Edição Nº 40, 05-Out.98
Defendendo outros modelos de descentralização
Portugal Único rejeita a divisão administrativa do país
João Zby, director de campanha do movimento Portugal Único, rejeita a regionalização e garante que, a ser posta em prática, iria agravar as assimetrias regionais. Este membro do mais antigo movimento contra a regionalização, que à data da presente entrevista ainda não tinha escolhido mandatário para Setúbal, refere também que um dos perigos da regionalização será o ‘eclipse’ das câmaras municipais face ao poder, às competências e ás verbas das juntas regionais.
Setúbal na Rede – Qual é a origem do movimento Portugal Único?
João Zby – Este é o mais antigo movimento contra a regionalização e nasceu da convergência de ideias de um conjunto de cidadãos de diversas tendências políticas. O Portugal Único existe há quatro anos e manifesta-se contra a regionalização, seja ela qual for.
SR – Pode dizer-se que para o movimento não é esta regionalização que está em causa mas sim o princípio da divisão administrativa?
JZ – Sim, porque não é com regionalizações que se resolvem os grandes problemas do país. Pelo contrário, vai é agravá-los e aumentar as assimetrias. E dou o exemplo da Lei das Finanças Locais num quadro de regionalização: as regiões serão autarquias de nível um, as câmaras de nível dois e as juntas de freguesia de nível 3. Na prática quer dizer que as câmaras (actualmente consideradas autarquias de nível 1) vão perder importância e peso na Lei das Finanças Locais em favor das regiões que passarão para nível 1. Ou seja, a repartição de verbas será desequilibrada porque, sendo atribuídas de acordo com critérios populacionais, as regiões passariam a receber a quase totalidade do ‘bolo’ enquanto as verbas para as câmaras iriam ‘secar’. Logo aqui começamos a assistir a assimetrias e à não aplicação da tão anunciada solidariedade entre ricos e pobres. E se essa solidariedade não se consegue implantar dentro dos órgão de poder de uma mesma região, como é que há-de vingar entre as oito regiões propostas? Ou seja, com estes critérios populacionais para atribuir verbas ao abrigo da Lei das Finanças Locais, as mais ricas continuarão a ser mais ricas e as pobres cada vez mais pobres. Quem tem mais população e mais rendimento per capita (o caso de Lisboa e de Entre Douro e Minho) recebe mais dinheiro e quem tem menos ( por exemplo o caso do Alentejo) acaba por continuar a receber pouco. Sendo assim, esta não é maneira de resolver os problemas relacionados com as assimetrias regionais porque, em vez de inverter a tendência, como muitos regionalistas defendem, vai é agravá-las em todo o país e provocar despesas adicionais.
SR – A que é que se deveria esse agravamento global e as despesas adicionais?
JZ – Estamos na Moeda única e por isso temos de reduzir o déficit no sector administrativo. Mas com a regionalização o que aconteceria é que, em vez de o reduzir, iríamos aumentá-lo de forma considerável. Que ninguém tenha dúvidas de que para aplicar a regionalização no terreno, é preciso instalações, pessoal e orçamentos de funcionamento, Ou seja, na prática iríamos ter oito novos ministérios com todo o peso e as despesas que eles trazem. E se perguntarmos aos portugueses se querem pagar mais impostos dizem-nos que não. No entanto, o certo é que, para pagar estas despesas com as regiões é preciso criar mais impostos. Ou seja, para fazer frente a mais esta despesa o Governo tem três hipóteses: ou fabrica mais moeda ou pede um empréstimo ou aumenta os impostos. A primeira hipótese é impraticável porque estamos impedidos de criar mais moeda por causa da adesão ao euro, e a segunda hipótese nem se aplica porque não se pede um empréstimo para pagar umas despesa interna. Portanto resta a terceira possibilidade, que é a de aumentar os impostos dos portugueses. E, por outro lado, se a intenção é mesmo fazer uma reforma administrativa não era preciso regionalizar porque há outras maneiras de o fazer.
SR – Que modelos de reforma defende o Movimento Portugal Único?
