Azeitão.
Setúbal na Rede – Quais foram as razões que o levaram a desenvolver esforços no sentido de restaurar o concelho de Azeitão?
Fernando Sacramento – Principalmente pelo facto de ser uma grande aspiração do povo de Azeitão e quem já foi concelho com todas as regalias, não gosta de as perder. Deixámos de ser concelho no final do século dezanove mas ficou-nos alguma coisa desse tempo. Por exemplo, lembro-me de, num passado recente e antes do 25 de Abril de 1974, a Câmara ter disponibilizado dois vereadores só para os assuntos de Azeitão. Um para a freguesia de São Simão e o outro para São Lourenço. Portanto esses vereadores tinham uma ideia sobre as carências da populações totalmente diferente do que a que existe agora.
SR – Foi a partir daí que a vila se sentiu abandonada, como alegam os defensores da elevação a concelho?
FS – Não, porque esta zona sempre foi bastante carenciada, embora neste momento seja um pouco menos, e teve sempre razões de queixa contra a autarquia. Não quer dizer que a autarquia tenha feito muito mal, mas é aquilo que eu costumo dizer: Setúbal tem mais de cem mil habitantes e Azeitão significa dez por cento de Setúbal. Por outro lado, a cidade, como todos sabemos, tem fortes carências de todo o tipo e é lógico que o executivo sofra maior pressão dos cidadãos da zona urbana que dos habitantes da periferia. E dou-lhe um exemplo, se numa zona da cidade existir um buraco na rua isso aparece numa das colunas dos jornais e, ao ler aquilo, é normal que os responsáveis mandem reparar essa anomalia muito mais rapidamente do que o fariam se fosse numa zona de periferia.
SR – O facto de, já neste mandato do presidente Mata Cáceres, não ter sido concretizada a proposta para a escolha de um vereador só para os assuntos de Azeitão terá precipitado os acontecimentos relacionados com a elevação da vila a concelho?
FS – Não, porque tudo isto vem de trás. Veja que, por exemplo, a energia eléctrica nos Brejos tem um passado muito recente, antes do 25 de Abril, a água canalizada e o saneamento básico a mesma coisa. E isso, numa altura em que Setúbal já dispunha de todas as condições, excepção feita para alguns bairros mais antigos. Portanto, sentimo-nos sempre carenciados e, em última análise, para nós o culpado é a Câmara. Independentemente de tudo isto, nós temos uma maneira de estar na vida e uma identidade que não tem rigorosamente nada a ver com a população de Setúbal. Não é que sejamos melhores ou piores. É que somos diferentes, temos uma identidade própria, estamos virados para a agricultura e para os trabalhos no campo, portanto há uma vivência diferente da de Setúbal.
População vai ser chamada a decidir, ainda esta semana
SR – Como é que o Fernando Sacramento pode afirmar que a população quer a elevação de Azeitão a concelho se até hoje os moradores ainda não foram chamados para se pronunciarem sobre o assunto?
FS – Eu lembro-me que, em 1982 tivemos eleições autárquicas intercalares em Azeitão e nessa altura concorremos por uma sigla que não era do Partido Socialista e avançámos com a ideia de restauração do concelho. Lembro-me bem que, nessa mesma altura, o Partido Comunista chamou-me utópico e doido, fizeram mesmo uma banda desenhada associando-me a um coronel de uma novela brasileira da altura. O certo é que, em 1985, o PCP enviou o Projecto lei à Assembleia da República, exactamente para a restauração do concelho. Afinal, esta aspiração não era assim tão utópica como eles diziam. O projecto deles foi rejeitado e nós, agora, lançamos outro. O que eu quero dizer é que é preciso viver em Azeitão e conhecer as pessoas para saber que este é um sentimento natural. É um sentimento anti-Setúbal tão natural como beber água. Não é contra a população mas sim contra a instituição, e isso não quer dizer que a autarquia tenha sempre culpa, mas como se sabe, é a que está mais acima
SR – Mas é verdade que a população ainda não foi chamada, tal como os seus representantes nas Juntas de Freguesia, para o debate sobre esta matéria?
FS – Já tivemos contactos com os lideres das secções de Azeitão do PP, do PS e do PSD, que mostraram estar de acordo com a ideia. Este último até com uma ideia contrária à defendida pela Comissão Política Concelhia. Quanto aos presidentes das juntas de freguesia, enviámos um fax há dias para falarmos sobre esta matéria.
SR – No entanto o presidente da Junta de São Simão queixa-se de que não foi convidado, uma queixa avançada ao “Setúbal na Rede” na edição anterior e até já garantiu que não vai fazer parte da Comissão Instaladora que irá dar origem à associação para a restauração do concelho.
FS – É verdade, tem toda a razão, porque essa foi uma falha minha. Com tanto trabalho que tenho tido, quanto a este assunto, esqueci-me de contactar o presidente de São Simão. Foi de facto uma grande falha, por esquecimento, sem qualquer maldade. Até porque não fazia sentido nenhum convidar o presidente de São Lourenço e depois não convidar o de São Simão. É uma falha que quero resolver de imediato.
