Edição Nº 21, 25-Mai.98
IX Cantigas do Maio no Seixal
Durante seis dias, em dois fins de semana, a música tradicional marca presença mais uma vez na cidade do Seixal através do IX Cantigas do Maio. Os promotores da iniciativa, Associação José Afonso e Câmara Municipal do Seixal, prometem este ano uma viagem musical através da “World Music” esperando superar o êxito obtido no ano passado. Para além da música, este festival envolve teatro de rua, animação musical de rua, exposições e oficina para crianças.
Com início a 28 de Maio, a nona edição do Cantigas do Maio desenrolar-se-á nas ruas do Seixal, Fórum Cultural e no interior da antiga Fábrica Mundet, pertencendo as honras de abertura à Banda de Gaitas Xarabal (Galiza) e “Os Camponeses de Riachos” com Teresa Tapadas.
No dia seguinte, numa das suas raras actuações ao vivo, teremos Zeca Medeiros, voz profunda e poderosa dos Açores, que abrirá “caminho” para o grupo basco Oskorri, (Real Audio), já conhecido de muitos portugueses e que recentemente comemorou os seus 25 anos de existência.
No sábado actuará a mais importante compositora e instrumentista da Finlândia, Maria Kalaniemi e o grupo Aldargaz, actuação que antecederá a apresentação dos irlandeses Kila, (Real Audio) , uma das grandes revelações da Womex/97 que decorreu em Marselha. Trata-se dum grupo que é considerado o mais experimental da Irlanda, com um som muito próprio dentro de uma nova geração de artistas que canta sobretudo em gaélico.
Os espectáculos terão sempre início pelas 22 horas, mas pelo fim da tarde de sábado pode-se ainda assistir à actuação da Banda de Gaitas Xarabal (Galiza) e pelo Grupo Instrumental de Constantim, na Praça dos Mártires da Liberdade e Rua Paiva Coelho, além de se poder visitar uma exposição sobre o construtor de adufes José Relvas e participar, após os espectáculos, num convívio entre público, organizadores e artistas.
Para a semana há mais.
Em 1984 e sob a direcção de Antón Corral nasceu Xarabal,que significa agrupamento de peixes perante o perigo, como resposta à situação em que se encontrava na altura a música popular galega. Era urgente não só divulgá-la, mas realizar também um trabalho sério sobre a técnica da gaita, visando a formação de futuros profissionais.
Esta banda é mais uma de entre as muitas actividades de Obradoiro, a escola de instrumentos musicais da Universidade Popular de Vigo e é responsável pelo aparecimento posterior de vários grupos, entre os quais o célebre Mattocongrio.
A banda de gaitas Xarabal pretende ser portadora de uma mensagem de integração e colaboração com todos aqueles que nas suas diferentes facetas, tenham como objectivo comum conseguir maiores níveis de qualidade e perfeição no desempenho da gaita. É com base nesta ideia que utiliza instrumentos de percussão diferentes dos que habitualmente ouvimos, tais como o sintetizador, as congas, os bongós, o timbal, o clarinete, a flauta traversa e muitos outros, empregando-os sempre sobre uma base rítmica tradicional.
Xarabal é portanto algo de diferente. Uma fórmula nova com uma percussão distinta, onde a criatividade tem um lugar de destaque sem no entanto esquecer a tradição, pois segundo as palavras de Antón Corral “a tradição não consiste só em viver do passado, mas sim em construí-la no presente, para que possa permanecer no futuro”.
O Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Riachos foi fundado em 1959 e é segundo as palavras da etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco, “um dos grupos mais proeminentes da área do Vale do Tejo, que tem revivificado o património musical e coreográfico da região do Ribatejo”.
Logo no ano da sua fundação, o rancho iniciou um trabalho de investigação e pesquisa (invulgar para a época e para o meio) sobre o canto, a dança e o trajo da região. Assim, os trajos hoje utilizados são cópias fiéis dos do final do século XIX princípio do século XX e vão desde os domingueiros aos do trabalho, passando pelos de festa. Os instrumentos musicais são dois acordeões, um clarinete, um cântaro com abano e uma cana. Quanto às danças e para além do célebre fandango, o repertório do rancho inclui a destravadinha, o fadinho passado, o pinheiro ramudo, a valsa a dois passos, entre muitas outras.
