Edição Nº 36, 07-Set.98
Ecologistas e associações locais prometem luta
À possibilidade de incineração de resíduos tóxicos em Setúbal
Na semana em que foram abertos à consulta pública os estudos de impacte ambiental sobre a incineração de resíduos tóxicos em cimenteiras, Setúbal assistiu ao aumento da contestação face à possibilidade dessa incineração vir a ser feita na Sécil, instalada na Serra da Arrábida. Um dos protagonistas desta ‘luta’ é a Comissão Ambiental Proteger o Sado, Caprosado, que em conferência de imprensa garantiu estar contra qualquer processo de incineração.
” A incineração é um processo perigoso para o ambiente e as populações porque emite metais pesados para a atmosfera e, para além disso não está livre de percalços que, a acontecerem podem por em causa a saúde pública”.
A afirmação é de Alexandre Pereira, da direcção da Caprosado, uma associação ambientalista de Setúbal que no dia 25 de Agosto, cerca de 24 horas depois dos estudos de impacte ambiental terem sido colocados a discussão pública, veio a terreiro manifestar-se contra todo o processo de incineração de lixo tóxico em cimenteiras.
Em conferência de imprensa, Alexandre Pereira garantiu que a incineração nas cimenteiras não é segura, prevendo-se que, segundo este responsável “possa emitir quantidades elevadas de metais pesados para a atmosfera, destruindo o ambiente”.
Sendo este um dos muitos problemas apontados pela Caprosado, a associação garante desde já a sua solidariedade para com as populações de Souselas, Maceira e Alhandra, os três locais que em conjunto com o Outão, na Serra da Arrábida, são apontados como pelo Governo como passíveis de receber os lixos tóxicos. Neste caso coloca-se um outro problema: é que a Sécil está implantada numa zona de Parque Natural, protegida por lei.
Quanto aos estudos de impacte ambiental que dizem que em qualquer dos locais em causa pode haver incineração porque este processo não provoca danos, acabam por “não ajudar nada”, adianta Alexandre Pereira que protesta ainda contra a falta de informação sobre esta matéria. Diz este responsável que ” já que o Governo decidiu mostrar-nos apenas os prós da incineração nós vamos mostrar à população todos os contras deste processo”.
Convicto de que a incineração “não é solução”, este grupo exige uma política global para a questão dos lixos tóxicos que passe pela reciclagem e pelo incentivo à redução da sua produção. Mas enquanto “a política ambiental” não chega, a Caprosado promete agitar Setúbal nos próximos tempos e, em protesto contra este processo que consideram “uma mentira” vão sair às ruas em manifestações e acções de esclarecimento.
Igual posição sobre a matéria tem a Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, LASA, cujo presidente Maurício Costa se já manifestou contra a ideia de incinerar resíduos tóxicos numa zona de Parque Natural, como é a Arrábida. Para além disso, este responsável protesta contra o desconhecimento do assunto, por parte da população em geral, fruto de alguma ausência de informação sobre o problema em causa. Por isso, Maurício Costa garantiu ao “Setúbal na Rede” que vai exigir a realização de debates e sessões de esclarecimento sobre o assunto, durante os 60 dias previstos para a consulta pública dos estudos de impacte ambiental.
‘Cautelas e caldos de galinha…’
A maior organização ambientalista do país, que nos últimos meses tem sido acusada de não se pronunciar sobre a possibilidade do Outão, prefere não tomar decisões precipitadas e à cautela diz que “não querendo embarcar em juízos errados” vai tomar posição sobre a matéria depois de analisar profundamente os estudos de impacte ambiental.
A afirmação é do presidente da Quercus, Francisco Ferreira que em declarações ao “Setúbal na Rede” prometeu formular uma opinião sobre a localização “assim que a Quercus se documentar sobre o conteúdo dos estudos”. Já quanto à solução técnica encontrada para resolver o problema dos resíduos, Francisco Ferreira admite que a incineração é uma solução “sem problemas de maior para o ambiente” mas recusa que esta seja a única forma de resolver o caso dos lixos tóxicos.
É que para o dirigente dos ambientalistas, a solução para este tipo de resíduo passa por um “plano global que permita a recolha selectiva, a reciclagem e a reutilização”, para além de incentivos governamentais à indústria no sentido de reduzir a produção de resíduos tóxicos.
À cautela também vai jogando o director do Parque Natural da Arrábida, Ricardo Paiva, que em declarações ao “Setúbal na Rede”, remeteu uma posição sobre a matéria para depois da análise aturada dos estudos de impacte ambiental.
Câmara quer esclarecimentos
O executivo socialista da Câmara de Setúbal vai mais longe na exigências e já decidiu solicitar mais informação sobre o assunto, por forma a poder tomar uma posição final sobre a matéria. Mas como se trata de uma matéria delicada, a autarquia foi mais longe e decidiu criar uma comissão de acompanhamento de todo o processo de incineração de lixos tóxicos.
A decisão tomada na sessão pública de dia 25, foi avançada ao “Setúbal na Rede” pelo vereador do pelouro do ambiente, Mota Ramos, que alega a necessidade de mais informação sobre o assunto, a par da análise dos estudos de impacte ambiental enviados à Câmara no início da semana passada.
Nesse sentido a autarquia já solicitou a ajuda do Ministério do Ambiente e de técnicos especialistas, “que vão esclarecer o executivo” e ao mesmo tempo “ajudar a autarquia a promover debates com a população” durante os 60 dias previstos para a consulta pública, adianta Mota Ramos.
O PSD e a CDU é que não estão pelos ajustes e, venham os debates que vierem, os dois partidos da oposição na Câmara de Setúbal já garantiram que não vão admitir a incineração de resíduos tóxicos em plena Serra da Arrábida, uma zona que para estes autarcas “deve continuar protegida”.
Seja como for, este caso e toda a polémica que o rodeia promete continuar já que a decisão final sobre a localização só será tomada no final do ano. Para já, o que se sabe é que os únicas decisões dadas como certas dizem respeito à localização de duas estruturas fundamentais para o processo de co-incineração de resíduos industriais perigosos: a estação de transferência que ficará em Estarreja e a estação de pré-tratamento a instalar no Barreiro.