Edição Nº 21, 25-Mai.98
CRÓNICA DE OPINIÃO
por Rui Paixão (coordenador da União de Sindicatos de Setúbal)
Fundos de Pensão versus Segurança Social
Quando no fim de Junho (ou início de Julho), o Ministro Ferro Rodrigues apresentar na Assembleia da Republica a proposta de lei do Governo, de nova Lei de Bases da Segurança Social, certamente que no seu discurso poderá ser contado vezes sem conta a palavra solidariedade, outras tantas a expressão justiça social, se calhar menos vezes a diferenciação positiva (!?) ou dar menos a quem tem mais ou ainda garantir mais a quem mais precisa, mas, quase de certeza, nenhuma ou muito poucas vezes: fundos de pensões. Neste exercício sempre difícil e falível de antecipação do futuro discurso de alguém, ainda por cima Ministro da Republica tentaremos demonstrar porque somos de tal opinião, mas antes, não resistimos a desde já, levantar a interrogação sobre a tal diferenciação positiva (ou discriminação positiva dos beneficiários de mais baixos rendimentos) apresentada como a forma de garantir mais justiça social.
A fórmula, faz lembrar Robin dos Bosques, “tirar aos ricos…para dar aos pobres”, o que sempre cai bem, sobretudo aos pobres (já que os ricos, no mínimo farão um sorriso amarelo).
Mas nesta história, quem são os ricos e quem são os pobres ? Serão estes ricos a tal nata dos capitalistas do país, com direito a almoço com a equipa governamental ? Não. Estes “ricos”, são na sua grande maioria trabalhadores por conta de outrém, que tal como os “pobres” descontam todos os meses 11% do seu salário para a Segurança Social. Abram-se as bocas de espanto. O sr. Ministro definiu um novo conceito de rico: o trabalhador por conta de outrém, que aufere um salário mensal superior a tantos mil escudos. E em nome da justiça social os seus 11% mensais vão ter menos contrapartidas nas prestações da Segurança Social (doença, desemprego, maternidade, velhice, etc.). Será socialmente justo ? Mas, afinal onde entram os fundos de pensões, geridos pela banca e pelas seguradoras? Tão necessários para estas entidades aumentarem os seus lucros e assim contribuírem (de forma patriótica!) para a melhoria da economia nacional.
Nestes “novos ricos” que serão tratados na parte (quase) final da tal intervenção do sr. Ministro, que dirá qualquer coisa parecida com o seguinte:
- “Na defesa da sustentabilidade financeira dos regimes contributivos irá ser criado um limite máximo de base de incidência das taxas contributivas, actualizável anualmente segundo a inflação, e aplicável a todos aqueles que, após a sua adopção, venham a atingir tal nível de rendimentos”.
Difícil de perceber, não é ? Ministro tem que caprichar, sobretudo quando precisa esconder o rabo, não o seu, o do gato. Numa segunda leitura, mais atenta da frase do Ministro, lá se vai afinal percebendo que, a partir de certo vencimento não vai ser obrigatório o beneficiário descontar os 11% para a Segurança Social e por arrastamento também, não vão entrar na Segurança Social os 23,75% do contribuinte (pormenor que o Ministro esquecerá).
Mas tendo em atenção os mais atentos (que ainda os há), o ministro acrescentará:
- “O limite da referida base de incidência contributiva deverá ser facultativo para os beneficiários que, à data da sua criação, aufiram rendimentos iguais ou superiores”.
Ah! Afinal é para quem quiser. É voluntário, argumento final para calar as vozes mais críticas. Será? Atente-se melhor na frase: para os que, à data da sua criação. E para os outros? Será obrigatório não descontarem a partir do tal tecto ? E será obrigatório aplicar o remanescente num PPR?
Más línguas, poderia responder o Ministro, então não leram a frase seguinte do meu discurso?
- ” não haverá obrigatoriedade de aplicação dos rendimentos não arrecadados pela aplicação do limite acima referido em protecção suplementar”.
Uff ! Agora sim, já podemos estar descansados, até porque o discurso ministerial fez ponto final no assunto. As linhas seguintes, já não tem a ver com a protecção suplementar, mas sim sobre a explicação de como o subsídio de desemprego desmotiva o desempregado de procurar novo emprego e as respectivas medidas para “usar” os desempregados como mão-de-obra ainda mais barata. Mas poderemos nós fazer ponto final ?
Em Maio do ano passado o presidente da Associação das Sociedades Gestoras dos Fundos de Pensões, afirmava: ” O sistema público de Segurança Social ao permitir ao trabalhador a obtenção de um beneficio potencial demasiado generoso, não tem deixado espaço para o crescimento sustentado dos fundos de pensões”.
Ao que o Ministro das Finanças a encerrar o debate respondeu: ” O crescimento dos fundos de pensões são essenciais para a dinamização e crescimento do mercado financeiro”. A consonância de opiniões pode ser fechada com a entrevista do Ministro Ferro Rodrigues (ao DN) em que afirmava que as pessoas irão ser incentivadas a recorrer a esquemas complementares de reformas através de benefícios fiscais, e concluía, através de incentivos fiscais muitíssimos significativos. E aí está, como se poderá fazer a Reforma da Segurança Social, abrindo a porta que conduzirá os beneficiários a tratar das suas reformas aos balcões dos bancos e das seguradoras, sem praticamente se referir o assunto.
Cidadão prevenido, vale por dois.