[ Edição Nº 42 ] – Rogério de Brito, presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal.

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barra-2936556 Edição Nº 42,   19-Out.98

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Para assegurar o progresso de um terço do país
Movimento Alentejo quer uma só região alentejana

           Rogério de Brito, presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, membro e fundador do Movimento Alentejo, Sim à Regionalização, por Portugal, defende um Alentejo único e acredita que a regionalização irá ajudar a promover o progresso do Alentejo e a recuperar, ao mesmo tempo, o capital humano que perdeu ao longo dos últimos anos.

          Setúbal na Rede – Como é que nasceu este movimento alentejano pela regionalização?
          Rogério de Brito
– O movimento formou-se há cerca de um mês e meio e tem uma génese autárquica. Ou seja, foi criado pelos autarcas do Alentejo porque temos a noção de que os problemas que enfrentamos com um aparelho centralizado e burocrático nos tolhe os movimentos.

          SR – No entanto, o movimento acabou por ser aberto a outras entidades e personalidades.
          RB
– O que muito nos satisfaz porque, com o tempo, muitos nomes nacionais quiseram fazer parte deste movimento. Temos cientistas, artistas, técnicos da Comissão de Coordenação Regional do Alentejo, nomes como o do historiador José Matoso, o professor Machado Caetano, Paco Bandeira, Vitorino e tantos outros que fazem deste movimento um movimento plural e de grande diversidade. A adesão de todos estes cidadãos veio dar a garantia aos alentejanos de que este movimento é abrangente e que tem na sua base um conjunto de saberes e de conhecimentos em áreas como a das artes, da investigação científica e da jurisprudência.
          SR – São verdadeiras as acusações de que este movimento foi fundado e é dirigido pelo Partido Comunista?
          RB
– É verdade que, no início, corria o risco de ser conotado com o PCP, por ter sido fundado por autarcas comunistas do Alentejo. Mas esse era um estigma que recusávamos (se é que nisso existe algum estigma) porque, principalmente, era injusto para o Alentejo dizer isso já que o espírito do movimento não era esse. E isso ficou claramente comprovado porque temos muitos autarcas do PS e do PSD e, como já avancei, um vasto leque de personalidades que prova a diversidade do movimento.
          SR – O Movimento Alentejo, Sim à Regionalização, por Portugal defende esta regionalização e este mapa?
          RB
– Defendemos esta regionalização e defendemos que os cidadãos respondam sim às duas perguntas do referendo de 8 de Novembro. Queremos um Alentejo e defendemos isso pela convicção de que temos de recuperar um terço do território nacional que ao longo dos anos tem visto a sua economia desvitalizada e depauperada a sua massa humana.
          SR – Entre os diversos movimentos pelo ‘sim’ há quem defenda dois Alentejos. Concorda com essa ideia?
          RB
– Não nos parece nada vantajoso dividir em duas, uma área onde apenas vivem 500 mil pessoas. E acredito que isso seria um factor que concorreria para a perda de capacidade negocial e de lobby junto dos poderes. Seria um factor de delimitação a todos os níveis e ainda mais capaz de fazer perder a massa crítica que nos resta. É que, aqueles que temos entre nós (a população) não são tantos que nos possamos dar ao luxo de os dividir. Portanto, acho que um Alentejo é uma forma de aproveitar todas as nossas capacidades endógenas, ao passo que dividi-lo seria um factor de enfraquecimento e de auto-flagelação.
          SR – Não acredita que existam duas identidades distintas: a do Alto e a do Baixo Alentejo e que, formando-se uma só região poderão surgir problemas no seu interior?
          RB
– O facto de criar regiões não é inibidor da criação de problemas dentro da mesma região. No entanto há que utilizar a diversidade como fonte de valorização e dizer que não há razões para bairrismos mas sim para uma forte coesão e unidade, que aliás queremos que seja esta região do Alentejo.
          SR – As comissões de coordenação regional acumularam, ao longo dos anos, um saber e uma grande capacidade técnica. O que é que vai acontecer à CCR do Alentejo?
          RB
