Edição Nº 36, 07-Set.98
CRÓNICA DE OPINIÃO
por Heloísa Apolónia (deputada do Partido Ecologista “Os Verdes”)
O caso das pedreiras da Arrábida
Não há ninguém que não tenha certamente ouvido já falar das famosas pedreiras do Parque Natural da Arrábida e do “cancro” que as mesmas representam para esta área protegida. É incrível pensar que aquela área foi classificada com o propósito de ser abrangida por um regime especial de protecção, devido à biodiversidade que encerra em si, ao conjunto de espécies que nela vivem e aos ecossistemas específicos que ela abrange, e depois olhar as profundas crateras que a indústria de extracção de pedra criou em pleno Parque Natural da Arrábida. Mas para além da profunda degradação paisagística, as pedreiras são o motivo da degradação da qualidade de vida dos habitantes do Parque Natural da Arrábida, daqueles que deveriam ter o privilégio de morar numa área protegida, mas afinal apenas conseguem viver um inferno diário de ruídos intensos e de pó martirizante provocados pelas explosões da extracção e também pela passagem contínua dos camiões que transportam a pedra extraída. E face a esta situação insustentável o Ministério do Ambiente, através do Secretário de Estado Ricardo Magalhães, já teve a audácia de referir que as pessoas quando foram morar para aquela zona já sabiam que havia lá pedreiras e portanto, a conclusão a extrair daqui é que não se podem queixar muito. O que não pensou o Sr. Secretário de Estado e a Sra. Ministra do Ambiente é que a indústria de extracção de pedra hoje, nos anos 90, quase no final do século, nada tem que ver com a indústria de extracção de pedra dos anos 40, data das primeiras explorações nesta zona. Hoje a intensidade da exploração é muito maior e muito mais violenta, facto que os antigos habitantes não adivinhariam e, por outro lado, quando o Parque foi classificado em 1976 foi legítimo que os seus habitantes tivessem tido a expectativa da melhoria da sua qualidade de vida, na sequência das medidas necessárias para a protecção da área, o que passaria pela extinção gradual das pedreiras do Parque. Infelizmente não foi isso que aconteceu. Muito pelo contrário, a área de exploração da pedra aumentou depois da classificação do Parque o que é inacreditável. E se é verdade que não se licenciou nenhuma nova indústria da pedra desde a classificação, as permutas de áreas de exploração têm permitido aumentar a área explorada – e é insustentável numa área protegida pensar que não se deve explorar para a frente, o melhor é explorar para trás, porque estamos a falar de toda uma área protegida, contínua, não é protegida aos bocados, e esta política do “troca aqui e toma lá mais ali” leva a situações tão tristes como a de não estragar uma linda falésia para ir degradar uma das escarpas mais altas da Europa. A solução só pode passar pela extinção gradual desta indústria para fora do Parque Natural, o que implica vontade política para o efeito, e por medidas que garantam que os trabalhadores desta indústria não saiam prejudicados. No dia mundial da conservação da natureza, a Sra. Ministra do Ambiente fez um grande ‘show of’ com as pedreiras da Arrábida, através da assinatura de um protocolo com os industriais. Quem não conhecesse a questão até poderia pensar ‘mas que grande passo que se está a dar para resolver o problema’. Ilusão! Aquilo que se fez foi acordar na realização dos planos de recuperação paisagística, coisa que se reclama, até por via legislativa, há tantos anos – portanto nada de novo. Teria sido muito melhor que a Sra. Ministra nesse dia tivesse, por exemplo, assinalado a efectiva aplicação prática de um plano de recuperação paisagística de uma pedreira.
E sensivelmente na mesma altura vem a público a possibilidade engendrada pelo Governo de permitir o eventual depósito de resíduos industriais nas crateras de pedreiras desactivadas. Ora, conhecendo o estado das crateras da Arrábida, sabendo que uma das cimenteiras que o Governo pode escolher para a queima de resíduos industriais é a SECIL em pleno Parque Natural, provocando mais um crime, mais um atentado nesta área protegida, o melhor é estarmos bem atentos porque o Governo vai montando o puzzle que culminará no reino dos resíduos tóxicos na península de Setúbal, afectando a saúde pública dos cidadãos aqui residentes e degradando acentuadamente os padrões ambientais e a qualidade de vida.