Edição Nº 46, 16-Nov.98
Secil garante que a co-incineração não é perigosa
E adianta que vai ajudar a reduzir a emissão de poluentes
António Caldas Barreiro, director da Secil e responsável pela divisão de projectos especiais, garante que a co-incineração de resíduos tóxicos na Arrábida não teria qualquer perigo. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, Caldas Barreiro desmistificou alguns receios que, de acordo com este responsável, serão fruto de falta de informação e de desinformação. Acredita que este processo vai ajudar a poluir menos, garante que os riscos estão todos previstos e a sua resolução assegurada, e vai mais longe ao garantir que a co-incineração de resíduos é um processo é tão bom que devia ser obrigatório.
Setúbal na Rede – Este processo de tratamento de lixos tóxicos é poluente?
António Caldas Barreiro – Todos nós, cidadãos, temos uma grande sensibilidade ao risco e esta sensibilidade está profundamente afectada porque a indústria se portou muitíssimo mal com as populações até há cerca de uns quinze anos atrás. É claro que se portou muito mal se tivermos em atenção os conceitos de hoje. Cada época tem os seus conceitos e, aqui há uns anos atrás o conceito era produzir e dar postos de trabalho e, nomeadamente, o ordenamento do território fez-se de acordo com esse conceito. A instalação das indústrias centrava-se no litoral, sem estradas para o interior e as indústrias colocavam os seus próprios trabalhadores a viver ao lado das indústrias porque não havia forma das pessoas se transportarem com facilidade. E esta situação, que conduziu a uma certa percepção de risco, está na memória das pessoas e está muitíssimo mais forte do que as melhorias que entretanto foram implementadas.
Daí que seja necessário um grande esforço de comunicação para que as pessoas se apercebam das diferenças e como é que o industrial é hoje, e industrial que não cuide do ambiente e das suas relações com as populações que o circundam não existirá daqui a dez ou quinze anos. Mas este esforço de comunicação tem de ir nos dois sentidos e, muitas vezes, os mais responsáveis por uma comunicação saudável não querem comunicar. Não deixo também de criticar alguma inércia do nosso lado num maior esforço de comunicação, nomeadamente para transmitir o que há de bom. Não há indústria nenhuma que não polua e o que temos é que encontrar compromissos para que a nossa vida seja sustentável no futuro, e esses compromissos existem, tal como os dispositivos para controlar riscos ou acidentes. A legislação estabeleceu-se para determinar quais são os limites em que essa indústria pode poluir e, hoje, temos para a indústria cimenteira, limites extremamente apertados até onde pode ir em termos de poluição. Na situação de referência, que é a actual, respeitamos completamente a legislação nas quatro fábricas que estão em apreciação. Fomos avaliar junto de laboratórios de reputação mundial, quais eram as nossas condições naquilo que mais preocupa as pessoas, como é o caso das dioxinas e os metais pesados, já que nos outros conjuntos de poluentes já fazemos medições frequentes. Nós não produzimos dioxinas senão a menos de cem vezes menos do que aquilo que a legislação determina. E para os cimenteiros não determina nada porque reconhece que os cimenteiros não emitem dioxinas que valha a pena considerar em legislação própria.
SR – Isso é na laboração actual, mas o que é que se passará na co-incineração?
ACB – Nós temos duas visões do problema em cima da mesa. Uma onde está a conclusão tirada pelos cientistas que trabalharam no Estudo de Impacte Ambiental, e a outra é a experiência europeia e a nossa própria experiência. Ao nível da Europa, há 160 medições feitas, com e sem co-incineração, que dizem que, antes e depois não há diferença nenhuma. No nosso caso vai haver, de facto uma diferença e para melhor porque as emissões de partículas, que arrastam com elas as dioxinas, vão estar abaixo do que a legislação indica como mínimo. Ou seja, a legislação permite-nos a emissão de partículas até 100 miligramas por normal metro cúbico, já hoje produzimos abaixo de 50, temos electrofiltros que são barreiras dentro da linha de produção do cimento, temos duas fábricas, em que uma se insere em série com a outra, no caminho dos gases, aproveitando-os para secar matéria prima e para transportar a matéria inamovível.
