[ Edição Nº 39 ] – Júlio César Reis, secretário de Almada do Movimento o Partido da Terra.

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barra-7917129 Edição Nº 39,   28-Set.98

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Movimento o Partido da Terra apela à abstenção
Em protesto contra “esta regionalização imposta”

           Júlio César Reis, do secretariado de Almada do Movimento o Partido da Terra, garante que os portugueses devem libertar-se das pressões partidárias no sentido de votar sim ou não e que, em caso de dúvida é preferível a abstenção como arma de protesto que poderá abrir caminho a uma nova discussão sobre o assunto e a uma outra forma de descentralizar poderes e as competências.

          Setúbal na Rede – Qual é a posição do Movimento o Partido da Terra sobre a regionalização?
          Júlio César Reis
– Nós somos contra esta regionalização, este mapa imposto aos portugueses, este referendo e a temporalidade imposta. Por isso decidimos optar pela abstenção porque se trata de uma forma de protesto contra todo este processo que consideramos errado. Acho que as pessoas que não concordam com isto devem abster-se e não se sentirem obrigadas a tomar uma posição a favor ou contra. Ou seja, hoje em dia as pessoas quase que se sentem obrigadas a decidir para um lado ou para o outro, por força das campanhas que têm sido desencadeadas. Por outro lado não utilizamos o voto nulo porque, como se sabe, também é um voto expresso e porque só a abstenção permite desautorizar todo este processo, permitindo também que o assunto fique em aberto para uma discussão aprofundada e uma possível retoma da matéria com um outro conteúdo.

          SR – Pode concluir-se que o Movimento o Partido da Terra defende a divisão administrativa do país com outros contornos?
          JCR
– Sim, desde que essa vontade seja manifestada pelos portugueses e que eles possam decidir a que região vão pertencer e quando é que o devem fazer. Devem também ser os cidadãos a decidir a quem passam as competências. E no caso do mapa, o que é que impede que sejam dez ou doze regiões, e porque é que não são todos os distritos a formar 18 regiões?
          SR – Na sequência de tudo o que defendem também considera artificial o referendo de dia 8 de Novembro?
          JCR
– Nós não temos qualquer problema em relação ao referendo enquanto instituição. O problema é este referendo que é colocado de forma artificial. Como disse há outras formas de trabalhar o assunto sem pôr um mapa à votação. Ou seja, defendo um referendo segundo regiões naturais, de acordo com a vontade das suas populações. Depois há a questão das duas perguntas que podem gerar contabilidades diferentes em relação a cada região. Para além disso há a questão do tempo e se este mapa e esta regionalização visam realidades diferenciadas porque é que tudo tem de ser feito na mesma altura?
          SR – Apesar de rejeitar esta regionalização continua a defender uma descentralização de poderes?
          JCR
– Sim, somos pela divisão administrativa ao ponto da criação das regiões, através da vontade popular e da livre associação geográfica. Ou seja, desde que essa vontade venha de baixo para cima, que os municípios se agrupem como entenderem e acreditamos que há outras instituições que pela experiência e valor também devem ser tidas com conta como órgãos de ligação com o poder central, como por exemplo as associações de municípios.
          SR – Nesse caso, as comissões de coordenação regional também teriam uma palavra a dizer?
          JCR
– São estruturas governamentais e com dirigentes nomeados por isso não são instituições democráticas. No entanto podem fazer passar as competências e a experiência para as instituições que os cidadãos entenderem que os devem representar. No entanto não somos pela democratização destas instituições através do voto porque isso significaria a aceitação dos mapas das actuais comissões de coordenação regionais e, consequentemente, aceitar o que já existe. O que deve ser feito é drenar competências e meios para os órgãos representativos dos cidadãos, as assembleias municipais, de forma a que possam ser auto-geridas.
          SR – As iniciativas dos diversos partidos e movimentos têm tido um efeito esclarecedor junto dos eleitores?
          JCR
– De maneira nenhuma porque somos contra as frentes extremas do ‘sim’ e do ‘não’, porque antes de mais têm argumentos sem sentido. Os que defendem a regionalização querem a toda a força dizer que sim e os anti-regionalistas avançam com ideias disparatadas. Com isso todos marcam um certo caciquismo e é porque todos eles escondem um outro tipo de ambição que é mais política que outra coisa. Por isso e por muitas outras razões os portugueses não estão, de facto, a ficar esclarecidos mas, ao mesmo tempo, parecem sentir que terão de optar por uma coisa ou por outra. E isto é exemplificado com o caso do próprio Presidente da República que depois de manifestar algumas dúvidas sobre o processo é obrigado a fazer um apelo à participação dos eleitores no referendo. Não posso concordar com isto porque as pessoas só devem participar quando sentem realmente esse problema e não quando são pressionadas pelos partidos a escolher uma coisa ou outra. Ou seja, as pessoas estão a ser obrigadas a decidir, não pelo que acreditam ou pelas dúvidas que não foram esclarecidas, mas sim em função dos seus clubes partidários. Com isto pretende-se arrastar os portugueses para uma situação que não faz qualquer sentido.
          SR – Acha que o distrito ganharia se fizesse parte da região Lisboa/Setúbal?
          JCR
– A ligação que querem fazer não é, de modo nenhum, natural porque Setúbal não é igual a Lisboa. A única coisa em comum parecem ser os problemas ligados à desordem urbanística e ambiental mas nestes casos não se justifica qualquer região porque bastava desenvolver algumas acções coordenadas. Ou seja, se estes problemas são idênticos, então que se coordene ideias e acções entre as respectivas entidades oficiais. Se até agora a administração central não conseguiu resolver estes problemas não será uma região que irá ter sucesso onde o Governo falhou, ou seja, na disponibilidade de meios para fazer aplicar as leis que de facto existem mas que por falta do resto acabam por não ser implementadas.
          SR – De que maneira pretende sensibilizar os portugueses para a abstenção?
          JCR
– Como somos um partido pequeno temos poucos meios à nossa disposição para a campanha e entre esta falta de meios conta-se a dificuldade de chegar aos órgãos de comunicação social. Mas este facto deve-se apenas ao hábito que os grandes meios de comunicação criaram de bipolarizar as discussões. Ou seja, convidam defensores do ‘sim’ e do ‘não’ para esgrimirem argumentos e esquecem-se que existem mais posições tão legítimas como as outras. Uma atitude que acaba por não ser democrática e prejudica o esclarecimento dos portugueses. Mas apesar de tudo vamos ter os habituais tempos de antena e, como não podemos fazer a campanha que gostaríamos, vamos optar por lançar panfletos explicativos e fazer anúncios na imprensa, pagos por nós. Quanto às acções de rua, vamos concentrar os nossos esforços nas áreas onde temos maiores meios, como é o caso da península de Setúbal, de Lisboa, do Algarve e de Coimbra.

Entrevista de Etelvina Baía     

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