[ Edição Nº 46 ] – Mariano Gonçalves, elemento da comissão Executiva do Grupo de Cidadãos pela Arrábida.

0
Rate this post

barra-1995693 Edição Nº 46,   16-Nov.98

linha-5883962

Cidadãos pela Arrábida rejeitam co-incineração na Secil
Por ser incompatível com as leis que protegem a Arrábida

           Mariano Gonçalves, um dos elementos da Comissão Executiva do Grupo de Cidadãos pela Arrábida, explica as reacções negativas da população à proposta governamental de co-incinerar resíduos tóxicos na Arrábida. Embora não duvide da bondade do Governo ao propor tal localização, Mariano Gonçalves garante que também é verdade que instalar tal equipamento na Secil, na Arrábida, é um contraditório com as leis que protegem aquela zona natural e com os projectos de desenvolvimento, sustentado nas indústrias limpas, que Setúbal tem vindo a desenvolver.

          Setúbal na Rede – Como é que nasceu este grupo de cidadãos?
           Mariano Gonçalves
– Este grupo nasceu do encontro de uma série de pessoas que, de alguma forma, sentiram que a instalação da co-incineração na Arrábida era uma contradição, dado que esta é uma zona protegida por um conjunto de leis. As pessoas que integram o movimento são provenientes de todos os quadrantes políticos e, eu que sou de Setúbal, nunca imaginaria ver à mesma mesa e a trabalhar de forma empenhada, pessoas como Regina Marques, do PCP, Cardoso Ferreira, do PSD, o vereador do PP, Abel Pedroso, sindicatos e associações cívicas para além de associações ambientalistas e cidadãos independentes. Nascemos para desenvolver esforços em conjunto para, minimamente, organizarmos iniciativas no sentido de lutar contra a instalação da co-incineração na Secil, na Arrábida. Estamos num estado saudavelmente caótico, ou seja, não temos liderança e vamos trabalhando como podemos e consoante a disponibilidade de cada um.

