Edição Nº 40, 05-Out.98
Apesar das críticas ao método e ao mapa proposto
Movimento Portugal Plural defende a regionalização
Duarte Lynce Faria, mandatário do Movimento Portugal Plural em Setúbal, acredita nos benefícios da regionalização e defende que Setúbal e o Alentejo vão ganhar com a divisão administrativa. No entanto critica a forma como o processo está a decorrer e coloca sérias dúvidas quanto às delimitações previstas no mapa que será referendado a 8 de novembro.
Setúbal na Rede – Qual é a génese do Portugal Plural?
Duarte Lynce Faria – Este movimento partiu de alguns deputados e políticos que sentiram o problema da regionalização na sua origem. E, embora não concordando com a metodologia utilizada para chegarmos à actual situação do referendo, estas pessoas oriundas de um leque partidário muito diversificado e também muitos independentes, resolveram unir esforços no sentido de tentar esclarecer a população em geral quais seriam as vantagens da regionalização, independentemente das críticas que se possa fazer ao processo. Aqui são algumas, principalmente à metodologia prosseguida e ao mapa proposto. Ou seja, o que se pretende é dar um sim à regionalização mas um sim crítico. Dizendo ainda que o que está em causa é uma reforma do Estado e que para ir para o terreno na sua plenitude levará qualquer coisa como dez anos, mas dizer também que esta era uma situação prevista desde 1981, quando a então Aliança Democrática publicou o Livro Branco e a Resolução de Conselho de Ministros. A génese desse documento foi um trabalho feito por Freitas do Amaral e, naturalmente, tinha-se uma ideia muito concreta de que uma divisão administrativa como a que se pretende fazer não é de um dia para o outro, não se faz por decreto nem por lei, faz-se no terreno e com uma continuidade em termos da transferência dos serviços da administração central para a administração regional.
SR – Sendo alentejano não lhe parecia mais natural integrar o Movimento Alentejo, Sim à Regionalização, Por Portugal?
DLF – Há movimentos que vão lutar pelo sim às regiões mas num espaço mais pequeno que o espaço nacional. Penso que a grande vantagem do Portugal Plural é exactamente a abrangência do território nacional. Esta é uma das razões da minha escolha e, por isso mesmo é muito simples ao movimento fazer a articulação com movimentos que lutem por uma determinada região. Naturalmente, nós lutamos por cada uma das regiões mas talvez nos interesse mais defender todo o Portugal como uma reforma da administração pública. Em segundo lugar, não podemos esquecer que, se nós criticamos a metodologia utilizada e, eventualmente, até o mapa proposto, pareceria uma contradição nós estarmos a defender uma região apenas.
SR – Porque é que o movimento critica o método utilizado neste processo?
DLF – Nós pensamos que a divisão administrativa do país deveria ser um Pacto de Regime e nunca deveria ser utilizada como uma pedra de arremesso deste ou daquele partido, ou deste contra aquele movimento. Isto independentemente da posição individual de cada uma das pessoas porque não é isso que está em causa. Há uns quatro ou cinco anos a esta parte, as coisas começaram a cair, de certa maneira, no combate político e, quando se combate politicamente com um assunto como a regionalização perde-se lucidez, perde-se alguma capacidade de intervenção junto da população, independentemente dessa regionalização se fazer ou não. Não estou contra o referendo mas o que eu gostava dera que a regionalização fosse feita numa base de consenso e que se deixasse a delimitação das regiões (que é o que provoca mais acesa discussão) para a última fase do processo.
SR – Porque é que defende que o mapa seja delimitado depois de aprovada a regionalização?
DLF – A questão das delimitações deveria ser feita depois de decidida a questão das atribuições e competências das regiões. Há dois modelos em causa: um é o chamado modelo transversal que, simplificando, é mais ou menos o das cinco comissões de coordenação regional, e há um modelo que de certa maneira elege as regiões do interior com autonomia suficiente para terem energias próprias e criarem regiões próprias. Ou seja, o que está aqui em causa nos dois modelos teóricos e o que se pode perguntar é se por exemplo o Norte deve ser um, ou deve haver uma parte litoral e uma interior? Será que o Centro deve ser um, ou deve ter uma parte litoral e uma interior? Será que Lisboa e Vale do Tejo deve estar unido ou, pelo contrário, deve haver uma região Lisboa/Setúbal e depois uma Estremadura e Ribatejo? Ainda em termos de modelos possíveis, temos ainda o Alentejo porque há de facto diferenças muito grandes entre o Baixo Alentejo e o Alto Alentejo. E parece-me que esta e todas as outras questões podem ser retomadas posteriormente, não é isso que invalida que as entidades regionais se mantenham.
SR – O que é que o Alentejo ganharia com a regionalização e com a sua divisão em duas regiões?
