Edição Nº 21, 25-Mai.98
Torralta com menos 95 funcionários
Comissão de Trabalhadores aponta o dedo à administração
A reunião entre a administração da Torralta e a Comissão de Trabalhadores, CT, para falar de actualizações salariais acabou por se revelar inconclusiva. Isto porque, segundo o dirigente da CT, Joaquim Pires, a administração apresentou uma contra proposta para revisão do Acordo de Empresa. Para já, garante que algumas cláusulas ferem os direitos dos trabalhadores, admite a discussão sobre a contra proposta mas avança que essa discussão nunca deverá ser feita à custa da reivindicação de actualização salarial. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, Joaquim Pires acusa a empresa de pressionar os trabalhadores a rescindirem os contratos e desmente a afirmação do administrador Fernando Castro, feita na última edição do nosso jornal, de que não haveria instabilidade laboral na Torralta.

Setúbal na Rede – SR- Que tipo de propostas foram apresentadas pela Comissão de Trabalhadores e pela administração da Torralta, na reunião de 22 de Maio?
Joaquim Pires – Nós apresentámos uma proposta de actualização salarial e de revisão de algumas cláusulas de expressão pecuniária, mas a empresa rebateu com uma contra proposta de revisão do Acordo de Empresa. Foi assim que chegámos a uma reunião inconclusiva, dada a complexidade da proposta da administração que mexe com aspectos concretos do Acordo de Empresa que vigora desde 1986. Tudo tem de ser muito bem analisado para não corrermos o risco de virmos a perder direitos adquiridos. Quanto à nossa proposta de actualização salarial, foi feita partindo de três questões fundamentais: em seis anos, os trabalhadores foram aumentados apenas cerca de 7,9% e, face à inflação os trabalhadores têm agora salários muito baixos. Aliás, muito abaixo do que tem sido negociado para o sector, em geral. A segunda questão diz respeito ao desaparecimento de cerca de 95 postos de trabalho. É que, se saíram todas aquelas pessoas, a empresa tem menos encargos e isso quer dizer que pode actualizar os salários dos que cá estão. O terceiro ponto tem a ver com o fenómeno Expo’98 que, durante todo este ano vai provocar o aumento da produtividade, na Torralta e, consequentemente o aumento das receitas. Portanto, vamos voltar a insistir nas nossas propostas e tentar chegar a acordo com a empresa, numa próxima reunião, talvez já em Junho próximo.
SR – Porque é que a Comissão de Trabalhadores diz que algumas das propostas da empresa são perigosas?
JP – As coisas estão misturadas num pacote de cerca de 21 propostas de alteração do Acordo de Empresa, sendo que algumas delas vão no sentido da diminuição ou da retirada de direitos dos trabalhadores. Por exemplo, a tentativa de retirar o subsídio nocturno, entre as 20 horas e as 7 da manhã, e a polivalência de funções que aparece de uma forma demasiado abrangente para o nosso gosto. Mas apesar de tudo, considero que poderá haver condições para podermos limar estes problemas com a administração. Nós estamos disponíveis para negociar tudo dentro do Acordo de Empresa mas já avisámos que não abdicamos que essa negociação tenha como base o texto do acordo e a actualização dos salários dos trabalhadores.
SR – Concorda com as afirmações proferidas pelo administrador Fernando Castro, na última edição do “Setúbal na Rede”, de que não existem problemas laborais na Torralta?
JP – Isso não é bem assim porque, apesar da situação que hoje se vive na empresa ainda não ter transpirado para a opinião pública, a verdade é que existe instabilidade laboral. E ela prende-se, precisamente, pela estratégia da administração para reduzir postos de trabalho. A administração afirma que não despediu ninguém e isso é um facto porque tem havido rescisões por mútuo acordo, uma pressionadas pela administração e outras solicitadas por alguns trabalhadores. Mas também é um facto que algum confronto surdo entre a empresa e os trabalhadores, que algumas atitudes menos correctas da administração e a instauração de um clima de insegurança, têm contribuído para que alguns trabalhadores aceitem negociar a rescisão dos contratos. Depois a indemnização é ridícula, veja que a empresa impõe um mês de salário por cada ano e isso significa que uma pessoa com 20 anos de casa poderá receber cerca de 2 mil contos. E isso não dá para nada porque, entretanto o dinheiro esgota-se e o trabalhador fica sem dinheiro e sem emprego. E o pior é que isto acontece, na maior parte das vezes, com trabalhadores acima dos 50 anos e isso significa que se torna mais difícil arranjar emprego cá fora. E a administração tem culpa nisto tudo, pelo clima de secretismo e de perturbação que tem promovido, quem sabe com a intenção de convencer os trabalhadores a despedirem-se. E não podemos esquecer-nos que os trabalhadores da Torralta têm sido de uma coragem extraordinária mas, por outro lado, têm mais de 20 anos de luta permanente pela defesa daquela estrutura. Há cerca de 20 anos éramos dois mil, a nível nacional, entre 1989 e 1993 foram destruídos mais de mil postos de trabalho. Em Tróia éramos cerca de seiscentos e agora estamos lá cerca de 280 trabalhadores.