JZ – Transformar as comissões de coordenação regional em órgão eleitos era um dos caminhos, mas há outras possibilidades. Entendo que a legislação tem mecanismos que permitem ao Governo descentralizar competências. Para já, isso podia ser feito se tivéssemos uma política semelhante à de Cavaco Silva que começou por racionalizar as direcções regionais até chegar a um modelo de funcionamento eficiente e sem centralizações. Mas tudo depende do tipo de competências de que estivermos a falar. Em alguns casos pode ser uma simples desconcentração de serviços para as periferias, noutros poderá ser uma descentralização propriamente dita, onde se daria capacidade de decisão a esses órgãos periféricos.
SR – Quer dizer que a descentralização nada tem a ver com o actual processo de regionalização?
JZ – Dá-me ideia de que o Governo enredou-se de tal forma nesta questão da regionalização que perdeu a noção do que se pretende. Esse o que se pretende é mesmo descentralizar a regionalização não serve porque o que seria criado com a regionalização era mais um órgão intermédio entre os cidadãos representados pelas autarquias e as assembleias municipais e o próprio poder central. Portanto, com isto, cria-se mais um obstáculo e não mais um meio de democratização. Isto para não falar do que fará às autarquias locais, que ao longo de todos estes anos têm sido as responsáveis pelo progresso dos concelhos que representam. Será como uma maneira de reduzir a sua importância quase a zero e, claro, sentir-se-iam injustiçadas. Basta olhar para o exemplo das câmaras municipais das regiões autónomas da Madeira e dos Açores para ver que não têm a pujança nem o protagonismo das câmaras do continente porque estão espartilhadas e asfixiadas pelos governos regionais. E com tudo isto, parece-me que iríamos assistir à criação de um enorme foco de conflitualidade no relacionamento entre as autarquias e as juntas regionais. Os portugueses têm uma enorme tradição municipalista e essa tradição e esse respeito pelas autarquias locais pode vir a ficar beliscado.
SR – Concorda com as perguntas do referendo de 8 de novembro?
JZ – Não, porque aí não estão em cima da mesa todas as premissas deste caso. O que vai ser referendado é a regionalização com as competências das regiões previstas na Lei Quadro aprovada em 1991 e um mapa previamente definido. O que me parece é que se devia perguntar às pessoas se querem a regionalização, depois se querem estas competências para as regiões e num outro momento perguntar-lhes pelo tipo de recorte mais adequado no mapa das regiões.
SR – Quanto à região Lisboa/Setúbal, parece-se que a península ficará a ganhar com este traçado?
JZ – Aqui só posso usar aquela frase conhecida: não havia necessidade. Já existe uma Área metropolitana de Lisboa que é nem mais nem menos uma associação de municípios com uma finalidade determinada. Integra a maioria dos concelhos previstos para a região Lisboa/Setúbal, à excepção de alguns a norte de Lisboa, e por isso o sensato era reforçá-la com poderes e competências. Seja como for, Setúbal corre o risco de ficar dividido, com uma parte do distrito mais perto de Lisboa e, talvez por isso, um pouco mais rica. Por outro lado, a zona sul do distrito ficará num estado de abandono porque irá ficar ligada à região do Alentejo. E como sabemos, aí não há massa crítica, não há população nem há indústrias que permitam uma produção que leve a mais investimentos. E é por isso que digo que a regionalização vai agravar os egoísmos porque as regiões mais ricas também não deverão estar disponíveis para financiar zonas pobres. E dou-lhe um exemplo: o projecto do Alqueva nunca seria feito se estivéssemos com as regiões implantadas porque as outras sete não estariam dispostas a pagar aquele empreendimento.
SR – Que tipo de acções o Portugal Único pretende desenvolver para esclarecer os portugueses sobre a questão da regionalização?
JZ – Estamos a promover debates nacionais e regionais, estamos também abertos à participação em debates promovidos por outras entidades, sejam locais ou regionais, vamos promover acções em cada capital de distrito e posso avançar desde já, que o encerramento da campanha nacional será feito no distrito de Setúbal.
Entrevista de Etelvina Baía