Edição Nº 45, 09-Nov.98
Apesar do ‘não’ nacional
Setúbal aprovou a regionalização
Os portugueses decidiram rejeitar o projecto do Governo para a divisão administrativa do país, sendo que em Setúbal, tal como se verificou no referendo anterior, o distrito disse ‘sim’. Uma decisão que vai contra a opinião nacional, não tendo, por isso, qualquer efeito prático. Mas a grande surpresa deste referendo foi a abstenção que, contrariamente ao que se verificou no referendo sobre o aborto, ficou abaixo da generalidade das previsões.
Contra a ‘maré’ nacional, o distrito de Setúbal votou maioritariamente pela regionalização e pela criação da Região Lisboa/Setúbal, o que já não se verificou na margem norte do Tejo, onde o não venceu redondamente. Um resultado que não surpreendeu o Governador Civil do Distrito, Alberto Antunes, que avançou ao “Setúbal na Rede” ser este um resultado esperado, já que “os eleitores o distrito têm consciência da importância deste processo de descentralização”.
Já o ‘chumbo’ nacional à regionalização apanhou de surpresa o representante do Governo em Setúbal que confessou ao “Setúbal na Rede” que não esperava ver rejeições ao projecto governamental na projectada região Entre Douro e Minho (de onde Alberto Antunes é natural) e na projectada região do Algarve, conhecido pela sua tradição regionalista.
E o Governador Civil só encontra uma explicação para tal resultado nacional: “o conservadorismo dos portugueses, aliado a algum medo do que é desconhecido”. No entanto, sempre vai admitindo que os partidos políticos que defendem a regionalização também podem ser responsáveis pelo ‘não’ e refere que “se calhar, não conseguimos fazer passar bem a mensagem que queríamos transmitir”.
Desiludido com os resultados do referendo de 8 de Novembro, o Governador Civil de Setúbal não deixa de tirar algumas ilações deste resultado, considerando que o facto do índice de abstenção ter sido inferior ao da anterior consulta popular, “leva-nos a acreditar que os portugueses aceitaram o desafio da participação no instituto do referendo”. Para além disso, Alberto Antunes considera que, o facto da proposta do Governo ter sido derrotada, significa que o país não a quer e que, por isso, “não deve ser levada a cabo no actual quadro, sendo, por isso, adiada”.
Os resultados negativos à proposta governamental, por sue lado, “não põem em causa a estabilidade do Governo”, adianta Alberto Antunes que garante que o executivo de Guterres “está disposto a continuar na governação, servindo os portugueses e os interesses de Portugal”.
Questionado pelo “Setúbal na Rede” sobre o futuro dos ideais de descentralização da máquina administrativa do Estado, Alberto Antunes garantiu que a descentralização é necessária e tem de ser feita “por outra via”, num clima de diálogo e consenso entre as diversas propostas dos vários partidos políticos e as propostas a apresentar pelo executivo central.
A derrota dos regionalistas
Os dirigentes partidários e responsáveis dos movimentos que o “Setúbal na Rede” entrevistou ao longo dos últimos dois meses sobre esta matéria, não parecem ter ficado surpreendidos com a derrota do projecto de regionalização. É o caso da regionalista Carmen Francisco, deputada de “Os Verdes”, que garantiu que, face aos resultados nacionais, “a regionalização não é, de facto, a grande preocupação dos portugueses”. No entanto, no caso do Alentejo ascoisas parecem ser diferentes já que, segundo Carmen Francisco, com a vitória do ‘sim’ “devem ser tomadas medidas no sentido de se descentralizar rapidamente”. Quanto à viabilidade da criação de uma região piloto, a deputada admitia-a se fosse fácil fazê-lo. No entanto adianta que tal hipótese “nem sequer está prevista na lei”.
Joel Hasse Ferreira, deputado socialista eleito por Setúbal, admite que o resultado negativo para a regionalização possa estar relacionado com a alegada “desinformação” provocada por campanhas “demagógicas como a de Paulo Portas, entre outros, que levaram a uma grande falta de informação dos eleitores”. E mesmo com a rejeição popular do projecto, Hasse Ferreira adianta que foi bom levar o assunto a referendo, “porque as ideias da maioria parlamentar não coincidiam com as aspirações da maioria popular”. Joaquim Matias, deputado do PCP eleito por Setúbal, garante que não ficou surpreendido com a abstenção por considerar que reflectem o interesse dos portugueses na vida nacional. Apesar de admitir que, com estes resultados, a regionalização “não tem condições imediatas para voltar a ser debatida”, Joaquim Matias garante que o projecto continua previsto na Constituição.