– Acabando com a CCR, a regionalização não me parece que vá, de maneira nenhuma, acabar com o capital humano e técnico que a ela pertencem. O que vai acontecer é que, ao que tudo indica, todo este capital humano será posto ao serviço das juntas regionais.
          SR – Acredita que a divisão administrativa do país, trará a descentralização e maior proximidade entre os órgãos de decisão e os cidadãos?
          RB
– A regionalização não dá, por decreto, os benefícios que se querem. Ou seja, tudo depende das pessoas e acredito que, neste caso, as pessoas saberão encontrar a melhor solução e, caso isso não aconteça, teremos oportunidade de o rectificar no acto eleitoral. Acredito que a regionalização, não sendo solução para tudo, poderá ser um factor de modernização e de desburocratização da máquina administrativa e da administração central. No caso do Alentejo, pior do que está hoje é que não pode ficar e tudo o que venha, depois de aprovada a regionalização, vai depender das nossas capacidades. E aquilo que vamos conseguir é a participação dos próprios protagonistas (os cidadãos) na definição das estratégias de desenvolvimento e das prioridades para o Alentejo.
          SR – Acredita que a regionalização vai reduzir as assimetrias entre regiões pobres e ricas?
          RB
– Agora recebemos apenas 5% dos recursos do país e sabemos que os fundos europeus são distribuídos de forma arbitrária e cada vez menos paras as zonas do interior. O que vamos passar a saber é que existirão regras para a distribuição dos fundos e isso tornará mais claro todo o processo. Poderemos não concordar com essas regras mas, ao menos existem e, sabemos o que podemos contestar ou ajudar a mudar. Quanto ao princípio de solidariedade, de que se tem falado ao longo dos últimos meses, acredito que vá mesmo funcionar. Aliás, já hoje sentimos isso nas autarquias, através da atribuição das verbas do FEF, Fundo de Equilíbrio Financeiro, e não fora isso, muitas autarquias, como é o caso de Alcácer, estariam desgraçadas. Portanto, esta regra base da correcção de assimetrias, tal como outras que permitam o crescimento de áreas menos ricas.
          SR – O Alentejo poderá ser revitalizado, se vier a ser constituído como região?
          RB
– Acredito que isso vá possibilitar o incremento de estratégias de desenvolvimento por objectivos e, para já, é prioridade para o Alentejo a reconstrução do tecido humano e económico. É preciso investir e criar possibilidades de trabalho no Alentejo e, com isso, captar toda a massa crítica que daqui saiu, na sua maioria para as zonas urbanas do litoral. Esse excesso de litoralidade, levado pelo enorme investimento nessas zonas, provocou muita da desertificação do interior do país. Acredito que uma pessoa que viva em Lisboa e veja criadas condições para se estabelecer em zonas como a nossa, não pensa duas vezes e regressa ao Alentejo.
          SR – Tendo em conta que a regionalização está prevista na Constituição da República, o referendo parece-lhe necessário?
          RB
– Não me parece e, neste caso, dá-me até a impressão de que coloca em causa a democracia representativa porque vai questionar directamente as decisões já tomadas, para além de desvalorizar, de certa maneira, o peso da própria Constituição da República.
          SR – De que maneira este movimento tem chegado aos eleitores do Alentejo?
          RB
– Temos feito um trabalho árduo de sensibilização, utilizamos todas as nossas capacidades de comunicação e optamos pela pedadogia ao falar com as populações. Isto porque, na maior parte dos casos não é a mensagem política que lhes interessa mas sim as questões práticas, de funcionamento das coisas, e é isso que tentamos esclarecer durante os contactos que mantemos com as populações. Isto para além dos debates e da campanha que vamos desenvolver até ao referendo.
          SR – Não teme um elevado grau de abstenção?
          RB
– Não, porque as circunstâncias são diferentes das do anterior referendo. Para além disso, muito se tem feito para sensibilizar os eleitores para esta questão e acredito que, apesar de árdua, esta tarefa de sensibilização dará bons frutos para o Alentejo.

Entrevista de Etelvina Baía     

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