[ Edição Nº 19 ] – Fidélio Guerreiro, presidente da AERSET.

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barra-2399572 Edição Nº 19,   11-Mai.98

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Setúbal não vai rentabilizar a realização da Expo’98
Por culpa dos responsáveis pela exposição

           A Associação Empresarial da Região de Setúbal vai estar representada na Expo’98, com um dia próprio no Pavilhão do Território, mas Fidélio Guerreiro queixa-se do ostracismo da Exposição Universal que os impediu de preparar uma participação mais cuidada.
          Em entrevista ao “Setúbal na Rede” o presidente da direcção da AERSET enaltece as virtudes do Euro e da regionalização, evidencia as vantagens da construção do novo aeroporto em Rio Frio e crítica o Governo pela remodelação imposta ao RIME.


          Setúbal na Rede – Que benefícios pode a região de Setúbal retirar da Expo’98?
           Fidélio Guerreiro
– A Expo’98 é uma exposição mundial de grande relevância, com uma forte capacidade de atracção e é mesmo um acontecimento impar a nível mundial, pelo que estando aqui perto temos que saber retirar dela o máximo de rentabilidade. Tenho, no entanto, a certeza de que não foram tratados convenientemente todos os processos em termos nacionais, já que os esforços se concentraram muito no acontecimento em si e desenvolveram muito poucas estratégias no sentido de rentabilizar a iniciativa. Por outro lado, a própria estrutura da Expo fechou-se muito em termos de informar os parceiros ou as entidades de como é que poderíamos, na prática, rentabilizar esse acontecimento em todo o país. Não basta recebermos os nossos visitantes, era importante que, para além do acontecimento da Expo em si, pudesse haver uma sinergia Nacional de acontecimentos diversos que complementassem a visita à Expo, particularmente na região de Setúbal, já que estamos aqui ao lado e era importante fazer essa rentabilização. Isso não vai acontecer, infelizmente, porque a Expo fechou-se e nós não sabíamos como é que podíamos intervir na Exposição. Digo isto porque apenas há três ou quatros semanas é que soubemos que havia a possibilidade de participarmos no Pavilhão do Território, isto a um mês de abrir a Expo. Houve uma informação feita às autarquias mas as associações empresariais tiveram desconhecimento e, como se sabe, nós nesse aspecto somos mais dinâmicos, agarramos melhor as coisas, tanto que vamos conseguir ter quatro dias de participação na Expo, para além de uma estratégia que já estava prevista através do Hiate de Setúbal. O Hiate vai estar cinco semanas na Expo, uma semana por mês, e nós tentámos articular essa semana com os dias de participação no Pavilhão do Território, com representações da Associação de Municípios do Distrito de Setúbal, da Região de Turismo da Costa Azul, da Câmara Municipal de Setúbal e da AERSET.

