[ Edição Nº 17 ] – CRÓNICA DE OPINIÃO por Jaime Pinho.

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barra-8949180 Edição Nº 17,   27-Abr.98

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CRÓNICA DE OPINIÃO
por Jaime Pinho (Dirigente do PSR)

Um simples copo de leite

           Um estudo recente de uma equipa universitária do Porto mostrou que as incineradoras de resíduos hospitalares, em Portugal, muitas vezes situadas entre prédios mais altos que a chaminé, apresentam quantidades de emissões de contaminantes que ultrapassam todos os limites.           Em Janeiro de 1998 a Câmara de Lille, França, decidiu encerrar de emergência três incineradoras de resíduos urbanos. A França, “rainha das incineradoras”, é sacudida por fortes movimentos de contestação e denúncia.           Em Novembro de 97, o governo flamengo, Bélgica, fizera o mesmo. Foram encerradas quatro, que emitiam vinte vezes mais dioxinas do que o estipulado nas normas legais.           O mito do fogo purificador começa a ser posto em causa, pelos receios cada vez mais fundamentados, pelos estudos cada vez mais concludentes.           Está em curso o estudo para a selecção das duas cimenteiras portuguesas, uma a norte, outra a sul do país, que iriam queimar os resíduos tóxicos e perigosos. Localidades das zonas de Leiria, Coimbra, Vila Franca de Xira e Setúbal estão assim ameaçadas.           A decisão do governo de pretender recorrer às fábricas de cimento para resolver o problema vem no seguimento do escândalo que foi todo o processo da TREDI, multinacional que queria instalar uma estação de incineração em Estarreja. Ao fim de quase dois anos de lutas da população local, descobriram que afinal não haveria em Portugal resíduos suficientes para viabilizar o negócio!           Ou seja. Do que o governo trata agora é de viabilizar um outro negócio, em que os resíduos continuem a ser tratados como simples mercadoria, com que os industriais só se preocupam se proporcionarem lucros fáceis.           O forno de uma cimenteira é como o de uma incineradora. Para além das cinzas tóxicas, a principal saída de contaminantes é feita pelos fumos e gases. De entre as substâncias tóxicas expelidas por qualquer incineradora – hospitalar, de resíduos urbanos ou de resíduos industriais – sobressai a dioxina.           A dioxina, que se forma com a combustão de organoclorados (de cloro), é a substância mais tóxica que se conhece. A sua ingestão faz-se principalmente via cadeia alimentar. Há cada vez mais casos de proibição de consumo e comercialização de leite e derivados, em explorações agrícolas e de gado leiteiro vizinhas de incineradoras, na Holanda, em França, Inglaterra…           Uma das características das dioxinas é a sua grande apetência pelos tecidos gordos. Daí que seja no leite materno onde se costumam encontrar maiores doses.           Para além dos efeitos cancerígenos, a dioxina tem uma espantosa capacidade para se alojar nos sistemas imunológico e reprodutor, donde a sua relação com a preocupante queda acentuada da capacidade reprodutora da nossa espécie, medida na evidente diminuição de espermatozóides que se continua a verificar a nível mundial.           Como isto anda tudo ligado!

          A ministra da saúde comentou a negligência da administração perante o descontrole total das incineradoras hospitalares e os seus efeitos na saúde e no ambiente com a desculpa de que “há problemas mais graves”. Ficamos assim mais uma vez a saber que a política de resíduos que se está a seguir é a da fuga para a frente, investindo numa tecnologia perigosa, que ao tentar tornar invisíveis os contaminantes transformados em gases apenas pretende escamotear o problema.

          Para além das duas cimenteiras, seria necessário encontrar dois locais para instalar estações de transferência, uma a norte, outra a sul. Já se fala outra vez de Estarreja e Barreiro, por essa lógica macabra de que se pode poluir sempre e envenenar o ar, as águas, os solos, só porque há terras já contaminadas e populações pretensamente solidárias com o progresso… das contas bancárias de traficantes de poluição.           A questão costuma ser posta: que fazer então com os resíduos perigosos? Será preferível continuar os despejos incontrolados, as lixeiras com a contaminação dos aquíferos, os rios e ribeiras diariamente assassinados?           Como sempre acontece, para uma pergunta errada será difícil encontrar uma resposta satisfatória. Porque a única política realista para travar a corrida até um ponto de não-retorno é reduzir, reciclar, reutilizar. É uma atitude radical de não aceitar que se comece a construir a casa pelo telhado!

          Os resíduos tóxicos e problemáticos não podem ser eliminados. Apenas podem ser transformados. Porque a única coisa que podemos exigir é que os industriais só produzam o que for de novo reintegrado na natureza e nos seus ciclos. O resto é pactuar com este sistema predador, quebrar o compromisso de deixarmos às próximas gerações a terra que herdámos.

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