As fábricas que forem co-incinerar vão fazer como já fazem, o balanço dos metais pesados à entrada, sendo todos exaustivamente analisados quer no produtor das amostras, quer nas estações de tratamento a constituir, quer na saída para as cimenteiras e ainda uma última análise à entrada de cada cimenteira para verificar se no caminhou houve qualquer anomalia. E nós não deixamos entrar resíduos que, para já estão afastados da nossa actividade, seja hospitalares, radioactivos, altamente mercurizados ou altamente clorados, pesticidas e PCB’s. E aproveito para dizer que não é verdade que queiramos importar resíduos. Aliás, no memorando de entendimento que assinámos com o Governo, está proibida a importação de resíduos. E também é falso quando se diz que não se aplica às cimenteiras, a co-incinerar, a mesma legislação que se aplica às incineradoras dedicadas. Para além de todos os cuidados que nos permitem saber á anteriori o que é que sai pela chaminé do forno, o Governo obrigou-nos a colocar o célebre filtro de mangas. Não somos obrigados a fazê-lo e nem o seríamos pela legislação europeia sobre co-incineração, existem muitas fábricas a co-incinerar sem filtros de mangas e outras, por razões do seu contexto em relação às populações, optaram pelo filtro de mangas. E com esse filtro de mangas, nós vamos emitir menos de 15 mg por normal metro cúbico, quando já estamos abaixo de 50 e a legislação impõe 100.
SR – Quer dizer que, com a co-incineração, a Secil é um processo seguro e vai poluir ainda menos?
ACB – Sim, por isso é de uma irracionalidade muito grande o raciocínio que se vai fazendo em termos de influencia da opinião pública. É muito emotivo e pouco racional.
SR – Então acha que a reacção das populações é exagerada?
ACB – A reacção das populações nunca é exagerada, é o que é. O que importa saber é se essas reacções são baseadas numa informação, numa desinformação ou numa falta de informação. E neste caso parece-me ser falta de informação e desinformação. Esta não a classificou, não me cabe a mim classificá-la. Quanto à falta de informação, uma parte é da responsabilidade dos próprios cimenteiros que, ao longo dos anos, não têm tido a comunicação que deveriam ter com as populações.
SR – Parece-lhe que seriam necessárias mais sessões de esclarecimento e debates sobre este assunto?
ACB – Acho que sim, e acho mais. É que não é possível explicar este processo às populações em termos técnicos, não é possível neste nem em nenhum outro processo. Ninguém é enciclopédico e as pessoas em geral não são obrigadas a entender e a perceber este vocabulário com palavras cujo significado técnico não coincide com o significado do senso comum. Quando se diz que determinado impacto não é significativo, existe uma ‘chave’ para descodificar esta frase cujas palavras fazem parte do léxico dos especialistas. Mas para o cidadão comum até porque despertar a suspeita. Todos nós estamos nisto muito recentemente, mas na Europa já não é notícia porque há países que andam nisto da co-incineração há vinte anos.
SR – É verdade que em França foi detectada poluição oriunda da co-incineração?
ACB – Não, é mentira, confunde-se tudo, confunde-se as incineradora dedicada com co-incineração. Já fizeram afirmações públicas de que fecharam fábricas em França e gostava que me dissessem quais. Fazem-se afirmações sem se saber exactamente aquilo que se está a dizer. Não digo que seja por má fé, admito também que seja por falta de informação ou uma informação apressada. Andamos nisto há quatro anos e para chegarmos ao estado a que chegámos fomos procurar essa experiência lá fora e não passa pela cabeça de ninguém que um accionista de fábricas de cimento vá por em causa o seu negócio fundamental, que é o cimento. E quanto ao tal cimento tóxico, não é verdade que isso venha a acontecer porque não há qualquer contaminação, senão, estaríamos a passar um atestado de estupidez a toda a Europa, a países como a Alemanha, a Itália e a Noruega. Depois fala-se muito do caso americano, que até vem na Internet, e esse não tem nada a ver com o da Europa porque têm processos que não são os nossos, têm matérias primas que não são as nossas, juntam ao processo condições que determinam, porventura, os números da poluição que emitem e têm problemas próprios. Não tem nada a ver com este processo europeu, portanto, admito que se discuta o exemplo americano mas não podemos compará-lo com este porque são coisas diferentes.