          SR – O que é que vão levar concretamente à Expo’98?
          FG
– Naturalmente levamos os aspectos turísticos, da cultura, da vida económica. Vamos tentar levar alguns agentes culturais e alguns produtos, como o queijo de Azeitão, o moscatel de Setúbal, aquilo que é mais saliente em termos de representatividade da região.
          SR – Isso em termos de participação na Expo’98 propriamente dita. E o que está previsto em termos de iniciativas paralelas com o objectivo de aproveitar o fluxo turístico que a exposição vai provocar?
          FG
– Não há praticamente nada feito. Penso que cada instituição particular terá a sua própria estratégia, em termos de animação. As câmaras terão algumas iniciativas previstas mas neste momento desconheço o que está preparado. Sei que a Câmara Municipal do Seixal também tem prevista uma participação na Expo’98, para além deste trabalho de grupo. Mas o facto de a Expo’98 se ter fechado e não ter facultado qualquer tipo de informações, provocou alguma desmotivação.
          SR – Quer dizer então que não se vai rentabilizar este fluxo turístico acrescido que a Expo vai provocar?
          FG
– Esse será rentabilizado porque não há alternativa. Todas as unidades hoteleiras estão já cheias e não vão chegar os hotéis para dar resposta a uma procura tão grande.
          SR – Mas o que vai ficar depois da Expo acabar?
          FG
– O que devia ficar era uma boa imagem do país e, particularmente, da região. Do país vai ficar certamente, porque a dimensão da Expo é um acontecimento que, por si só, vai deixar uma marca. Agora se fica uma boa imagem da região de Setúbal, tenho dúvidas. Naturalmente que quem vier aqui à região será bem tratado, vão comer muito bem, a região é bonita e vão levar, por isso, uma imagem agradável. Mas, potencialmente, podiam levar uma melhor imagem se tivesse havido um trabalho ou se tivesse sido possível acreditar que se podia estabelecer uma estratégia, só que isso foi sempre condicionado pelo facto de não sabermos se era possível estabelecer uma estratégia.
          SR – E os outros investimentos que se têm feito e que se estão a fazer na região, ou mesmo os que estão previstos, isto em termos de infra-estruturas, como a nova ponte, o comboio na ponte antiga e por aí fora, que importância têm para o desenvolvimento desta região?
          FG
– Para já, há que referir que a integração europeia nos obrigou a desenvolver uma estratégia que deu resultados francamente positivos. A própria economia mundial foi favorável e Portugal, nesse enquadramento, tem hoje resultados que assustam por serem tão bons e, para além disso, prevê-se que vão continuar a ser. Não é natural que as economias tenham um sucesso sustentado continuado no topo, há altos e baixos, e o comportamento que se espera em termos de avaliação da economia portuguesa ainda não vislumbra resultados negativos. Por isso, os próximos dois ou três anos serão anos bons para a economia portuguesa.
          SR – É então um defensor do Euro. Que vantagens traz a moeda única para a economia nacional?
          FG
– Não tenho dúvidas nenhumas de que o Euro traz vantagens enormes. Acaba com os problemas cambiais, deslocamo-nos sem ter que nos preocuparmos com a moeda, mas também tem factores que podem ser negativos para um gestão de um espaço territorial de um país, já que não se poderá desvalorizar o escudo para tornar a economia mais competitiva, o que faz com que na prática haja regras alargadas que nos condicionam. Isso implica que as empresas tenham permanentemente uma visão estável das regras do jogo, como a taxa de inflação ou os juros, factores decisivos para se conceber um modelo sustentado de desenvolvimento. Não se prevê instabilidades curtas da economia, já que, quando acontecer, será a comunidade toda a sofrer o impacto. A União tem condições em termos comparativos em termos internacionais, com a moeda única, que domina a economia mundial.
          SR – Acredita que a informação sobre o Euro já foi suficientemente apreendida pelos empresários?
          FG
– Não estou mesmo nada preocupado com isso, pois Portugal demonstrou uma capacidade de adaptação na sua integração europeia que hoje tem os resultados que tem. Este fenómeno da moeda única é muito mais simples, sobretudo porque vem na continuidade de um processo de evolução e de mudança onde nós soubemos reagir. Nós não cumpríamos prazos, passámos a cumpri-los. E este tipo de atitudes são determinantes para a competitividade. Portugal hoje tem um espírito de competitividade, de capacidade de reacção, e isso é determinante. Temos uma desvantagem, que é sermos pouco organizados no processo mas temos, simultaneamente, uma capacidade de reacção e de desenrascar extraordinárias.
