Edição Nº 39, 28-Set.98
AVISO À NAVEGAÇÃO !!
por Rogério Severino (Jornalista do “Jornal de Notícias” e
membro eleito do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas)
O distrito de Setúbal para ser um oásis
precisa do mais importante: a água
Ás vezes a vontade febril de mostrar trabalho partidário pode fazer perder a clarividência de quem governa. ‘Dourar a pílula’ sobre uma verdade insofismável como o desemprego no distrito de Setúbal é uma atitude inócua; mas quando isso vem de um representante de um Governo que é suportado por um Partido que se denomina de socialista, então a situação tem foros de perigo. Se fosse a direita a tornear números e a branquear situações, não seria aceitável mas pelo menos poderia ser mais compreensível; quando se trata de um representante do Governo no distrito que detém o dobro da média do desemprego nacional, então a situação é mais séria. O Governador Civil de Setúbal, Alberto Antunes, representa o Governo no distrito e como tal é um veículo da sua política; cumpre as directrizes governamentais, executa e aplica ao distrito as medidas que lhe são transmitidas pela tutela, neste caso o Ministério da Administração Interna. A consideração que temos pelo actual Governador do distrito, que simultaneamente é o Presidente da Federação Distrital do PS, ficou algo abalada quando, numa conferência de imprensa o ouvimos traçar um quadro da situação económica e social do distrito que, se quem o escutasse não tivesse, como nós, vivido no terreno os problemas desde os anos de brasa de 1984/86, poderia pensar que estava num verdadeiro oásis de prosperidade. Mais estupefactos ficámos quando, na sua intervenção perante os jornalistas, o Governador Civil considerou que o distrito de Setúbal está em franca recuperação económica. Sabemos, é verdade, que Alberto Antunes interveio no sentido de ultrapassar a situação na Agaerre, no Pinhal Novo, mas pelos vistos com poucos resultados, e na resolução do caso de uma empresa de Alcácer do Sal, a Sumate, com algum êxito. Aliás, outra coisa não se lhe exigia. Mas o que já não aceitamos – e porque temos acompanhado a realidade (não a utopia) da situação do distrito – é que Alberto Antunes tenha informado que a taxa de desemprego no distrito é de 9 por cento quando até Julho do corrente ano o próprio Instituto de Emprego e Formação Profisional divulga os dados de 12,5 por cento. A realidade está em que o número de desempregados no distrito é de 42 000 e as situações de encerramentos de empresa são crescentes. A não ser que o Governador considere o trabalho precário, sem qualquer vínculo, como emprego e os próprios cursos de formação profissional como situações de pleno emprego. Por outro lado e tendo o Governador considerado que os quatro Concelhos do Sul, integrados no distrito, não tem números de desemprego substanciais, a verdade é que Sines tem 1180 desempregados, Alcácer do Sal 1100, Grândola 648 e Santiago do Cacém 2062 desempregados. A um responsável político e partidário socialista é exigido que a verdade seja o sustentáculo da política; e como não acreditamos que Alberto Antunes tivesse a intenção de mentir, talvez devesse informar-se melhor e querer a toda a força dizer que o distrito de Setúbal está a melhorar no respeito ao emprego é não querer encarar os factos. Curiosamente, na mesma altura em que dava a conferência de imprensa para divulgar oásis, o PCP também levava a efeito uma reunião com jornalistas já marcada há uma semana. Certamente que a conferência do Governador não foi à mesma hora com intuitos de desmobilizar a outra onde se falou nalgumas situações reais como a Torralta, a Sodia, a indústria naval. Nós reagimos sempre a situações destas porque vemos muito mais os políticos procurarem a manutenção dos seus lugares do que encontrarem alternativas para resolver situações. E havemos de ver para o ano, quando das próximas eleições para deputados, os candidatos andarem a prometer o habitual para no minuto seguinte a saberem o resultado eleitoral nunca mais falarem com os eleitores. E gostaríamos mais de ver o Governador Civil a sensibilizar o Governo para resolver situações e a levar ao Primeiro-Ministro os imensos problemas de emprego, habitação, saúde, educação e muitos outros com que o distrito se debate. Seria bom que Alberto Antunes se esforçasse a conhecer melhor o distrito real já que não temos prazer nenhum em vê-lo traçar um quadro de um distrito de ouro quando na verdade o ouro ninguém o viu. Ao Governador exige-se uma postura diferente e esta critica é mais um conselho já que para muita gente pode parecer ofensivo caracterizar o distrito mais parecendo um oásis quando a situação é negra. Sabemos que não foi essa a intenção e damos-lhe o benefício da dúvida. Também estranhamos que Alberto Antunes tenha escolhido como palco preferido para quase diariamente falar, as completamente descredibilizadas rádios locais de Setúbal, curiosamente todas de propriedade do candidato do PP à Câmara de Setúbal e que as utilizou em campanhas de terrorismo verbal contra o próprio candidato do PS e Presidente da Câmara. Curiosamente também durante a campanha onde o candidato socialista à Câmara foi ofendido e vilipendiado pelas rádios do candidato do PP e por ele próprio, na televisão, não vimos qualquer posição de condenação por parte das estruturas federativas do PS, ao contrário da Concelhia de Setúbal, que tomou posição. É uma leitura que fazemos e uma interrogação que gostávamos que tivesse resposta. No entanto, num País que tem no Governo um partido denominado socialista e que seria de supor defender os interesses dos explorados e oprimidos – é isso que interessa – eis que, mesmo de forma demagógica, os projectos de aumentos de pensões e de apoio á Terceira Idade são apresentados pelos partidos do centro e da direita.
Será que o socialismo está invertido?