SR – O factor risco no transporte dos resíduos não é preocupante?
ACB – Estamos a falar de 7 a 10 camiões por dia, por fábrica, mas os estudiosos fizeram as contas nas situações mais desfavoráveis, ou seja, não foi considerada a diferença de tráfego porque, se estou a transportar combustível proveniente de um resíduo deixou, obviamente, de transportar outros. E se considerarmos este diferencial de ganho, estamos a falar de cerca de cinco camiões por dia, de combustíveis menos perigosos, de um modo geral, do que aqueles que transportamos agora pelas mesmas estradas. Estão aqui o em causa cerca de 100 mil toneladas de resíduos por ano mas que não são todos para incinerar porque há resíduos que são matérias primas iguais às que tiramos da pedreira. São cerca de vinte toneladas destas matérias primas a dividir por duas fábricas, ou seja, neste processo de co-incineração estarão envolvidas duas fábricas, cada uma delas ficará com 50 mil toneladas de resíduos a seu cargo. E quanto aos transportes, como em tudo, riscos há sempre e o que temos de fazer é minimizá-los. Estamos a falar de cinco camiões que transportam óleos usados, solventes, águas contaminadas (ou seja, as águas com óleos das oficinas de mecânica ou da laminagem da Siderurgia), ou os chamados combustíveis sólidos sintético. Estes são uma impregnação, em serradura, de restos de tintas, restos de fuel, restos de crude, de colas, de alguns sólidos moídos. Estes combustíveis são transportados como um carvão, o que quer dizer que, se forem derramados na estrada têm menos perigosidade que um carvão. Mas o que dá que pensar é que se diz que, hoje em dia, há 125 mil toneladas destes resíduos produzidos por não em Portugal, e o pior é que já hoje são transportados, não se sabe de onde para onde nem a que horas, ao passo que num transporte para a co-incineração sabe-se sempre, programadamente, de onde vem e para onde vai, a que horas o faz e tem os percursos todos assinalados e devidamente informados à autoridades.
SR – O que é que a Secil ganha com isto?
ACB – As cimenteiras meteram-se nisto porque todos os colegas europeus avançaram para este processo. E nós, por uma obrigação de gestão, temos que averiguar e estar em condições de competição com os nossos colegas europeus, sendo esta uma obrigação de gestão que eu diria que, se não a cumprirmos deixamos de fazer a nossa função de gestores. Por outro lado, temos também como obrigação de gestão, estarmos atentos aos nossos impactes ambientais. E isto determina impactes ambientais positivos porque, quando estou a queimar um combustível proveniente de resíduos não estou a emitir duas vezes para a atmosfera a mesma quantidade de poluentes. Ou seja, porque se ele fosse queimado na incineradora dedicada, emitia poluentes e, eu continuaria a gastar o equivalente térmico do meu combustível clássico, que tenho de ir buscar à Natureza, deixando, assim, de cavar tanto a Serra. Se eu usar um resíduo que já tenha o processo de descarbonatação feito, estou a evitar a emissão de CO2, então estou a melhorar as emissões globais. Isto devia ser obrigatório, em vez de andarmos aqui de chapéu na mão. E tenho a certeza absoluta que, se fosse possível informar as populações com este detalhe, as coisas seriam diferentes. Mas, infelizmente não é assim tão fácil.