DLF – A questão das duas regiões é fundamentalmente um problema de identidades regionais. Quem conhece profundamente o Alentejo, sabe que há de facto, uma grande diferença entre o Alto e o Baixo Alentejo, para não dizer noutras divisões alentejanas porque, numa área com 543 mil habitantes não é possível dividir mais do que em duas regiões. Mas o que é facto é que a questão das duas regiões pode ser retomada posteriormente. Por outro lado acredito que os projectos implementados no Alentejo, decorrentes do projecto do Alqueva e do reforço do Instituto Politécnico e das universidades, possam mais tarde dar um conjunto de energias que não apenas delimitem a questão da identidade regional do Baixo Alentejo, mas também possibilitem que, no futuro, se assuma como região administrativa. Quanto ao problema actual, acho que pode ser debatido neste quadro de regionalização, deixando esta situação em aberto para o futuro. Para já, há que resolver os problemas actuais e eu lembro que o Alentejo perde 1200 habitantes por ano. E se não invertermos rapidamente esta tendência, dentro de pouco tempo teremos menos de meio milhão de habitantes para um espaço que é um terço do território português. Portanto, os problemas de desertificação têm de ser atacados já. E dou-lhe o exemplo da comunidade espanhola da Estremadura, as províncias de Badajoz e de Cáceres que já ultrapassaram a média da União Europeia de Produto interno Bruto (PIB) per capita, enquanto o Alentejo continua nos 57%. Isto significa que o problema do Alentejo é o de como atacar a desertificação e uma enorme falta de investimento nos últimos 30 anos. E neste aspecto a regionalização seria muito importante porque poderia ajudar a resolver muitos destes problemas.
SR – Sabendo que o PIB per cápita no distrito de Setúbal é cerca de metade do de Lisboa, a península ganha ou perde se ficar na região de Lisboa/Setúbal?
DLF – Em 1926 surgiu o distrito de Setúbal por desanexação da parte sul do então distrito de Lisboa que ia até Porto Covo. De então para cá, a península de Setúbal foi sendo, cada vez mais uma zona de imigração, principalmente de gente vinda do Alentejo. Entretanto, o Alentejo Litoral até 1973 não tinha pólos de fixação, depois surgiu o Complexo da Área de Sines e com a vinda de pessoas oriundas da antigas colónias portuguesas as coisas mudaram um pouco. E ao longo destes 70 anos de distrito, as realidades do norte e do sul do distrito diferenciaram-se. Até agora, o que tivemos foi um cavar de assimetrias a vários níveis entre as áreas das duas margens do Tejo, quer em termos de PIB quer em termos de investimentos da administração central nestas áreas, sendo o investimento em Lisboa cerca do dobro do que se investe aqui. No caso da regionalização, se o investimento é posto à disposição das regiões, em termo globais, é evidente que a decisão de investir já é de cada região e é natural que, por essa razão, se consigam esbater muitas assimetrias e que, por consequência, a península de Setúbal possa ter uma posição de relevo no conjunto da própria região.
SR – O que é que acontece se o referendo passar e a delimitação de algumas regiões for rejeitada?
DLF – A regionalização passa, mas só pode ser instituída em concreto em cada região, se dentro de cada região as pessoas se pronunciarem favoravelmente em relação à segunda pergunta. Isso vai fazer com que, teoricamente, nós tenhamos Portugal em mosaico, ou seja, uma regiões existem e outras não existem. Também aí o Portugal Plural tem uma visão crítica e alguns fundadores do movimento pediram já uma audiência ao Presidente da República para propor que, num caso destes, se faça uma revisão constitucional extraordinária. Isto para resolver de uma vez por todas o problema do mapa e daquelas regiões que já teriam legitimidade para se implantarem no terreno, bem como o das outras que não a tinham. Porque o problema é que, uma região acaba por fazer com que a região vizinha, que ainda não se constituiu, seja espartilhada e delimitada geograficamente entre regiões criadas.
SR – Está convicto de que a regionalização é aprovada?
DLF – Estou convicto de que as pessoas vão votar bem, e os partidos e movimentos (independentemente do que defendem) devem esforçar-se por esclarecer o eleitorado no sentido de participar no referendo. Porque, se a regionalização não passar no dia 8 de Novembro, estou perfeitamente convicto de que não ouviremos falar em regionalização nos próximos dez anos. É que nenhum partido político voltará, tão cedo, a hastear esta bandeira porque sabe que o povo português não quer ouvir falar disso. A minha preocupação é que, devido a alguma descredibilização que já estava latente na classe política (por culpa também dos políticos), estamos a misturar o trigo com o joio, ou seja, a misturar uma questão de interesse nacional com demagogias de interesses estabelecidos e que pretendem continuar a estar estabelecidos.
SR – O que é que o Portugal Plural tem feito para esclarecer os eleitores sobre a regionalização?
DLF – Temos um congresso nacional marcado, diversos encontros regionais, encontros com alguns autarcas, designadamente presidentes de Junta de Freguesia. Nós temos alguns autarcas e são eles que conseguem transmitir as necessidades e os problemas das pessoas. A vida política tem de ser estimulada na base e para isso, tem de ser estimulada com base na experiência autárquica e o salto qualitativo que temos de dar ao nível regional é fazer com que haja uma eleição indirecta dos presidentes ou das próprias juntas, através das assembleias regionais, essas sim são eleitas directamente pelos cidadãos. Quanto aos resultados de 8 de Novembro, deixe-me dizer que aceitamos a decisão do povo português mas não deixamos de tirar as ilações necessárias desse resultado. E digo desde já que se a abstenção for semelhante à que se verificou no referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez, não tenho dúvidas nenhumas que é o próprio instrumento do referendo que está posto em causa.
Entrevista de Etelvina Baía