Edição Nº 42, 19-Out.98
Depois da decisão da CNE, de excluir o movimento
Setúbal por uma Região, promete continuar no terreno
João Tita Maurício, fundador e mandatário executivo da Plataforma Setúbal por Uma Região: Portugal, explica o que poderá ter estado na origem de alguns problemas detectados nos documentos onde foram recolhidas as assinaturas para a formação deste movimento. Quanto a eventuais contestações face à decisão da CNE ainda nada foi decidido mas o que promete é que a Plataforma vai continuar no terreno, contra a regionalização.
Setúbal na Rede – A plataforma Setúbal por uma Região: Portugal, recebeu da Comissão Nacional e Eleições, uma notificação sobre problemas detectados nos documentos que pretendiam a sua constituição e participação no processo eleitoral. E esses problemas referidos pela CNE terão levado à rejeição do pedido de participação feito pela plataforma. Reconhece as razões avançadas pela CNE?
João Tita Maurício – A lei não parece muito clara em relação à necessidade de, neste caso, uma assinatura ser acompanhada do número do Bilhete de Identidade e, houve muitas situações em que, pelo facto de algumas assinaturas terem sido recolhidas na praia e em zonas de laser, as pessoas terem assinado sem estar na posse do Bilhete de Identidade. Acredito também que, os casos em que a CNE verificou dissemelhanças entre a assinatura e a que consta no pedido de BI (visto a comparação oficial ser feita desta maneira) tenham a ver com um conjunto de factores que podem decorrer do facto de muitos terem assinado em pé, a correr ou até deitados na praia. Por outro lado, sabe-se que a assinatura de um jovem muda bastante e que a de um idoso, por um conjunto de razões, pode vir a modificar-se ao longo do tempo.
SR – A Plataforma não vai contestar a decisão da CNE?
JTM – Ainda não tomámos posição sobre essa matéria, por isso continua tudo em aberto. O que de maneira nenhuma se deve por em causa é a idoneidade de quem assinou e recolheu assinaturas porque, independentemente do que aconteceu o certo é que mais de seis mil pessoas, entre as quais cerca de 40% de jovens, assinou um papel onde se mostra contra esta regionalização.
SR – Sendo assim, vão continuar a trabalhar no terreno?
JTM – Quem assinou, confiou ao movimento essa tarefa e não o fazer seria desiludir mais de seis mil pessoas que, no distrito de Setúbal, estão expressamente contra esta regionalização e que querem sensibilizar os cidadãos para os ‘contras’ desta proposta.
SR – Como é que nasceu o Setúbal por uma Região: Portugal?
JTM – Somos um movimento de cidadãos que encontrou no PP uma forma de potenciar todos os meios necessários para alcançar os nosso objectivos, fazer sobressair pessoas para renovar a classe política, ou melhor, fazer sobressair políticos diferentes que pensem mais nas pessoas que nos próprios partidos. Neste caso, o PP disponibilizou os meios que, apesar de serem alguns, acabam sempre por se revelar escassos para aquilo que pretendemos. Mesmo assim, somos o único grupo de cidadãos de Setúbal quer se constituiu, em Setúbal, para se pronunciar sobre a questão da regionalização.
SR – Porque é que a Plataforma é contra esta regionalização?
JTM – Nós defendemos o ‘não’ às duas perguntas do referendo porque entendemos que, por um conjunto de razões, a regionalização não serve Setúbal e não serve Portugal. E a divisão do país não nos parece ter qualquer utilidade, antes pelo contrário, acarretará o surgimento de uma nova clientela política intermédia que promoverá o fraccionamento do país e, por consequência, aumentará a Despesa Pública não produtiva.
SR – Em que circunstâncias é que este movimento defenderia uma regionalização?
JTM – Uma regionalização só se justifica em situações pontuais, como a dos Estados geograficamente descontínuos (como é o caso dos Açores e da Madeira) ou em casos onde se verifiquem identidades diferentes no que toca à religião, à cultura, etnografia e tradição, como é o caso de Espanha, de Itália e do Reino Unido. Mas em Portugal isto nunca se verificou nem agora se verifica e, há una anos, talvez tivesse sido a melhor solução para o caso das então colónias do Ultramar. Mas agora não, nós somos um país uno, somos uma nação.
