[ Edição Nº 16 ] – Odete Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia de Amora.

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barra-5592645 Edição Nº 16,   20-Abr.98

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Amora a concelho
A CDU faz a excepção

           A Amora poderá vir a ser um concelho. Em Setembro passado o PS apresentou um projecto nesse sentido. Em Fevereiro deste ano retomou-se a proposta, agora trazida pelo PP e pelo PSD. Odete Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia de Amora, eleita pela CDU, tal como todos os cabeça de lista do concelho do Seixal, onde a CDU ganhou com maioria absoluta, não acredita nos benefícios da criação do novo concelho mas também não diz que não a essa hipótese.



          Setúbal na Rede – Qual é a posição da Junta de freguesia em relação à criação do Concelho de Amora?
          Odete Gonçalves
– A posição da Junta de Freguesia digamos que não é sim nem é não. Nós achamos que devíamos lutar pela unidade do nosso concelho, porque a Freguesia de Amora está muito próximo do Seixal. Temos um projecto muito bonito, que tem vindo a ser construído desde há vinte e quatro anos a esta parte. Há projectos que já foram executados, outros que estão na forja e nós achamos que o futuro concelho de Amora perderá, assim como o concelho do Seixal. O concelho do Seixal perde porque fica fragmentado, o “concelho de Amora”, necessariamente, terá de perder também. Efectivamente não estamos contra a criação do concelho de Amora, mas achamos que devíamos antes lutar por uma maior unidade do concelho, por continuar com um concelho forte como é o nosso, um concelho bonito. Somos sim pela descentralização, isso está até no nosso programa eleitoral, aqui da nossa Junta de Freguesia, a descentralização de serviços, a descentralização cultural, enfim, trazer mais projectos para a Amora. Mais projectos do concelho do Seixal para a Freguesia de Amora. Achamos que devíamos lutar por um concelho que, aqui na região, é tido como um bom concelho e temos pena que este concelho seja fragmentado e, necessariamente, tenhamos que começar novos projectos, enfim, um trabalho todo de novo, que demorará mais tempo a cimentar. No entanto, veremos.
          SR – Qual acha que é a sensibilidade da população para este projecto?
          OG
– Penso que população que não está muito esclarecida. Se lhe dissermos que vamos ter uma câmara, a população quer uma câmara aqui a lado da porta. Há sempre uma tendência para sermos comodistas, no bom sentido. De qualquer modo, só serviria para quem tem grandes obras, porque nós já temos serviços descentralizados e acho, efectivamente, necessário um pouco mais de descentralização. Há pessoas que não estão esclarecidas, há pessoas que estão a favor, há pessoas que estão contra, porque também acham que realmente não há justificação para estar a dividir o concelho. A Amora é muito grande e deveria ser criada mais uma freguesia. Impunha-se, efectivamente, para se poder olhar mais convenientemente para a “parte de cima” da freguesia e porque nós temos dificuldade em chegar a todo o lado. Temos uma freguesia com cerca de sessenta mil habitantes o que já é muito nos dias de hoje. Se esta freguesia for dividida em mais freguesias, será talvez melhor para a população na medida em que se poderá localmente dar uma maior atenção. De qualquer maneira temos o problema de Corroios, que também pertencerá ao futuro concelho de Amora e a população de Corroios, segundo o que nós sabemos, está frontalmente contra.
          SR – Sente, então, que esta questão, não foi tanto uma iniciativa da própria população, mas mais uma iniciativa de partidos políticos?
          OG
– Não sei, os partidos que a tomaram é que saberão. A população do núcleo antigo da Amora está realmente captada para esta situação. Há sempre o bairrismo, as pessoas são mais antigas, estão no núcleo tradicional da Amora. No resto da freguesia da Amora a população não foi, de facto, motivada para isto, o que não quer dizer que agora não adira. Mas, no início, a população não estava sabedora se- quer, do projecto. O núcleo antigo da população de Amora é que penso que sim. É reduzido em termos populacionais mas, já por aspirações antigas, por uma certa tradição, é que estava mais sensibilizado. A restante população, a maioria da população de Amora não é natural da Amora, são pessoas migrantes, que vêm das suas terras e que trabalham em Lisboa ou no distrito de Setúbal ou mesmo na cintura industrial de Lisboa e que fazem de Amora quase que um dormitório. O nosso município tem-se esforçado para que este concelho não seja um dormitório, para que as pessoas se identifiquem com a terra onde vivem, onde dormem e para que possam fazer parte da comunidade. Temo-nos esforçado muito, temos realmente muita ocupação para os jovens e para a terceira idade. Mas é um facto que, aqui na freguesia de Amora, cerca de 90% da população, ou mais, não é da Amora.
