Edição Nº 19, 11-Mai.98
Na medida de forças pelo concelho de Amora
Clube Recreativo do Miratejo vota “não”
Sara Abreu, presidente do Clube Recreativo do Miratejo, desmente que haja qualquer tipo de pressão ou manobramento por parte da Junta de Freguesia sobre as colectividade para que estas se pronunciem contra a inserção de Corroios no possível concelho de Amora. Lança um apelo à Assembleia da República e a quem tenha poder para decidir sobre estas matérias, para que tomem a decisão correcta, pensando em primeiro lugar no bem da população. No entanto, afirma que se a decisão não agradar à população, serão accionadas outras formas de luta, porque colectividades como estas não podem parar.
Setúbal na Rede – Qual é a posição do Clube Recreativo do Miratejo em relação à criação do concelho de Amora?
Sara Abreu – Nós não temos nada contra a criação do concelho de Amora, só que não aceitamos integrar esse concelho. Nós estamos bem com o concelho do Seixal. Tem sido um Concelho que nos tem apoiado bastante. Falo pela minha direcção e eu estou cá a cumprir o meu segundo mandato. Portanto, nós não aceitamos de maneira alguma integrar o concelho de Amora. Se me perguntarem porquê, eu respondo de uma forma muito simples: se me disserem que vamos descentralizar serviços, eu sou a primeira a colaborar, a dar apoio, a ir para a frente e a reivindicar essa proposta. Mas, a integração do Miratejo no concelho de Amora vai-nos trazer um atraso enorme, porque se tem de começar tudo de novo, têm de se organizar serviços. Todos aqueles projectos que nós temos aqui para o Clube Recreativo, englobados no concelho do Seixal, vão todos ficar parados. Vão todos ter de ser transferidos para o concelho de Amora. Primeiro que eles começassem a pegar neles, esta colectividade caía, porque, por exemplo, o projecto que avancei para as obras aqui no CRM, está prestes a concretizar-se e eu não quero de maneira nenhuma esperar. Nem o CRM, nem outras colectividades nesta freguesia. Nós aqui na colectividade temos mais de trezentos atletas, jovens. Eles vêm para aqui para fugir a muitos problema que têm, para receber o que muitas das vezes não têm. Os pais saem de manhã e vêm à noite e os jovens se se dedicarem ao desporto e àquilo que gostam, não se metem em determinadas coisas. O governo apregoa tanto “vamos acabar com o flagelo da droga, a bebida, o cigarro”, mas depois não ajuda em nada a resolução destes problemas. É nestas colectividades que a luta pode ser feita, porque os jovens vêm para aqui competir, fazer desporto. É importante incentiva-los para que avancem, porque eles avançando, deixam automaticamente de pensar em meterem-se em coisas que não devem. Eles saem da escola e combinam encontrar-se aqui na colectividade, ou porque vêm ao treino, ou porque vão entrar num sarau, ou porque vão competir com outra colectividade. Fazem viagens através das iniciativas da colectividade, para o Norte, para o Sul, para Espanha. Portanto, se esta colectividade tiver de parar, o que é que será destes jovens? Nós temos cerca de trezentos jovens e todos os dias entram mais. O que é que eles vão fazer? Falo no desporto como falo da parte cultural. A alegria destes jovens é tão grande quando vamos representar a nossa colectividade que eu até fico admirada. É importante não deixarmos parar, é importante que os senhores do governo e as pessoas que podem decidir sobre estas questões, entendam isto. Que estas colectividades não podem parar. Eu não estou a falar contra ninguém, nem quero, mas vou lutar para que esta colectividade não pare.
SR – Conhece os projectos existentes para a criação do Concelho de Amora? Qual é que é a sua opinião acerca destes projectos?
SA – Sim, conheço, mas não gostaria muito de entrar no campo político. Como todos nós, eu tenho a minha cor política. Mas quando entro neste campo de luta contra a integração de Corroios no concelho da Amora, não o faço enquanto elemento político de um partido. É como presidente de uma colectividade. O projecto do PS, julgo que é um projecto que não envolve toda esta zona, como acontece com o projecto do PSD que engloba toda a nossa área. São projectos completamente diferentes. Eu não queria falar muito destes projectos. Só acho que erraram, tanto os mentores do projecto do PS como os do PSD, por não nos terem consultado, nem à população. O que eu acho é que, se houve um 25 de Abril, se se lutou pela liberdade, esta liberdade não deve ser só para ver filmes pornográficos, para consumir drogas. Para mim liberdade significa que as pessoas possam ter expressão. Eu, e toda a gente sabe de que partido eu sou, não admito que partido nenhum me cale a boca. E mais uma vez digo que não estou a tomar a posição de um partido, mas sim a defender a posição da minha colectividade.