São estas danças, estes cantos e estes trajos, que o grupo tem divulgado ao longo dos seus quarenta anos de existência tanto no país como no estrangeiro.

É uma voz profunda e poderosa, rouca e forte, a fazer-nos lembrar longas noites de alcóol e tabaco, tudo muito politicamente incorrecto!
É uma figura corpulenta, de cabelo comprido e barba descuidada, uma personalidade e um criador extraordinários.
É Zeca Medeiros, nascido em S. Miguel há 47 anos, conhecido sobretudo como realizador de televisão. Dos cinco trabalhos encomendados pela R.T.P.- Açores e dos quais é autor ou co-autor das bandas sonoras, dois há que mais se celebrizaram entre nós: Xailes Negros e Mau Tempo no Canal, ambos intimamente ligados à cultura açoriana.
Apesar da sua já longa e duradoura actividade musical, Zeca Medeiros tem apenas um disco editado, Ala-Bote. Muitas são no entanto as colaborações em trabalhos discográficos de outros grupos. O destaque vai para a Brigada Victor Jara (“Danças e Folias”) e João Loio (“Encontros”), para além da sua participação em “Voz e Guitarra” recentemente editado.
São raras, muito raras, as suas actuações ao vivo. Desta vez será acompanhado por Carlos Frazão nos teclados, Paulo Andrade no violão, percussão e voz, João Lima na flauta, sax e clarinete e Mike Ross no contrabaixo e tuba.
E claro como habitualmente estarão no palco mais dois ou três amigos, pois a música para Zeca Medeiros é também uma oportunidade para celebrar a amizade.
“Furra Furra”
(Real Audio)
Foi em 25 de Março de 1971 que os Oskorri deram o seu primeiro espectáculo. Tratou-se duma actuação quase improvisada na Universidade de Deusto e na altura o grupo apresentou-se como um quarteto já então liderado por Natxo de Felipe. Vinte e sete anos depois, de Felipe continua à frente dos Oskorri mas o quarteto deu lugar a um septeto: Antón Latxa (guitarra acústica e voz) já no grupo há 25 anos, Bixente Martinez (guitarra eléctrica e mandolim) também um veterano, Txarli de Pablo (baixo eléctrico), José Urrejola (saxofone e flauta), Josu Salbide (gaita, txirula-flauta basca e alboka – instrumento de sopro basco), Xabier Zeberio (violino e voz) e Natxo de Felipe (percussão, guitarra e voz).

Passou-se mais de um quarto de século desde que o grupo se formou em plena ditadura franquista, aparecendo então como o representante da canção basca, que pretendia dar a conhecer o folclore e a poesia bascos. Ao longo dessa caminhada, as canções militantes ou festivas (por vezes as duas em simultâneo), foram sempre acompanhando as manifestações pela democracia, pela libertação dos prisioneiros, pela autonomia basca.
Hoje grande parte das letras dos Oskorri é da autoria de Natxo, embora continuem a cantar ainda o folclore basco, agora duma forma mais livre dada a introdução de instrumentos eléctricos que no entanto combinam perfeitamente com o som tradicional.
Após 18 discos e um livro editados, os Oskorri continuam a querer que a sua música se identifique com a paisagem basca, mas uma paisagem dos dias de hoje.
O Grupo Instrumental de Constantim é o mais antigo da região. Há documentos que comprovam a sua existência já em 1897, bem como a sua deslocação a Lisboa para as comemorações centenárias do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia. Foi portanto o primeiro grupo do concelho a actuar fora dele e a divulgar a música tradicional e o folclore mirandês, sendo o único que sobreviveu até hoje.
A flauta pastoril, o tamboril, o bombo e a caixa de guerra são os instrumentos utilizados pelo grupo. A flauta pastoril (monotubular de três buracos) era feita à navalha pelo pastor mirandês enquanto guardava o rebanho. Hoje já quase desapareceu a favor da gaita-de-foles.
Com o decorrer do tempo, o pastor sentiu necessidade de recorrer a um segundo instrumento que acompanhasse a flauta e desse mais ressonância aos velhos rimances e cantigas de amigo que entoava. Foi assim que surgiu o tamboril.