Para Carlos Santos, dirigente da Distrital de Setúbal da UDP e regionalista convicto, este resultado é a consequência de “um processo cheio de equívocos”, porque segundo este dirigente “muita coisa ficou por discutir, inclusive um conjunto de medidas concretas para mudar esta administração caótica”.
Jaime Pinho, do PSR de Setúbal, interpreta o resultado do referendo como “uma lição para os barões das regiões que queriam afastar o poder das pessoas”. E para acabar com a centralização da administração pública, Jaime Pinho dá a receita do reforço dos poderes das autarquias e das assembleias municipais.
Movimentos contrários
Jorge Pires, do Movimento Sim ás Regiões, Melhor Portugal, também não ficou muito surpreendido com os resultados e defende mesmo que, apesar do ‘não’ dos portugueses no referendo de 8 de Novembro, “este projecto não deve ser abandonado”. É que segundo este dirigente comunista, “o PCP vai continuar a lutar pelo que acredita ser necessário para o país, que é a descentralização e menos burocracia”.
Para Duarte Lynce Faria, do Movimento Portugal Plural, “a participação dos eleitores deu sentido ao instituto do referendo”. E face aos resultados que rejeitam a regionalização, Lynce Faria é peremptório em dizer que “a regionalização deve ficar na gaveta” e que está na hora de “aprofundar mecanismos de descentralização”.
Já para Paulo Calado, do movimento anti-regionalista Nação Unida, Um Portugal, o ‘não’ dos eleitores à regionalização “era mais que esperado porque o povo português não se revia nesta regionalização feita em cima do joelho e organizada de cima para baixo”.
Rogério de Brito, do Movimento Alentejo, Sim à Regionalização, por Portugal, garante que, apesar dos níveis inferiores aos verificados no anterior referendo, “a abstenção ainda merece uma reflexão cuidada”. Admitindo esperar uma vitória do ‘não’, Rogério de Brito sempre vai dizendo que, apesar disso, “não esperava uma penalização tão grande”. Para este responsável, a vitória do ‘não’ foi “uma vitória da política pimba”, sendo que esta rejeição nacional deve significar o adiamento do projecto regionalista.
O dirigente da Plataforma Setúbal por uma Região, Portugal, João Tita Maurício, está satisfeito com o resultado do referendo e garante que a expressão dos resultados finais “não deixa dúvidas sobre o que os portugueses querem”. Quanto ao referendo, considera importante que tenha sido efectuado porque, caso contrário “essa regionalização seria feita nas costas dos portugueses”. Quanto à descentralização de poderes e competências, Tita Maurício garante que “devem passar pelo reforço das capacidades de todos os municípios”.
João Zby, do Portugal Único, está satisfeito com os números que indicam a rejeição do projecto regionalista do Governo e adianta que, “daqui para a frente, o Governo tem de começar a modernizar a administração pública, e começar a pensar em métodos de descentralização, de modo a que traga benefícios ao português comum”.
Júlio César Reis, do Partido da Terra, o único que defendia a abstenção como arma de protesto contra o projecto de regionalização, reclama agora contra os abstencionistas e admite que “gostaria de ter assistido a uma participação superior”. E apesar de admitir uma vitória do ‘não’, César Reis garante que foi surpreendido por uma vitória “tão radical”. Quanto à descentralização, refere que deve ser feita através do reforço dos poderes dos municípios.
Maurício Costa, presidente da Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, garante que ficou satisfeito com os resultados finais que, segundo o anti-regionalista, “mostram que o povo português está contra esta regionalização”. Por isso defende maior protagonismo das autarquias e da Associação de Municípios que, segundo Maurício Costa, “deve reivindicar mais meios financeiros e humanos”.
Já para o empresário José Santos, que também é vice-presidente da AERSET, Associação Empresarial da Região de Setúbal, “a abstenção foi positiva porque esteve inferior à do outro referendo”. No que toca ao ‘não’, José Santos garante que está na hora de fazer a pergunta sacramental aos anti-regionalistas: “como é que, agora, entendem que se deve fazer a descentralização?”.
Ao nível do tecido empresarial, José Santos teme pelo futuro, já que “tinha esperança que as coisas mudassem”. Garantindo que “isto não é um problema de partidos mas sim do próprio país”, o empresário teme pelo futuro das empresas, tendo em conta que, “para haver competitividade tem de existir a capacidade de criação de empresas e de empregos”. E essa esperança estava na regionalização, uma esperança que com o ‘chumbo’ no referendo de dia 8 de Novembro, “voltou a ficar nas mãos dos políticos”, lamenta o empresário.
Vanda Sebastião e Etelvina Baía