Edição Nº 38, 21-Set.98
CRÓNICA DE OPINIÃO
por José Maria Dias (Director do Fontenova Teatro Estúdio)
Setúbal, a segunda Cidade
No “Expresso” de 22/8 foi publicada mais uma brochura da colecção “Monumentos 25 anos inesquecíveis”, desta vez dedicada aos grandes concertos. No que diz respeito a Portugal, há um acontecimento referido nesse trabalho que me despertou e veio reforçar a tese que tenho defendido sobre a vida cultural de Setúbal nos últimos 13 anos. Um Festival de Jazz Contemporâneo em Setúbal. Como é que foi possível um festival desta natureza decorrer em Setúbal, com o apoio da Câmara e a colaboração do Centro Cultural a uma organização do Departamento de Música do Grupo de Teatro Os Cómicos? É natural, estávamos no ano de 1979, quando Setúbal se orgulhava de ser uma das mais importantes cidades culturais do país, à parte de Lisboa. Decorriam os anos pós PREC, onde todas as comunidades se organizavam e tinham as prioridades viradas para outros interesses mais económicos, mais materiais, com a sua legitimidade. Em Setúbal também se viveu nesse clima de reorganização, de procura de estabilidade, de desenvolvimento sustentado e programado com vista ao futuro. Mas paralelamente sentia-se a necessidade de acompanhar esse crescimento com a correspondente cultural. Nesses anos Setúbal era a cidade com maior animação Cultural durante o ano. Começava-se em Fevereiro/Março com o Carnaval, um Corso que ombreava com os mais famosos, na Avenida Luísa Todi, uma das melhores do paía para essa prática. Junho era o tempo de Santos populares, do concurso de “Ruas enfeitadas” e de “Arraiais populares”. Em Julho vinha o tão desejado Festival de Teatro, que era só o melhor festival do género que se fazia em Portugal. Quem não se lembra do Convento de Jesus a abarrotar de gente todas as noites, para verem as mais importantes companhias de teatro do país. Em seguida era a grando Feira de Santiago, com os seus atractivos tradicionais. Entre esta e as Festas Bocageanas tinhamos as noites de cinema que decorriam ao ar livre no Convento de Jesus, com uma programação não comercial, mas que tinham uma assistência de todos os estratos sociais e que enchiam por completo o claustro do convento. As Festas Bocageanas eram pelo menos uma semana de realizações culturais, onde cabiam desde as mais populares, promovidas pelas colectividades, a todas as outras promovidas pela edilidade. Juntava-se a tudo isto a animação que acontecia pelas ruas da baixa, desde músicos a bancas com artesanato e animações várias, que tornavam a cidade numa das mais animadas. Um amigo meu músico de profissão, radicado em Londres, disse-me que quando chegou, Londres parecia-lhe Setúbal em ponto grande. O que aconteceu entretanto que modificou tanto esta cidade que pretende ser (julgo que já não é) a terceira cidade portuguesa? Devido a erros de estratégia e algum sectarismo por parte de alguns sectores políticos, as correlações de forças na Câmara foram alteradas, as vontades e sensibilidades culturais alteraram-se, de tal maneira que se começaram a apontar outras prioridades.
Conclusão, é uma tristeza assistir ao panorama cultural desta cidade, em que só por ter tido uma exposição de um consagrado pintor russo, uma ilha no marasmo, o responsável pelo pelouro da cultura da cidade, numa atitude meramente propagandista, afirmou que Setúbal era “a segunda cidade cultural do país”. Devia estar a referir-se ao distrito e não ao concelho.