SR – Então acredita que a divisão administrativa do país pode fragmentar a unidade e a identidade de Portugal?
JTM – Nós recebemos dos nossos pais um país mais fraco que, agora, graças a um conjunto de circunstâncias, está mais forte e começa, de facto, a recuperar. No entanto, se for dividido, corre o risco de ser fragmentado. O grande exemplo é que já se ouve falar em regiões internacionais, ou seja, o Alentejo ligar-se à Estremadura espanhola e assim por diante, para tornar mais fáceis os acessos aos fundos comunitários. Isto é impensável porque, com o poderio dos espanhóis, o que prevaleceria era a sua vontade, e nós portugueses corríamos o risco de, aos poucos, irmos perdendo a nossa própria identidade enquanto nação.
SR – Este movimento nasceu para lutar contra a ideia de criar uma região de Lisboa e Setúbal. Parece-lhe que o distrito de Setúbal teria muito a perder com a criação dessa região?
JTM – Sem dúvida, primeiro porque a perda dos concelhos do Litoral Alentejano vai interromper a natural continuidade da Costa Azul e impedirá a exploração turística, tanto a norte como a sul do rio Sado. Depois, porque, sem o porto de Sines teremos enormes dificuldades em escoar os produtos que passarão a ter custos superiores, o que, no mínimo, atrasará a tão ansiada recuperação económica do distrito. Para além disso, a inclusão de Setúbal na região de Lisboa significará uma menos valia, tendo em conta a enorme diferença entre o rendimento per capita entre Lisboa e os concelhos de Setúbal, sendo que o de Lisboa significa mais do dobro do nosso. E estando Lisboa com um rendimento muito acima do exigido pela União Europeia (o que não é verdade em relação a Setúbal) para o financiamento comunitário, o que aconteceria era que a realidade de Setúbal inserida na de Lisboa passaria despercebida e como os níveis de rendimento per capita na dita região seriam, ainda assim, superiores ao estabelecido, perderíamos a oportunidade de ficar no Objectivo 1, ou seja, ao abrigo dos programas comunitários com maiores benefícios e taxas de juros.
SR – Que alternativa propõe à regionalização?
JTM – Se a intenção é mesmo aproximar os cidadãos dos eleitos e descentralizar, então devemos promover uma ainda maior aproximação entre os órgãos decisores e os beneficiários das suas decisões, o que só será realidade com a defesa intransigente dos valores do municipalismo, de que Portugal tem grandes tradições. E o reforço desse municipalismo terá de ser feito através da atribuição de mais meios e de mais competências às autarquias locais. Este actual processo é absolutamente artificial porque o que pretende é esvaziar as autarquias, criando macro-autarquias como órgãos intermédios que ficarão com a maior parte do ‘bolo’, incluindo o que deveria ir para os municípios, com a agravante de que se criam estes órgãos sem lhes dar capacidade de decisão. A solução nunca passará pela regionalização, mas sim pela criação de entidades autárquicas específicas, consoante as necessidades ou exigências dos municípios e pela livre associação de municípios que queiram defender causas ou necessidades comuns.
SR – Agora que perdeu os tempos de antena, a Plataforma pretende continuar a fazer campanha pelo ‘não’ à regionalização?
JTM – Como disse, no início, estamos a representar mais de seis mil pessoas e, por isso, temos o dever e o direito de o fazer. Por isso vamos continuar a sensibilizar a opinião pública, na conversa do dia a dia, no contacto com as pessoas na escola, no local de trabalho, na rua… O que interessa é que cheguemos ao esclarecimento e façamos passar a mensagem de que a regionalização não é a medida que Portugal precisa. E acredito que, desta vez os eleitores não vão permitir uma taxa de abstenção tão alta como no referendo anterior (até porque as circunstâncias são completamente diferentes), e que as pessoas vão dizer não a um processo imposto e com quem as população não se identifica.
Entrevista de Etelvina Baía