[ Edição Nº 43 ] – CRÓNICA DE OPNIÃO por Luís Lourenço.

0
Rate this post

barra-1472617 Edição Nº 43,   26-Out.98

linha-7208858

CRÓNICA DE OPINIÃO
por Luís Lourenço (jornalista da TSF-Rádio Jornal)

A co-incineração na Arrábida
Pode alguém ser bom Juiz em causa própria?

           Caro José Manuel Palma,

          Antes de mais, gostaria de o situar, e a quem eventualmente venha a ler estas linhas, para que ninguém tenha dúvidas, sobre a posição que aqui assumo. Não visto, neste momento, a pele de jornalista, não me posiciono ao lado de qualquer partido político, não tenho quaisquer interesses económicos na questão. Sou, acima de tudo, Setubalense, um Setubalense com opinião, orgulhoso da sua terra, que a defende em todas e quaisquer circunstâncias, sem esperar qualquer contrapartida. Gosto de reivindicar o meu direito de falar, discutir, defender ou acusar acerca de todas as questões que a Setúbal dizem respeito. Faço-o pela razão única de ser Setubalense. Faço-o sem defender interesses particulares, meus ou de outrém, e sem nada receber em troca.

          Julgo estar assim numa situação acima de qualquer suspeita para opinar, já que nada peço em troca, correndo, no entanto, o risco, como qualquer outro cidadão, de errar. Se tal for o caso, aqui fica, desde já o meu “mea culpa”.

          Penso, por isso, que nos colocamos em pólos opostos, para falar sobre a hipótese da co-incineradora na Arrábida. Você, José Manuel Palma, foi pago para estudar o assunto. Você, José Manuel Palma, foi pago por uma das partes interessadas. Por isso, e pela parte que me toca, fica sem credibilidade para falar do assunto aos Setubalenses. Argumentará, por ventura, que uma coisa nada tem a ver com a outra, ou seja, que tudo o que defende na sua crónica de opinião com o titulo “A CO- INCINERAÇÃO E A VALORIZAÇÃO DE RESÍDUOS NAS CIMENTEIRAS: UMA HIDRA DE SETE CABEÇAS?” defendê-lo-ia sempre, independentemente de tudo o resto, inclusivamente de quem lhe paga. Responder-lhe-ei sempre: “É a história da mulher de César….”, não acha José Manuel Palma?

          Aqui chegados, devo dizer-lhe que não me permito discutir consigo as questões técnicas que conduzem às suas ideias sobre o assunto. Não o faço por ter a noção dos meus limites. O terreno é todo seu e não quero, de modo nenhum, ter a presunção de pensar que sei do assunto o suficiente para poder contrariá-lo nos seus argumentos. As suas teses não são para mim discutíveis, reservando-me, contudo, o direito de ter opinião, ainda que errada, ou pouco fundamentada, quando comparada com os “experts” na matéria.           Entro assim por um caminho abrangente, com algumas perguntas de permeio.           Meu caro José Manuel Palma,           Não entendo como é que um ecologista não critica e não luta para preservar a Serra da Arrábida de uma co-incineradora de resíduos industrias perigosos. É que antes de tudo, ao ecologista, compete defender o ambiente, e do que aqui falamos é da Serra da Arrábida. Ou seja, antes de nos preocuparmos em saber se a co-incineradora é ou não prejudicial, o caminho a seguir é saber se a cimenteira Secil é ou não prejudicial. Não me incomoda o que ela tem lá dentro, em termos de integração vertical. Incomoda-me que ela ali exista. Salvaguardados os interesses directos e indirectos de quem dali tira o seu sustento, o que se pretende é uma redução progressiva dos serviços da Secil.           Mais importante que um qualquer brinquedo que eu possa dar a um filho no dia dos seus anos, é proporcionar-lhe uma Arrábida onde ele possa brincar, gozar, descobrir, enfim, respirar. Creio que isso é muito mais importante do que dar-lhe um Arrábida com uma cimenteira lá dentro, ainda que na cimenteira se encontre uma co-incineradora que aparentemente não faz mal nenhum a ninguém, tal como você defende.

          Por tudo isto, surpreende-me que tenha a posição que tem. Até porque antes de ser ecologista já era Setubalense. Lembro-me, a propósito, de uma frase ouvida na sessão publica de quinta feira passada, quando um concidadão nosso se virou para a mesa e gritou: “Vocês estão aqui a falar de um negócio, nós estamos aqui a falar de Setúbal”. Não acha que é aqui que bate tudo, José Manuel Palma? Não acha que quem aqui quer colocar a co-incineradora pensa, acima de tudo, no negócio, e só lá muito no fundo no bem estar dos Setubalenses? É aqui que está o drama da questão. É olhar para si e perceber que você, José Manuel Palma, Setubalense e ecologista, está do lado de lá da estepes, está dramaticamente do outro lado da barricada.

          Argumentará que não é assim, que não estarei a ver bem o problema, que me estou a esquecer de uma série de pormenores, etc. Seja, mas responder-lhe-ei sempre da mesma maneira: Pois, estou a ver! E volta a tal história da mulher de César.           Mas já agora, deixe-me ainda colocar-lhe mais uma ou duas questões.           Pode alguém ser julgador em causa própria?           Teria a mesma posição se não fosse consultor ambiental da Secil?           Mais, consegue ser indiferente, nos seus estudos, à mão que lhe passa o cheque?

          Claro que tem toda a liberdade de opinar, mas nunca cruzando duas legitimidades tão distintas como são as de ecologista e a de consultor ambiental da Secil.

seta-4203468