          SR – A região de Setúbal tem sido marcada por grandes problemas laborais e, sobretudo, de desemprego. Nesse cenário favorável da economia portuguesa como enquadra a situação desta região?
          FG
– A região de Setúbal só tem um problema que é de ordem estratégica. Esta região demonstrou, ao longo deste período da integração europeia, ser a região com maior capacidade de reacção. Estávamos na pior situação em termos de um conjunto de factores, como o desemprego, a instabilidade política, económica e social, e com a integração europeia e a OID, Operação Integrada de Desenvolvimento, apesar de não haver uma continuidade de estratégias e isso é que é mau, tem havido uma reacção permanente e esta região tem estado em permanente mudança. Nesse sentido, foi muito importante o investimento estrangeiro que tem vindo para cá, já que tínhamos uma estrutura económica relativamente ultrapassada e fomos obrigados a adaptar-nos face ao problema da instabilidade. Isso significa que a região tem sabido reagir a esse processo, não tendo resolvido os seus problemas por não ter conseguido possuir uma estratégia de solução. Por isso, tendo hoje um problema de desemprego na ordem dos 12, 13% , a verdade é que ainda agora temos um novo investimento da Lear Corporation que vai criar mais quatro mil postos trabalhar. Estas empresas que aqui se têm instalado, devido à sua organização e tipo de exigências, dão às pessoas que lá trabalham um determinado tipo de formação e de atitude profissional que, mesmo que um dia essas empresas se vão embora, as pessoas ficam com essas formação e essa atitude.
          SR – Entende então que o balanço da instalação destas multinacionais na região, é um balanço positivo, mesmo com a iminência delas se irem embora um dia?
          FG
– A economia portuguesa na sua relação externa está substancialmente diferente e os produtos que hoje exportamos têm outro enquadramento. A electrónica é hoje uma das grandes exportações nacionais e está toda na península de Setúbal com a Ford Electrónica, com a Delco Remi, com a Pioneer, que são empresas que garantem hoje quatro mil postos de trabalho. Portanto, temos aqui uma mais valia e a região de Setúbal tem hoje a maior produção per capita do país.
          SR – Para além desse investimento estrangeiro que se tem feito na região, que condições e que atractivos se oferecem hoje para os empresários locais investirem também?
          FG
– Tivemos aqui uma intervenção que foi o RIME, Regime de Incentivos às Microempresas, em que estamos a criar perto de 380 empresas, numa média de três postos de trabalho cada uma, temos mil postos de trabalho criados e com um investimento de 5, 1 milhões de contos. Isto são empresas portuguesas e tudo empresas pequenas que estão a nascer e que nós vamos ter a preocupação de ir apoiando para que não morram. Portanto, não se privilegia apenas o investimento de grandes empresas, mas sobretudo a micro-economia, que é aquela que é determinante para o emprego, já que as grandes empresas, embora empreguem massivamente, na sua evolução tendem a reduzir postos de trabalho para produzir o mesmo, enquanto que as pequenas empresas, quando frutificam, vão criando mais alguns postos de trabalho.
          SR – Apesar disso, o RIME sofreu agora profundas alterações por falta de orçamento. Como avalia, nesse sentido, a actuação deste Governo nesta questão?
          FG
– Julgo que o Governo está distraído ou pelo menos não está a tomar a medida adequada nesta matéria, já que ninguém esperava um sucesso tão grande deste programa, em que se prevê a criação de nove mil empresas e a criação de 20 mil postos de trabalho. Vejo estas alterações com profunda preocupação, na medida em que considero que o RIME é o mecanismo adequado para a micro-economia e para uma certa sustentabilidade em termos abrangentes nacionais. Por isso entendo que é um erro essa redução, compreendo-a por razões orçamentais mas acho que o Governo tem que pensar rapidamente em repor no terreno este sistema, corrigindo-o, já que da forma como estava era demasiado abrangente e não se justifica apoiar todas as actividades como estava a acontecer. Neste momento estamos a desenvolver reuniões com o secretário de estado para avaliar todo este processo e estudar que tipo de acções podemos desenvolver para complementar este processo, nomeadamente em termos de acompanhamento destas empresas.