SR – Qual acha ser a sensibilidade da população para estes projectos?
SA – Pelo que me apercebi na reunião na Casa do Povo de Corroios, a população não aceita. Fizeram-se abaixo-assinados, muita gente assinou, há mais abaixo-assinados que ainda não foram entregues, outros que ainda estão a ser feitos. O que eu ouço dizer é que, de facto, as pessoas não estão interessadas em pertencer ao futuro concelho de Amora, porque nós não somos da Amora, nós temos um concelho, que é o Seixal. A população não sente necessidade. A população quer sim a descentralização dos serviços e nesta área lutamos para que haja um cartório, lutamos para a descentralização destes serviços. No outro dia fizeram a comparação da Amadora com Oeiras e eu fiquei espantada como é que alguém faz uma comparação destas, quando estas duas áreas estão tão distantes, comparando com a Amora e o Seixal, dois concelhos que estão lado a lado. Não sei qual é a ideia das pessoas que pensaram este projecto. Pode ser o sonho das pessoas da Amora, de algumas pessoas de Amora, porque segundo o que me apercebi, há muitas pessoas de Amora que dizem não a este projecto.
SR – Este é um projecto de certa forma artificial, já que foi idealizado por partidos políticos sem haver uma prévia consulta às populações, para que se soubesse se ela sentia ou não necessidade de criar este novo concelho?
SA – Eu não ataco este ou aquele partido. Os partidos têm pensado primeiro e depois é que têm consultado a populações. Às vezes nem ouvem. O que sucedeu aqui, quando apresentaram esses projectos, foi exactamente isso. Foi um grupo de pessoas, nem sei quem mas também não me interessa, que resolveu entrar nisto, sem consultar ninguém. Embora eu não tenha vivido o 25 de Abril em Portugal, porque nasci em África, acho que o 25 de Abril trouxe liberdade de expressão, permitindo que as pessoas dissessem aquilo que queriam. Só que me parece que esta liberdade é só utilizada para a parte negativa. Esta é uma situação flagrante. Se nós temos liberdade de expressão tínhamos de ser ouvidos. Os cidadãos que habitam a freguesia de Corroios estão contra. Querem ser ouvidos e acho que o governo deveria levar isso em conta. Nós estamos numa freguesia que está a avançar, um concelho que está a avançar e eu acho que eles querem quebrar isto. Eu só peço que, se os membros do governo lerem isto, pensem bem, não queiram parar, não queiram destruir, não queiram fazer com que sejamos uns atrasados.
SR – Houve uma reunião em que a Junta de Freguesia se encontrou com as colectividades da freguesia….
SA – Não, não. Aí há um grande engano. Já acusaram a Junta de Freguesia de Corroios de ter organizado este movimento pelo não à inserção de Corroios em Amora. Isso é mentira, é falso. Isto foi assim: um elemento de uma colectividade, que é uma pessoa independente, não tem cor política, telefonou-me, mandou-me uma carta, nós encontrámo-nos e achámos que tínhamos de reunir. Mandámos os convites para as colectividades, as colectividades compareceram, faltaram duas se não me engano, porque provavelmente não puderam, mas isto é assim, nós trabalhamos como outras pessoas quaisquer, estamos aqui por “carolice”. Convidámos nessa primeira reunião o Presidente da Junta de Freguesia de Corroios. Nós queríamos ter dados acerca deste assuntos que provavelmente ele nos podia fornecer, como por exemplo as áreas. Para além disso convidámo-lo para ele saber o que estava a acontecer, porque nós não temos que fazer as coisas à revelia de ninguém. Tudo o que ali foi decidido não foi por pressão da Junta de Freguesia ou de alguém que nos dissesse o que deveríamos fazer. Várias pessoas fizeram diversos comentários, surgiram muitas ideias diferentes e decidimos avançar com esta tomada de posição. No geral, a concordância foi a de que não queremos integrar o concelho de Amora. Não foi a Junta de Freguesia que organizou isto. Não é só a Junta de Freguesia que pensa, nós também pensamos.
