Edição Nº 17, 27-Abr.98
AVISO À NAVEGAÇÃO !!
por Rogério Severino (Jornalista do “Jornal de Notícias”)
Um bispo certo, no lugar certo, na altura certa
Uma vaga difícil de preencher
Com o nosso agnosticismo estamos à vontade para falar do Bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, que na última quinta-feira deixou a Diocese a seu pedido. Sempre acompanhámos com muita atenção a acção pastoral do delfim de D. António Ferreira Gomes, o falecido Bispo do Porto, que viveu um exílio forçado por se opor a Salazar. A palavra acutilante de D. Manuel fez mais por Setúbal do que as manifestações porque facilmente chegava ao Poder. Agora, os mesmos que protestaram contra a sua entrada, em 1975, beijam-lhe a mão. Longe vão os tempos naquela tarde de 1975 quando, em Setúbal, Cidade Vermelha (já foi), centenas de militantes de esquerda protestaram frente à Igreja de Santa Maria (Sé Catedral de Setúbal) pela entronização de D. Manuel da Silva Martins. Era um homem do Norte e, portanto, reaccionário, e devido aos protestos houve necessidade de fazer intervir o Copcon (Comando Operacional do Continente) para pôr ordem na manifestação que nunca perturbou a cerimónia no interior onde grande parte do Episcopado português se deslocou para assistir à posse do novo e primeiro Bispo de Setúbal, sucedendo assim a D. João Alves, então Vigário de Setúbal e hoje Bispo de Coimbra. Profissionalmente e como jornalista acompanhámos a evolução Bispo desde os seus primeiros passos e cedo nos apercebemos que D. Manuel, homem do Norte, assimilou os problemas da sua Diocese e cedo começou a denunciar as injustiças a todos os níveis, incomodando o Poder. Criando um Fundo de Auxílio para aqueles que eram vítimas da fome, do desemprego e dos salários em atraso foi devido á sua acção que o então primeiro-ministro, Mário Soares, reconheceu a acção e criou um Fundo especial para esta Região, o qual deu depois origem ao Proset e de seguida à OID. D. Manuel Martins desenvolveu em vinte e três anos uma acção pastoral notável e conseguiu mudar todas as opiniões sendo uma voz escutada pelo Poder político e económico e todos os Partidos passaram a vê-lo de uma forma mais real, de tal modo que todos aqueles que antes protestaram contra a sua vinda, cedo deram a mão à palmatória e depois não havia Partido ou Sindicato ou Associação que não desejasse a sua intervenção, e ele, sempre pronto, mesmo assoberbado de trabalho, a todos entendia. Como Presidente da Comissão Episcopal das Migrações a sua obra em favor do povo de Timor levou-o até à ONU onde interveio a favor do povo maubere. Denunciou, no tempo do Governo de Cavaco Silva a situação degradante em que vivem em Portugal os imigrantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, bateu-se pela modificação da forma de naturalização e mais recentemente, no Governo de António Guterres voltou a denunciar as injustiças do desemprego e da miséria. Classificado de Bispo de Vermelho, sempre disse que o era se isso defendesse a dignidade humana e com a sua acção pastoral a Igreja cumpriu a sua missão. Vinte e três anos depois resignou, acto para o qual não encontramos explicação pois ainda muito havia a esperar da sua acção. Quanto a nós, a área da Diocese (os nove Concelhos da Península de Setúbal) ainda precisa muito de uma voz que denuncie, que incomode; os escândalos contra a dignidade humana ainda não acabaram. O desemprego, os salários em atraso, os mais diversos problemas atentatórios contra o Homem ainda continuam, a situação de fome que se viveu nos anos de 1984/87 ainda não terminou. Muito teria que fazer D. Manuel Martins e o que se espera do novo Bispo, D. Gilberto Reis é uma continuação da acção pastoral do prelado anterior. É isso que se espera do novo Bispo: que venha para a Diocese de Setúbal, muito embora desenvolvendo a acção da Igreja, mas que não ponha de parte a vertente social. Só assim Setúbal entende um Bispo. Para D. Manuel Martins, aquele abraço de um jornalista agnóstico mas que profissionalmente acompanhou a sua acção na Diocese. Setúbal perde um grande Bispo, primeiro bispo, mas ganhou um Grande Amigo. D. Manuel não vai abandonar o trabalho e vai dirigir a Fundação SPES, criada por D. António Ferreira Gomes e manter-se-á como Presidente da Comissão Episcopal das Migrações e, ao viajar pelo mundo, Setúbal estará sempre consigo.
Até sempre.