Tanto este como a flauta pastoril são tocados por um só homem e apesar de hoje em dia terem caído em desuso, continuam a ser tocados nas festas de Constantim.

Maria Kalaniemi nasceu em Helsínquia em 1964 e com apenas 8 anos começou a tocar acordeão instigada pela avó. Durante 11 anos não parou de estudar música clássica, embora paralelamente actuasse juntamente com mais dois violinistas nos bailes das vilas e aldeias finlandesas.
Para se poder perceber um pouco melhor a importância de Maria Kalaniemi, é preciso dizer que a música tradicional só começou a Ter um estatuto próprio nas décadas de 60 e 70, através de um grupo de pessoas muito restrito que a ela se dedicava. Foi em 1983 que a conceituada Academia Sibelius de Helsínquia decidiu passar a ter um departamento de música tradicional, dirigido por Heikki Laitenen. Maria Kalaniemi é uma das suas primeiras alunas, que a partir de então se empenhará a fundo no estudo da música escandinava, aprendendo também violino, mandolim e kantele. É nessa altura que começa a compor e que funda com outras estudantes, o grupo feminino Niekku, precursor do movimento “new folk”.
A improvisação a partir de temas tradicionais será um dos pontos fortes da sua carreira musical. Foi aliás Heikki Laitenen que lhe ensinou que o mais importante é criar algo novo a partir da antiga cultura, pois considerava a improvisação o elemento talvez mais importante da música tradicional.
Em 1989 vai estudar com o conceituado acordeonista francês Marcel Azzola e obtém o diploma de mestre em músicas tradicionais.
Hoje Maria Kalaniemi é reconhecida internacionalmente como uma grande compositora e instrumentista e está envolvida desde 1992, no projecto Aldargaz composto por Timo Alakotila (piano) fundador em 1982 do famoso JPP, Olli Varis (guitarra) ex-membro do grupo Värttinä, Tapani Varis (contrabaixo) irmão de Olli e também ex-Värttinä, Petri Hakala (mandolim) e Arto Järvelä (violino) também fundador do já referido JPP.
“Ón Taobh Tuathail Amach”
(Real Audio)
Tudo começou na escola quando ainda adolescentes, resolveram formar uma banda que acabaria por manter-se até hoje. O facto de viverem todos na mesma zona de Dublin e de entre eles estarem três irmãos, facilitou a coesão e a sobrevivência do grupo que mantém ainda quatro elementos fundadores num total de sete.
“Kila” foi o primeiro disco, editado em 1992 e nele está incluído um poema de W. B. Yeats. Em 1995 surge “Mind the Gap” e em 1997 “Tóg é go Bog é” (Take it easy), onde quase todas as faixas são cantadas em gaélico, pois os Kila fazem parte de uma nova geração de artistas que canta sobretudo a língua irlandesa.
Este último trabalho é a continuação do caminho já traçado inicialmente: a combinação do ritmo irlandês com o Afrorock, o reggae e as músicas étnicas europeias, o que faz com que os Kila sejam considerados pela crítica como o grupo irlandês mais experimental da actualidade com um som próprio a que alguns chamam “Celtic Caribbean”.
As experiências individuais dos Kila, que trabalharam com uma grande diversidade de artistas (Dead Can Dance, Hector Zazou, Michael Flatley, Hazel O’Connor, Anuna, George Hamilton IV, the Frames) acabam naturalmente por reflectir-se na música que compõem, a cuja originalidade não é alheia a utilização de outros instrumentos para além dos tradicionais: djembe, bandurria, bouzouki, saxofone, clarinete, entre muitos outros.
Por isso as suas actuações ao vivo são de uma energia e entusiasmo contagiantes, onde a diversidade da música e a combinação do novo com o antigo criam um som único e exaltante.
Os Kila são: Colm Ó Snodaigh (guitarra, percussão, voz, saxofone), Rónán Ó Snodaigh (bodhrán, voz, guitarra, percussão), Rossa Ó Snodaigh (bouzouki, didgeridoo, mandolim, clarinete, djembe), Brian Hogan (baixo, voz, percussão), Dee Armstrong (viola, acordeão, voz, violino), Eoin Dillon (gaita-de-foles, percussão) e Lance Hogan (tambores, saltério, percussão, voz).