          SR – Quais as relações da AERSET com o actual Governo, já que se instalaram durante o mandato do Governo anterior? Sentiram essa transição?
          FG
– Sentimos ao princípio, já que estas pessoas acabavam de chegar e enquanto não se adaptaram, não foi fácil. Mas nós temos excelentes relações institucionais, o que não quer dizer que estejamos de acordo. Tanto que, não estando de acordo com o que aconteceu ao RIME, isso não impede um bom relacionamento e vamos tentar ir mantendo um bom diálogo, lutando permanentemente para que este processo se retome correctamente.
          SR – Que avaliação pode tirar de uma forma genérica ao tecido empresarial da região de Setúbal?
          FG
– Esta região tem uma coisa de grande mérito que é a sua capacidade de mudança. Olhamos para um série de investimentos que estão a ser feitos aqui e vemos que começa a haver um lobby regional organizado, com empresários, com autarcas e nomeadamente a vinda do aeroporto para Rio Frio está a juntar toda a gente de uma forma activa. É nestas alturas que vemos se as pessoas estão juntas em volta de um interesse local e nacional, como fazem noutras regiões, mesmo com ideias antagónicas.
          SR – A construção do aeroporto em Rio Frio é um investimento importante para a economia da região de Setúbal?
          FG
– É determinante e aqui é que se põe um problema estratégico da região. Em termos de emprego esta região tem uma grande estabilidade, porque depende essencialmente das empresas e as empresas têm hoje uma grande mobilidade devido à globalização. Se olharmos para a Área Metropolitana de Lisboa, verificamos que há um desequilíbrio total em que se fazem 370 mil viagens por dia, de manhã no sentido sul-norte e à tarde em sentido inverso. Isso significa que se não se tomarem medidas de correcção isso vai-se agravar, já que, com a nova ponte, há muita gente que vive hoje na margem norte que se vai mudar para a margem sul e então o número de habitantes aqui aumenta e do lado de lá mantém-se os mesmos postos de trabalho. Na margem norte estão os ministérios todos, estão as universidades, tem os bancos e as seguradoras, o que faz com que o emprego estável esteja todo do lado de lá. Para que este processo se reordene, implica que também haja na margem sul uma percentagem de emprego estável. É, por isso, necessário fazer aqui investimentos ‘âncora’, como é o caso do aeroporto, porque não só garante um conjunto de empregos à sua volta como atrai o investimento. Depois, é preciso entender que no quadro de influência do novo aeroporto, a zona que tem melhores condições de oferta para instalação de empresas internacionais é a Península de Setúbal.
          SR – E a regionalização, qual é a importância que tem para o desenvolvimento económico desta região?
          FG
– As pessoas reagem à regionalização, consoante o conhecimento que têm. Continuo a pensar que há um grande desconhecimento na sociedade portuguesa de qual é a proposta de regionalização que está na mesa e por isso as pessoas reagem, umas por sentimento, outras por interposta pessoa pelo que ouvem aos partidos políticos ou à figuras públicas. Há quem diga que a regionalização divide o país, mas quem anda pela Europa sabe que é quase anedota este tipo de afirmação. Se percebermos que a regionalização que se está a discutir para Portugal é a do modelo francês, vemos que, na prática é uma forma de coordenação com alguma representatividade política, mas com funções menos alargadas do que as que têm hoje as Comissões de Coordenação Regional. Uma CCR hoje tem mais poder que a futura regionalização, só que neste modelo ninguém dá a cara, não se pedem responsabilidades a ninguém, ao passo que no quadro da futura regionalização se vai reforçar o papel do Estado, já que o Estado não pode ser apenas o Governo, mas a máquina toda desde a autarquia até ao Ministério. É importante haver uma estrutura capaz de coordenar um conjunto de sinergias e posso dar um exemplo na atribuição de subsídios. Até hoje, várias vezes tentaram sistemas de incentivos para o desenvolvimento do interior e nenhum resultou porque não há um espaço territorial. Enquanto os subsídios não forem adstritos a um espaço territorial, as zonas de maior competitividade ficam a ganhar. Enquanto não houver vantagens comparativas nos espaços menos qualificados, então continua a haver concentração empresarial, industrial e populacional. Por isso, a regionalização é a única maneira de se poder sair de um processo de concentração.

Entrevista de Pedro Brinca     

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