SR – Num quadro de restruturação da empresa, como é que os trabalhadores vêm a renovação do quadro de pessoal da Torralta?
JP – Nós admitimos que é necessário contratar gente jovem, desde que se respeite os trabalhadores existentes e todos os seus direitos. E isso não me parece que exista porque, por exemplo, o que estão a fazer com os funcionários no sentido de rescindirem os contratos, viola todos os direitos dos trabalhadores e vai contra o Plano Social constante do acordo assinado entre o Estado e a Sonae, para a viabilização da empresa. É que esse Plano Social apresenta um leque de soluções complementares de apoio aos trabalhadores, que a empresa não está a por em prática. Por isso é que dizemos que este ‘edifício’ da restruturação da Torralta começou pelo telhado, com a saída dos trabalhadores. Isto porque o que o Plano Social diz é que os trabalhadores devem ser reciclados, através de formação profissional. Isso é coisa que ainda ninguém viu, não sabemos onde é que anda essa formação profissional. Depois está escrito que se deve promover a mobilidade de trabalhadores, e o que tem acontecido é que as pessoas vão-se embora sem saberem que têm essa possibilidade de escolha. O Acordo contempla ainda apoios à pré reforma e à criação do próprio posto de trabalho. Ou seja, o Plano Social, feito para ajudar os trabalhadores da Torralta, simplesmente não é respeitado e as pessoas ficam sem saber os direitos quer têm. Aliás, ainda não sabemos tudo o que vem inscrito no Plano Social porque, vai para três meses que a administração nos prometeu um exemplar do documento e ainda hoje estamos à espera disso.
SR – Quem fiscaliza o cumprimento deste acordo, que os trabalhadores dizem não estar a ser posto em prática?
JP – Não sei quem será, mas foi-nos dito, há uns meses, que foi constituída uma comissão para acompanhar o processo, não sei de que maneira. O Governador Civil e a Segurança Social terão nomeado representantes para essa tal comissão de acompanhamento mas, o que é certo é que não sabemos de nada e, se entretanto fizeram alguma coisa, nós trabalhadores desconhecemos por completo. O que nós temos feito é denunciar o incumprimento do Plano Social. Já o fizemos junto do Secretário de Estado do Turismo, Vitor Neto, e também já enviámos exposições sobre esta matéria ao ministro da Economia, que detém o processo Torralta e que tem a obrigação de fazer com que o acordo seja cumprido. Mas até hoje não recebemos qualquer resposta e tudo continua na mesma.
SR – Os trabalhadores sempre quiseram ser considerados como parceiros no processo de viabilização da Torralta. Esse objectivo foi alcançado?
JP – Essa é a grande questão de fundo. Sempre tentámos obter respostas sobre o Plano de Desenvolvimento mas até agora a administração não nos disse praticamente nada. Esse Plano de Desenvolvimento está assente no novo conceito de Tróia, relacionado com o acordo feito entre a Sonae e o Governo. Foi-nos dito que há uma equipa técnica a trabalhar no sentido da construção desse conceito nas suas várias áreas, desde a construção de nova unidades, o campo de golfe, a marina (de que ainda se fala), nos campos de golfe, a mudança do cais de embarque e o casino, etc. Deram-nos informações vagas sobre o processo e o que é facto é que todos nos interrogamos sobre o futuro da Torralta dentro de dois ou três anos. Não sabemos se a administração não quer dizer o que se passa ou, se efectivamente, estará com dificuldades em transmitir objectivamente esse dados. Quando se faz segredo sobre as perspectivas de desenvolvimento da empresa e quando se verifica esta pressão que a administração tem feito para a rescisão dos contratos de trabalho, o sentimento de insegurança instala-se e os funcionários interrogam-se sobre o seu próprio futuro. Tudo continua em aberto, sabemos que as pessoas estão a sair porque a pressão é muita e, por outro lado, vimos que nada está a ser feito no sentido de parar este processo a aplicar, de facto, o Plano Social da Torralta que foi criado para ajudar os trabalhadores.
Entrevista de Etelvina Baía