SR – Mas a Secil tem lucros com isto.
ACB – O Governo disse-nos para fazer um preço inferior a trinta contos por tonelada e isso foi fixado no memorando de entendimento. Depois de feita a junção das serraduras com os resíduos, dá cerca de 130 mil toneladas. As contas simples que se têm feito dizem que isto dá 3 milhões e 400 mil contos de receitas. Ora não pudemos confundir receitas com lucros e alguém que o faça abre falência muito rapidamente. Ou seja, isto tem, custos e investimentos e todas estas contas serão públicas, tal como tem acontecido até hoje. No final, com os investimentos e os custos, o que nos fica é pouco mais de 10% e, se for perguntar a opinião de um economista verá que não há um investidor de juízo se poderia meter nisto por esse valor. Mas nós entendemos também que nos devemos meter, porque é nossa obrigação colocarmos esta tecnologia ao serviço do país.
SR – Há quem defenda que a co-incineração na Secil poderá levar à eternização deste empreendimento na Arrábida. É verdade?
ACB – A ideia de eternização não tem sentido nenhum porque uma coisa não tem nada a ver com a outra. A Secil está aqui pelo período que determinam as suas reservas de matéria prima previamente estabelecidas, não é até 2010 como se tem dito, isso é uma completa fantasia. As nossas reservas dão para dezenas de anos e não podemos esquecer que o Estado vendeu esta empresa aos actuais donos por um determinado valor tendo em conta o tempo das suas reservas de matéria prima. Estão consignadas e bem delimitadas e somos, talvez, os únicos do país que delimitámos essas reservas e decidimos explorar desse limite para trás, de maneira em que, em tempo útil de vida desta pedreira se possa fazer a reflorestação. E ganhámos um prémio europeu, devido a esta especificidade. A reflorestação, é feita com espécies autóctones, em tempo útil da vida da pedreira e, desde 1982 (quando começámos a transformar a via húmida em via seca e decidimos fechar a primeira) até hoje, reflorestámos 62 hectares de terreno, com um total de plantio de 530 mil plantas. Colhemos as sementes na Natureza, temos viveiros próprios, as plantas crescem e voltamos a colocá-las na Serra.
SR – Como é que reage às críticas sobre uma alegada parcialidade do Estudo de Impacte Ambiental por ter sido pago pela Secil, a empresa interessada na co-incineração?
ACB – Temos de cumprir a nossa legislação e a legislação indica que é assim, ou seja, é o próprio promotor que se obriga a promover o estudo. Quem viveu um processo destes, sabe que os estudiosos e cientistas que o fizeram são da maior independência possível, seguem a sua linha e fazem as suas exigências. Por outro lado, a lei também diz que há uma comissão de acompanhamento do Estudo de Impacte Ambiental, nomeada pelo Governo. Aqui alguém tem de ser considerado independente, senão vamos numa escalada tal que teremos de pedir a Deus que seja o árbitro destas coisas. Nós limitamo-nos a pagar, a receber e a ler esses estudos. E dou-lhe um exemplo: quando quiseram saber quais eram as condições de emissão de poluentes na situação actual, não aceitaram que fossemos nós a dizer quais eram. Teve de ser um laboratório independente a proceder a esses estudos. Não há estudos perfeitos e nestas coisas devemos ter exigências cada vez maiores, mas naquilo que é essencial, nunca vi ninguém comentar seja o que for.
SR – No entanto admite a importância do efeito psico-social de um empreendimento destes junto das populações?
ACB – Só por milagre é que não tem conotações psico-sociais e as populações em geral deveriam confiar nas suas lideranças, naqueles que, pagos pelo povo, andaram nas universidades e que, por isso, não deveriam usar essas capacidades para mistificar as realidades. E essas capacidades deverão ser usadas para ajudar as pessoas que não tiveram essas possibilidades, a tranquilizarem-se ou a intranquilizarem-se, se for esse o caso. E neste caso não é.
Entrevista de Etelvina Baía