          SR – A vossa posição diz respeito apenas à localização do sistema de tratamento?
          MG
– Sim, nós admitimos que tem de existir uma forma de tratamento dos resíduos tóxicos, sabemos que isso tem de ser feito rapidamente e não pomos em causa este método encontrado, até porque somos cidadãos comuns e não temos sequer a capacidade técnica para o fazer. No entanto, achamos que instalar a co-incineração no Parque Natural da Arrábida que é Reserva Natural desde 1976, e que no mês de Agosto recebeu a classificação de Reserva Marinha, é qualquer coisa que não bate certo. E é isto que movimenta as pessoas e, para nós o que está em causa é uma coisa muito importante: a Serra da Arrábida e o futuro dos nossos filhos. Ir ao campo da discussão técnica, levar-nos-ia a pensar que, como todos sabemos, tanto podem ser apresentados estudos com soluções maravilhosas provando a bondade do sistema, como podem encontrar-se novos estudos demostrando todas as falhas do sistema. Isto depende da abordagem que se faz à questão. Nós somos simples cidadãos e não temos os meios da empresa promotora desta solução, mas temos a possibilidade de olhar as várias frentes do problema porque, estando em diversos pontos da vida social e económica de Setúbal, muitos de nós têm a percepção relativamente a uma coisa que é nociva. E eu pergunto, qual é o caminho que Setúbal terá, caso ali seja instalada a co-incineração de resíduos tóxicos e perigosos?
          SR – E que caminho é esse?
          MG
– Setúbal tem sofrido os chamados custos do desenvolvimento e do crescimento económico. Por isso, tivemos de suportar, ao longo de décadas, que esta região não fosse associada propriamente às novas indústrias, às indústrias limpas, àquilo que é o lazer e a qualidade de vida e ao aproveitamento das nossas capacidades turísticas. Tivemos de o suportar para o bem do tal crescimento económico, onde tivemos tudo o que era indústria pesada (desde os estaleiros aos químicos), mas fomos suportando isso porque correspondia a uma mais valia para a população em termos de emprego. Temos até suportado, e continuamos a suportar, os custos de desenvolvimento resultantes da Secil. Como sabemos, a cimenteira tem vindo a ‘comer’ a Serra, as pessoas olham para lá e sentem que há uma destruição do património mas sentem que têm de suportar esses custos porque lá estão centenas de trabalhadores, as suas famílias estão dependentes disso, há uma série de empresas quer vivem em torno daquela exploração, ela é muito antiga e, portanto temos de suportar isso. Mas há um conforto e esse conforto é o de sabermos que, apesar de isto aqui estar e ser mau, sabemos que é um projecto finito, tem um horizonte temporal que se aproxima do fim e que iniciou, ainda que de uma forma tímida, um projecto de reflorestação. Portanto, há aqui a possibilidade de convivermos, ainda que de uma forma não muito agradável. Mas agora surge um projecto novo que vai enviesar e distorcer completamente os actuais projectos de desenvolvimento sustentado para esta região.
          SR – Porque é que este projecto distorce as perspectivas de desenvolvimento?
          MG
– É que, em vez de se libertar do ciclo industrial onde a criação de riqueza era associada a chaminés a deitar fumo, e caminhar para indústrias limpas, para a indústria do turismo, para a qualificação dos seus produtos tradicionais (a carne, o peixe, o vinho, a fruta e o queijo de Azeitão), vamos deixar associar estes produtos e as nossas potencialidades a um projecto poluente na própria Serra da Arrábida. Depois não se percebe como é que um Governo que aposta na protecção do ambiente e na promoção das capacidades endógenas de cada região, vai permitir que se coloque uma central de queima de resíduos tóxicos e perigosos numa zona natural, dentro da área onde se fazem estes produtos regionais e mesmo em frente a um dos maiores complexos turísticos do país, que é o caso de Tróia. Daí que eu não acredite que as pessoas responsáveis por isto queiram passar férias no sopé da Serra da Arrábida, muito embora o sistema lhes possa dar todas as garantias. Podem dizer que aquilo é óptimo, que funciona muito bem, mas ninguém me garante que não há um acidente. Também podem dizer que está tudo previsto, até acredito, mas o que sei é que a simples possibilidade disso acontecer vai impedir o desenvolvimento que estamos a iniciar, ao nível das indústrias limpas e da promoção do turismo.
          SR – Se o grupo de cidadãos não quer a co-incineração na Arrábida, que é uma zona quase desabitada, como é que vê as localizações dentro de centros urbanos, como é o caso de Alhandra?
          MG
– Bom, no nosso caso é porque se trata de uma Reserva Natural e porque, ao instalar ali a co-incineração, está a proceder-se à violação das leis que a protegem, Por isso já enviámos uma queixa ao Tribunal Europeu. Mas no caso das zonas urbanas é a mesma coisa porque ali residem pessoas e o problema continua, agora a outro nível.
          SR – Como é que vê a condução deste processo?
          MG
– Parece-me mal conduzido porque, não sendo especialista, admito que até existam outras soluções para os lixos tóxicos e, além disso, não estou a ver de que forma se resolve o problema a jusante, quando não há soluções a montante. Ou seja, gostaria que a questão do sistema tivesse sido feita antes, que houvesse um plano estratégico para os resíduos, que houvesse uma responsabilização dos produtores e uma visão integrada para a resolução deste problema. Por isso acho que este processo resulta de uma negativa a um primeiro processo que, segundo diziam, também era muito bem pensado, ou seja, as incineradoras. Aí também foi apresentada a solução como definitiva e só depois das reacções da populações é que as autoridades admitiram que, afinal havia alguma razão nas reclamações dos cidadãos. Então passaram para a co-incineração em cimenteiras e, para já, é legitimo colocar a questão que toda a gente coloca: será que em cimenteiras as coisas funcionam melhor, ou será que é uma questão de juntar o útil ao agradável em termos económicos? Esta é uma questão que eu coloco, não sei se é assim mas a dúvida persiste. Agora o que nós, cidadãos, temos é a capacidade de pagar para que os serviços públicos zelem pelos nossos interesses (é para isso que pagamos impostos) pela nossa qualidade de vida e para estudarem as coisas de forma a encontrarem a melhor solução possível. E, pelos vistos, as outras possibilidades de solução foram descuradas e isso levou a que as pessoas reagissem. Será que tem de ser instalada a co-incineração num Parque Natural? Eu diria que há aqui uma contradição quase filosófica, ou seja, estando o Governo interessado na preservação ambiental da Arrábida vai agora instalar ali uma co-incineração?.

Entrevista de Etelvina Baía     

seta-9193978