          SR – Amora reúne as condições para se vir a tornar num Concelho?
          OG
– As condições da lei reúne. Se reunirá condições de facto, o futuro o dirá.
          SR – Já mencionou o problema de Corroios, qual seria o limite de fronteiras que defenderia se o projecto para elevar Amora a Concelho fosse aprovado?
          OG
– Esse problema, a mim própria, ainda não se me pôs, porque ainda não encarei, de facto, essa questão. A Amora é a Amora, tem os seus limites que, aliás, estão consignados nos projectos-lei. Os projectos-lei pretendem para a Amora os limites actuais, digamos que não vamos roubar nada a outras freguesias. Mas ainda não se me impôs essa questão dos limites. Corroios tem, efectivamente, um problema de limites de freguesias, de demarcação de freguesias, num dos projectos-lei. Um dos projectos–lei consigna que Corroios passe a pertencer ao concelho de Amora, na eventualidade deste projecto ser aprovado. Penso que Corroios não quer, mas quem sou eu, Freguesia de Amora, para estar a falar pela Freguesia de Corroios. Esta é a sensibilidade que tenho desse problema, o que não quer dizer que eu esteja a ser porta-voz da população ou da Freguesia de Corroios. Eles estão muito próximos do concelho de Almada e, para continuarem a pertencer ao Seixal, ficam num ponto muito distante. A situação da população de Corroios é diferente da situação da população de Amora. Mas as populações, agora que estão mais informadas e que o problema é mais actual, têm uma palavra a dizer, que é importante. A população tem de ser ouvida. A Assembleia de Freguesia será a expressão da vontade da população, porque são, logicamente, os eleitos pelo povo. As Assembleias de Freguesia têm de dar o seu parecer à Assembleia da República, terão que fazer a expressão do seu voto, serão a representação da população, mas penso que a população, toda ela, deve envolver-se nesta questão.
          SR – Quais é que são os benefícios que poderão decorrer desta elevação de Amora a Concelho?
          OG
– Eu, pessoalmente, penso que não trará benefícios. Como lhe disse anteriormente, nós precisamos é de continuar com um concelho forte, precisamos de ter unidade, para a continuação dos projectos, de toda esta envolvência com todo o município. Isso era o desejável. Criando-se dois concelhos, não sei que benefícios nos trará no futuro. No presente, penso que não nos trará benefícios nenhuns.
          SR – A Amora tem fontes de receitas suficientes, para suportar esta elevação de Freguesia a Concelho?
          OG
– A Amora não tem indústria, só tem comércio e serviços. Ao contrário do que os defensores do projecto dizem, nós tememos que essas fontes de receitas não sejam suficientes. Por isso é que eu digo que deveríamos consolidar o nosso concelho, conquistando mais para a freguesia de Amora, através do concelho do Seixal e não a fragmentá-lo. Se a Amora for concelho, nós estaremos cá para a ajudar a ser forte. A Amora, não tendo indústria, tem muitos serviços, tem muitos bancos, muitas bombas de gasolina, tem supermercados, mas a indústria é uma das maiores riquezas de um Concelho e nós não temos. Se partirmos o actual concelho em dois, penso que não será benéfico para nenhum dos dois, pois o Seixal ficará mais empobrecido, como é lógico, mas a Amora não ficará tão bem como isso. É esse o nosso temor, que efectivamente não fiquemos tão bem quanto a população deseja.
          SR – Quais são os problemas com que a Amora de debate actualmente?
          OG
– A freguesia é muito grande. Todas as freguesias que são grandes têm problemas, problemas de calçadas, que nós tentamos todos os dias resolver, problemas de limpeza, problemas que não são problemas, são casos do dia a dia. A população sente, efectivamente, necessidade de mais alguns serviços camarários. Temos um problema muito grande aqui que é a instalação da Conservatória do Registo Civil e de um Cartório Notarial. Ele já foi criado por portaria, em Diário da República, mas o Governo não tem tido vontade política, consideramos nós e podemos dizê-lo com propriedade. Não têm instalações, pedem-nos instalações. Nós indicamos várias instalações, depois não servem, estão em apreciação, isto depois de nós andarmos continuamente a escrever e a fazer informações. Agora já não servem nenhumas, já nos pedem outra vez para colaborarmos com instalações com umas áreas muito grandes. Deve ser muito bonito ter uma Conservatória do Registo Civil muito grande, mas eu conheço, nomeadamente em Lisboa e aqui no Seixal, repartições a cair aos bocados, exíguas, em que a população nem cabe lá dentro. Porque é que aqui na Amora tem que ser exigido um espaço num rés-do-chão, que tenha saídas para a rua, num prédio que não tenha outro tipo de comércio, que tenha duzentos metros quadrados de área, e por aí fora. Isto é inviabilizar o projecto. Esta é uma das grandes aspirações da população e, por vezes, por pouca informação nossa, admito o nosso erro, a população pensa