Edição Nº 42, 19-Out.98
Jornalista despedida acusa:
“Rádios de Setúbal tratam funcionários como escravos”
Uma jornalista despedida enquanto prestava serviço na Rádio Voz de Setúbal, em Setembro, acusa agora a gerência de praticar despedimento sem justa causa, de “promover um clima de terror junto dos trabalhadores” e de “levar a cabo um conjunto de políticas laborais” que considera “repleto de ilegalidades”. As alegadas “ilegalidades”, segundo Sandra Santos garantiu ao “Setúbal na Rede”, ter-se-ão verificado “na Rádio Voz de Setúbal, na Rádio Azul e na Rádio Jornal, todas do universo do empresário Justo Tomaz”. A denúncia foi feita pela jornalista ao Sindicato do Comércio que já alertou a Inspecção de Trabalho de Setúbal.
“Quem administra o pessoal das três rádios do concelho de Setúbal trata os funcionários como escravos, retira-lhes todos os direitos laborais e leva-os a praticar trabalho clandestino”.
Quem o diz é a jornalista Sandra Santos, despedida da Rádio Voz de Setúbal no mês de Setembro, um despedimento que diz ter sido “sem justa causa e sem que me tivessem dado conhecimento do facto”. Segundo Sandra Santos revelou ao “Setúbal na Rede”, a ordem de despedimento terá sido dada numa Segunda feira, com efeitos imediatos, “e só me avisaram na Quarta feita, altura em que sem mais explicações que não a contenção de despesas, fui proibida de aceder ao microfone”.
A funcionária despedida sustenta ainda que durante o tempo em que diz ter trabalhado “para as duas rádios” que funcionam no mesmo local, sempre esteve a recibo verde “passado em nome de RA Produções Lda” a empresa que gere a Rádio Azul. Mas embora tenha sido tratada como um trabalhador independente, Sandra Santos diz que esse termo não se aplica aos trabalhadores em causa porque, tal como aconteceu com a jornalista, “estão todos sujeitos a regras com horários, escalas de serviço, ao picar do ponto e às chefias de secção”. Por isso a jornalista sustenta que estas circunstâncias terão como consequência “uma efectiva situação de contrato de trabalho entre as duas partes” adianta. Segundo esta responsável, estarão nestas condições cerca de uma dezena de trabalhadores, entre jornalistas e animadores de emissão.
Questionada sobre as razões que a levam a denunciar, agora, uma situação que diz verificar-se há cerca de dois anos consecutivos, Sandra Santos alega que o faz por considerar estar imune “já que agora não pertenço à empresa” e que antes disso nunca lhe passou pela cabeça denunciar fosse o que fosse porque, “tal como todos os outros, tinha medo de represálias e do despedimento”.
Mas as denúncias parecem não ficar por aqui, tendo em conta que Sandra Santos refere ainda um conjunto de “horas extraordinárias não pagas, períodos de trabalho iguais ou superiores a nove ou dez horas diárias e semanas inteiras sem quaisquer folgas”, a ausência de salários contratuais bem como a ausência de categorias conforme as funções. Tudo isto, segundo Sandra Santos, “por salários de miséria que, em grande parte dos casos, não chegam sequer ao salário mínimo nacional”.
Diz ainda esta responsável que “ganhava 50 contos por mês sem qualquer tipo de subsídio de refeição ou transporte”, adiantando ser esta uma situação comum à maioria dos ex-companheiros de trabalho que, ainda segundo Sandra Santos “depois de cerca de nove horas sem pausa para as refeições, se quiserem ganhar mais umas moedas, têm que fazer mais umas boas horas diárias na Radio Jornal”.
Mas segundo a jornalista, os problemas não terão ocorrido apenas com funcionários a recibo verde porque, segundo contou ao “Setúbal na Rede”, no dia em que soube que tinha sido despedida, um jornalista do quadro terá sido “obrigado, sem aviso prévio, a abandonar o trabalho de redacção e a fazer um programa à noite sabendo a empresa que ele não o queria fazer”. Segundo Sandra Santos, o jornalista estará agora “a fazer um programa de manhã e outro à noite, num horário de trabalho a que corresponde um intervalo de cerca de dez horas”.
Questionado sobre esta matéria, o advogado do Sindicato dos Jornalistas, Serra Pereira, garantiu ao “Setúbal na Rede” que “a ser verdade, tal situação seria uma perfeita ilegalidade, careceria de intervenção da Inspecção de Trabalho e do próprio sindicato que estaria disposto a fazê-la no sentido de garantir os direitos do trabalhador”.
O mesmo se aplica às outras acusações que segundo Serra Pereira, “a verificarem-se significariam graves atentados aos direitos mais elementares dos trabalhadores que, segundo as denúncias, parecem cumprir os requisitos para serem considerados trabalhadores com vínculo à empresa”.
Por sua vez, o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Escritórios, Manuel Guerreiro, que recebeu e deu andamento à queixa da trabalhadora despedida, garantiu não ter ficado surpreendido com as denúncias por ser “um caso característico de quem quer explorar os outros até à raiz do cabelo, tornar o trabalhador escravo com o recibo verde e permitir, com isso, escapar às contribuições da entidade patronal face ao Estado”.
Por isso, segundo o sindicalista, “este é um dos casos em que a Inspecção de Trabalho deve intervir, numa acção concertada com a Inspecção da Segurança Social e a Inspecção de Finanças”. O “Setúbal na Rede” apurou, entretanto, que o sindicato já formalizou a queixa e que o caso está, agora nas mãos da delegação de Setúbal da Inspecção de Trabalho.
No decorrer das investigações sobre esta matéria, o “Setúbal na Rede” contactou a gerência das rádios de Setúbal, no sentido de esclarecer a situação. No entanto, confrontada com as acusações, a gerente recusou-se a falar sobre o assunto.