SR – Mesmo sem receber esse convite, sabe que o presidente da Junta de Freguesia de São Simão já avisou que o vai recusar?
FS – Sim, é verdade. Recusou, dizendo que eles próprios, o executivo da junta, não têm nada que fazer parte de comissões mas avança que, se a associação for criada, prestará toda a atenção que puder, conforme o faz com as outras associações. O presidente de São Lourenço ficou de responder e acredito que vá aceitar o convite. Consta que o PCP é contra e, parece que, em reuniões mantidas com a população isso terá ficado claro. O que posso dizer é que o PCP, quando não é líder de um processo, não gosta de o acompanhar. É a única explicação que eu vejo para isto. Quanto aos contactos com a população, está previsto um plenário já para esta semana. Só depois disso é que podemos avançar, ou não, consoante o que a população disser. Se aderir, continuamos, mas se não aderir, não podemos obrigar as pessoas a fazerem o que não querem. Pessoalmente, estou bastante convencido que a população vai querer prosseguir com este projecto de elevação a concelho.
SR – Acha que, desta vez, Azeitão pode mesmo passar a concelho?
FS – Tenho uma certa esperança que, graças a um quadro político particularmente favorável, todos os projectos feitos este ano consigam passar. Mas vamos supor que Azeitão não passa. Fica lá a ideia e, leve os anos que levar, a ideia está lançada e um dia vai acabar por passar. E mais, a associação que vamos criar vai continuar a existir para defender os interesses da vila. Como sabe, existe uma Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão que passa por ser amiga de Setúbal porque até agora não fez nada pelos azeitonenses e, sendo assim, independentemente de partidos ou de ocasiões eleitorais a nossa associação vai ficar para defender os interesses de Azeitão.
“Não está nos meus planos ser presidente da Câmara de Azeitão”
SR – Aceita as críticas do presidente da Câmara, de que este assunto serve para que o grupo de cidadãos, nomeadamente o Fernando Sacramento e os três deputados do Partido Socialista que assinaram o projecto, obtenham algum protagonismo político?
FS – Acho que, protagonismo político é coisa de que não preciso porque já o tenho. Ora, se já o tenho porque é que preciso dele? Toda a gente sabe que já cá estava quando muitos outros chegaram e, por exemplo sou dos autarcas mais velhos na Assembleia Municipal, fui fundador da secção do PS de Azeitão e só não sabe da minha vida política quem não quer. Portanto, protagonismos não. O mesmo se passa, com certeza, com os deputados a quem pedi para assinarem o projecto de elevação a concelho.
SR – Como é que entende que o presidente da Comissão Política Concelhia do PS, o partido a que o Fernando Sacramento pertence, tenha dito que não aprovaria enquanto setubalense mas que compreendia a aspiração dos azeitonenses que, aliás, considera legítima?
FS – Eu entendo que as pessoas que estão em determinados cargos não querem ver fragilizado o seu domínio, a sua posse. Isso eu entendo, acho-o normal e, se estivesse do outro lado também era capaz de fazer o mesmo. Um presidente da Câmara não gosta de ver cortado o seu concelho e em relação a Azeitão até se compreende. Se for concretizado esse concelho, lá se vai a Arrábida, lá se vão muitas das praias e por aí fora.
SR – O que é que mudaria se Azeitão fosse concelho?
FS – Mudaria, principalmente, a atenção para os problemas da população, mudaria a gestão da região porque passaria a ser feita pelos próprios que conhecem todas as carências da vila. E mudaria também a capacidade reivindicativa tal como o ritmo do progresso. Ou seja, ser concelho significa mais verbas, mais investimento, maior capacidade para a fixação de empresas, criação de postos de trabalho e, sobretudo infra-estruturas, como por exemplo um hospital, que já tivemos e que agora não temos. Por isso, de cada vez que temos um problema somos obrigados a deslocar-nos a Setúbal. Azeitão tem vida própria, está a crescer e tem um enorme potencial que precisa de evoluir.
SR – Se Azeitão viesse a ser concelho, estaria nos seus planos candidatar-se à presidência da Câmara?
FS – Eu não tenho metas políticas porque, nesse âmbito, já fui tudo o que queria ser. Tenho a vantagem de não precisar da política para viver e faço política por gosto. Essa questão nem sequer a coloco, nem penso nesse assunto porque não sei quando será e se for terão de ser outras pessoas a pronunciarem-se sobre. No entanto, se a população assim o entendesse, não seria eu que ia dizer que não. Mas como digo não é essa a minha meta e, para além disso tenho que pensar na minha vida pessoal e profissional e à idade que já vai pesando. Até porque estou mais em idade de me reformar do que para andar em guerras.
Entrevista de Etelvina Baía