que vai adquirir caso Amora se eleve a concelho. Mas o facto é que, desde há muitos anos, estes serviços foram criados, mas no papel e isto são equipamentos da competência do Governo, não da competência das autarquias. Temos o Centro de Saúde em muito más condições para os utentes, não por força dos técnicos, coitados, porque eles também sofrem com as más condições. A Câmara Municipal já disponibilizou aqui na freguesia de Amora um edifício, um antigo mercado da Amora, que não tinha muita freguesia. Não estará nas melhores condições mas agora a Segurança Social fará o que entender, só que este projecto também não teve ainda pernas para andar. E esses equipamentos que são tão caros à população, não estão na Amora e talvez por isso as pessoas sintam mais necessidade. Mas se houver vontade política do Governo para andar com isto para a frente, as populações não sentem tanta necessidade de um concelho aqui na Amora. Mas são coisas que nos ultrapassam.
          SR – Acha que a população sente algum descontentamento perante o concelho do Seixal que justifiquem uma mobilização e uma tentativa de separação ou esta iniciativa é puramente uma decisão política?
          OG
– As pessoas, normalmente, gostam sempre que a sua freguesia tenha tudo e pensam sempre que as outras freguesias têm mais do que a nossa, e as pessoas aqui na Amora dizem que vai tudo para o Seixal, para a Arrentela. Há sempre a sensação que nas outras freguesias se faz mais do que na nossa, se falarmos em termos concelhios. Temos mais tendência a ver os buracos da nossa rua e não vemos os das outras. Não será tanto assim. Se nós formos analisar muito objectivamente a questão temos que admitir que a nossa freguesia tem sido muito contemplada pelo concelho. As pessoas querem sempre mais e é claro que estamos cá, como Junta de Freguesia, para reivindicar sempre mais para a nossa freguesia e continuaremos a fazer isso. Mesmo que a Amora seja concelho, falando hipoteticamente, irão haver novas freguesias e depois, entre elas, começará o despique. Isto é humano, é natural e penso, que em todos os concelhos acontecerá. Mas nós já cá andamos há muitos anos e vemos a realidade, apesar da zona ribeirinha, o núcleo antigo da Amora, não se lembrar de como era antigamente e de como está agora, muito mais bonita e agradável. Mas temos também a Amora, a Cruz de Pau, o Fogueteiro, as Paivas, a Quinta da Princesa, os Foros da Amora, enfim, muitos núcleos populacionais distintos e, é claro, que uns têm sido mais privilegiados que outros, dentro da freguesia. Mas como eu disse, cada um quer sempre mais para o seu bairro e isso é complicado.
          SR – Falando ao nível partidário: esta é uma questão que ameaça dividir o Partido Comunista, ao nível local, já que se trata de uma freguesia comunista que se separará de um concelho comunista?
          OG
– Não. Sou eleita pela CDU e nós estamos unidos e temos a convicção de que temos trabalhado para o bem das populações do concelho e da freguesia e eu, assim como todos os eleitos pela CDU, estou cá para trabalhar para a população. Se, eventualmente, o concelho for dividido, a CDU está sempre cá para continuar a trabalhar para a população. Depois a população terá que escolher. Nós trabalhamos no concelho do Seixal, nas freguesias, porque as freguesias são todas encabeçadas por eleitos da CDU, mas se for criado um novo concelho, a CDU estará presente para ajudar a população.
          SR – Caso o projecto venha a ser concretizado, quais acha que vão ser as implicações, por exemplo, ao nível da criação de novos cargos?
          OG
– Os cargos políticos teriam de ser os mesmos que no Seixal. Mas isso implica mobilização da população, implica haver muita vontade e muito sacrifício, porque ao contrário do que muitas pessoas podem pensar, nós trabalhamos muito. Nós, eleitos da CDU, desde que assumimos os nossos cargos, sabemos que a nossa obrigação é essa. O nosso concelho é muito dinâmico, há sempre muitas iniciativas, quer sejam de associações, de colectividade, enfim, das mais variadíssimas forças vivas do concelho. Somos muito solicitados e as pessoas ficam, não diria ofendidas, mas tristes se nós não nos fizermos representar, enquanto câmara ou Junta de Freguesia e nós damos muitas horas, damos muito do nosso tempo que deveríamos dar à família. Para isso nós temos de estar preparados com uma equipa que trabalhe e que se dê à comunidade. Às vezes dizem que vamos para os cargos, que temos muitas regalias, mas abdicamos muitas vezes da nossa vida pessoal. Neste concelho que, eventualmente, possa ser formado, tem que haver pessoas de trabalho, porque, caso contrário, a população também não fica bem servida. Todos aqueles que se vierem a candidatar têm de se mentalizar que aqui neste concelho há muito trabalho a fazer se quisermos manter a dinâmica que ele tem. É um Concelho sempre em movimento.

Entrevista de Margarida Leal     

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