[ Edição Nº 22 ] – Populares contra Lei do Aborto.

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barra-3853945 Edição Nº 22,   01-Jun.98

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Populares contra lei do aborto

           António Pombeiro, o independente que substituiu Kruz Abecasis no parlamento, revela-se mais inflexível que o partido que representa, no que respeita à interrupção voluntária da gravidez. Numa altura em que os portugueses se preparam para referendar a lei sobre o aborto às 10 semanas, o “Setúbal na Rede” quis saber o que pensa o partido mais conservador do espectro político nacional e o seu representante na Assembleia da República.


          Setúbal na Rede – Qual é a posição do Partido Popular, face à lei da interrupção voluntária da gravidez, que irá ser sujeita a referendo?
          António Pombeiro
– A posição do partido é de manter a lei vigente, ou seja, o PP é contra a liberalização do aborto até às 10 semanas, por motivos de ordem económica, por exemplo. Mas essa é a posição do partido, porque a minha posição é um bocadinho mais clara porque é uma posição de princípio. Penso que o aborto viola claramente os direitos mais elementares da vida humana. São direitos humanos que estão em jogo e aqui, a questão é saber quando é que começa o direito à vida. Será no momento em que a criança nasce ou no momento em que se dá a concepção. É que está provado que a vida humana começa no momento em que o óvulo é fertilizado. Portanto, é a partir daí que o s direitos devem ser reconhecidos. O Partido Popular, neste aspecto, toma uma posição mais flexível e aceita a lei que existia, a que permite o aborto com menos semanas. Isto é por uma questão de mal formação do feto, por exemplo, ou para salvaguardar situações em que a vida da mãe esteja em perigo. Nesse caso é a vida da mãe ou a do bebé que ainda não nasceu. Chamar-lhe feto, não, porque é como os abortistas falarem em interrupção voluntária da gravidez. Para mim, a gravidez não se interrompe, termina-se. E depois, voluntária também não é, porque a mãe é dramaticamente, conduzida a essas situação e, quando os abortistas defendem o aborto, o que querem é que a sociedade volte as costas ao problema da mãe e do pai. E dizem assim: “você, se quiser, tem uma solução, que é abortar, e como tem essa solução, não me venha chatear com o seu problema”.

          SR – Nesse caso, como é que geria uma situação de gravidez indesejada?
          AP
– O que me parece reconhecido é que uma maternidade indesejada também é uma violação contra os direitos essenciais de uma mãe. E temos que reconhecer que uma mãe, quando não quer uma criança, tem razões muito sérias para não a querer. Portanto, temos de um lado o direito legítimo da mãe em não querer a criança, e do outro lado o direito legítimo da criança à sua própria vida. Perante estes dois direitos, temporariamente contraditórios, temporariamente conflituantes – que deixam de o ser, assim que a criança nasce – a solução é o Estado, relativamente àqueles casos de desespero da mãe, criar centros de acolhimento temporário das crianças. Porque repare, o problema não se põe só em relação às mulheres grávidas porque há casos de famílias com filhos desejados e que, em determinada altura e por circunstâncias dramáticas da vida, não podem ficar com as crianças. E muitas vezes voltam-se contra as crianças, descarregam sobre elas as suas tensões nervosas e as suas aflições, quando as crianças não têm culpa nenhuma. E o Estado pode perfeitamente evitar isso, se criar centros de acolhimento temporário para receber essas crianças. E estamos a falar de quantas crianças? O universo das crianças portuguesas, dos 0 aos 4 anos, baixou mais de 30% nos últimos 5 anos. O total de crianças até aos 4 anos, não ultrapassa, neste momento, as 556 mil. Para um país como Portugal, este é um problema pequenino em termos financeiros e isto em termos do Orçamento de Estado não significa nada. Repare que, só de dinheiro dos impostos arrecadados, por ano, temos 4 mil milhões de contos por ano. Só na Expo’98 foram gastos 500 milhões de contos e, no meio disto tudo, eu pergunto que encargos significam para o Orçamento de Estado 556 mil crianças. Portanto, quando a família não pode assumir a criança, o Estado tem a obrigação de a assumir.
          SR – Pode depreender-se, das suas palavras, que defende o estatuto jurídico de pessoa, para o feto?
          AP
– Repare, não lhe podemos chamar um feto mas sim uma pessoa. A partir do momento em que o óvulo é fertilizado estamos a falar de uma pessoa, estamos a falar de um código genético que define toda a vida de uma pessoa até ela morrer. Está tudo definido dentro dos cromossomas, a partir do momento em que o óvulo é fertilizado. Por exemplo, há instruções no código genético que só daí a 30 ou 40 anos é que são cumpridas. É como se comprasse um software de um computador e depois metesse a disquete no computador e ele começasse a fazer os trabalhos todos automaticamente e, no final saísse com um trabalho completo. Aí eu pergunto, o trabalho está no produto final ou está na disquete do software?
          SR – Concorda com a maneira como a pergunta para o referendo é formulada?
          AP
– Tal como está feita, é uma pergunta insinuosa. Primeiro porque fala em interrupção voluntária da gravidez e, como sabemos isso é falso. Depois fala-nos em abortos a fazer em centros de saúde adequados. Toda ela é cheia de falsidades, e no fundo o que a pergunta quer dizer quer dizer é se concorda ou não que a mulher, numa situação de stress, de desespero e em situação de abandono pela sociedade, utilize o livre arbítrio e decida sobre uma vida humana.
          SR – Como é que vê o referendo sobre uma matéria já aprovada?
          AP
– O referendo é uma solução de recurso, uma vez que o deputado Sérgio Sousa Pinto, do PS, quis dar nas vistas introduzindo o tema extemporaneamente, e uma vez que conseguiu, à tangente, uma votação favorável na Assembleia da República, nós estávamos confrontados com a seguinte situação: ou a lei é aprovada tal como está agora, ou a lei é referendada.
          SR – Quais são as expectativas do PP para o resultado final deste referendo?
          AP
– Há princípios pelos quais nos batemos, independentemente da sua popularidade e, neste caso, eu tenho esperança de que, se o tema foi bem esclarecido, que o referendo vai dizer não à lei do aborto. Porque repare, podemos pensar que há muita gente que fez abortos mas são essas mesmas pessoas que, devidamente esclarecidas, não devem permitir que uma sociedade volte costas a uma mãe nessa situação. E nós vamos começar com sessões de esclarecimento, sobre esta matéria, estamos prontos a ir a qualquer sítio. Estamos integrados na Plataforma Vida, onde há peritos e médicos especializados que podem esclarecer as pessoas. Agora, o que eu sei é que o Partido Comunista antecipou-se e, relativamente a certas escolas públicas, está a utilizar as escolas e os edifícios públicos para onde é convidado apenas ele e mais nenhum outro. Assim o PCP vai fazer «esclarecimentos» onde só esse partido fala e mais ninguém contrapõe. O que quero dizer é que, se as escolas querem convidar pessoas para o tema têm de convidar dos dois lados.
          SR – Se a lei for rejeitada, em referendo, isso não atribui um atestado de menoridade à Assembleia da República?
          AP
– O que eu vejo é que, a Assembleia da República e em particular o Partido Socialista e ainda mais o deputado Sousa Pinto, têm de repensar seriamente nas suas iniciativas legislativas. Isso será uma boa lição para ele.

Entrevista de Etelvina Baía     
Foto: Sem Mais Jornal     

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