SR – Há quem acuse as colectividades de estarem a ser manipuladas pela Junta de Freguesia, já que se não se mostrassem contra este projecto, seriam penalizados pela autarquia. Que comentários tem a fazer a esta afirmação?
SA – Quem disse isso mentiu. Eu não vou dizer qual a minha cor política, toda a gente sabe, eu já dei muitas vezes a minha cara e continuarei a dá-la, embora sujeita a muitas pressões. Esta noite recebi dois telefonemas, às duas e meia da manhã, porque eu subscrevi a carta que acompanhou o abaixo-assinado. O meu nome estava lá como Presidente do Clube Recreativo do Miratejo. Nós fomos os que tomámos a iniciativa e avançámos com este movimento. Eu fui livremente, ninguém me obrigou a nada. Sou de uma cor política diferente da Junta de Freguesia de Corroios. Aliás quando eu me candidatei com uma lista para esta colectividade houve quem se espantasse visto que esta sempre foi uma colectividade que a CDU dirigia. Apresentei o meu projecto e ganhei. Acho que até hoje ninguém tem nada a apontar-me, mas claro que cometo erros, como todos nós. Aqui dentro eu não tenho cor política. Lá fora sou o que quero. Nunca fui pressionada por nenhum elemento, nem do PS, nem do PSD, nem da CDU, nem por ninguém. Mas em relação a esta noite eu pergunto: quem é que me fez aqueles dois telefonemas anónimos para me ameaçarem, dizendo que eu ia perder tudo, inclusivamente esta colectividade? Eu só disse: “vamos à luta” e dei uma gargalhada, porque em toda a minha vida, desde pequenina, eu tenho lutado e tudo aquilo que sou devo-o a mim. Fiquei muito revoltada quando ouvi aquela ameaça, mas vou lutar. Mesmo que eu tivesse intenções de não me recandidatar, eu recandidatava-me. Destruam-me. Se foi por eu ter assinado, enquanto presidente desta colectividade, o abaixo-assinado, então que me destruam, como quiserem. Mas cuidado porque, como já alguém da CDU disse, eu “tenho pelo na venta”. Portanto, se há pressões, com certeza que não são feitas pela Junta de Freguesia de Corroios.
SR – Na reunião chegou-se a algum consenso, levantaram-se novos projectos, ideias?
SA – Sim. O não à integração de Corroios no concelho de Amora ganhou, por um ponto, dez pelo não e nove pelo sim. Há sempre coisas nestas reuniões que me fazem confusão já que quando envolve política isto é sempre assim. As pessoas exaltam-se, perdem o controle. Fiquei de telefonar aos meus colegas com quem tenho estado a trabalhar neste projecto, para combinarmos como vamos avançar. Mas o que ficou claro é que nós não concordamos com o projecto de integração de Corroios no possível concelho de Amora. Agora cabe à Assembleia da República decidir, porque é o órgão máximo que pode dizer sim ou não. Eu espero que eles pensem bem naquilo que vão decidir. Por aquilo que me tenho apercebido, a pessoas não vão ficar paradas. Pensem bem porque então, se é para criar mais um município nesta zona, porque não Corroios em vez de Amora? Amora nem sequer tem os cerca de trinta quilómetros quadrados, precisa de Corroios para os conseguir. Seria muito mais lógico, ser Corroios porque está na ponta. Mas não é isso que está em causa, porque isso não nos interessa absolutamente nada. Eu fiquei a saber de uma coisa curiosa através de um amorense que me disse que esta era uma guerrilha entre clubes de futebol, Amora e Seixal. Esta pessoa contou-me a propósito desta guerrilha uma história curiosa: quando o Amora perdia, o Seixal enviava um caixão à Amora, quando o Seixal perdia, Amora enviava o caixão ao Seixal.
SR – Existe também um projecto para ser criada a Freguesia do Miratejo. Concordam com este projecto?
SA – Com esse projecto sim, eu concordo.
Entrevista de Margarida Leal