[ Edição Nº 47 ] – CRÓNICA DE OPINIÃO por Jaime Filipe Puna.

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barra-5500291 Edição Nº 47,   23-Nov.98

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CRÓNICA DE OPINIÃO
por Jaime Filipe Puna (Coordenador do Gabinete de Estudos
Distrital da Juventude Social Democrata)

Para quê a co-incineração na Arrábida?

           O tratamento e destino final a dar aos resíduos industriais, em Portugal, sobretudo aqueles que são classificados como perigosos, tem sido objecto no nosso país, ao longo desta última década, de grandes controvérsias, tendo recentemente se reacendido a polémica com a questão da co-incineração dos resíduos industriais perigosos em fornos de cimenteiras. O distrito de Setúbal é, mais uma vez, um dos alvos escolhidos para integrar este novo sistema de tratamento destes resíduos, proposto pelo Ministério do Ambiente e onde as 2 grandes indústrias cimenteiras existentes em Portugal (Sécil e Cimpor) se propõem tratá-los equitativamente, cobrando a cada produtor de resíduos a quantia de 30 contos por tonelada. A Estação de Armazenagem e Pré-Tratamento dos resíduos no Barreiro e a possível selecção da fábrica da Sécil, localizada no Outão, em pleno Parque Natural da Arrábida (PNA), para efectuar a co-incineração, são as questões que, neste complexo sistema, afectam o nosso distrito e têm merecido a preocupação e consequente tomada de posição por parte da sociedade civil, nomeadamente, através de várias organizações ambientais ligadas ao ambiente, ao turismo e ao comércio, partidos políticos, sindicatos, órgãos de poder local, etc., excepção feita para o Presidente da Câmara Municipal de Setúbal que, infelizmente, teima em não se pronunciar concretamente sobre esta matéria.           Particularmente em Setúbal, desde o 1º debate público que se realizou para debater esta questão, ocorrido no passado dia 23 de Julho nas instalações do Club Setubalense e organizado em conjunto por esta entidade e pela Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão (LASA), que as preocupações e receios, por parte da população setubalense e das várias associações, em aceitar que o PNA seja palco para a co-incineração dos resíduos industriais (RI) e as consequências negativas que podem advir de tal facto, têm vindo a lume sistematicamente.           Segundo os promotores do projecto, estão em jogo o tratamento de aproximadamente 130.300 ton/ano de Resíduos Industriais, dos quais 121.200 ton./ano (93%) serão tratados em duas unidades cimenteiras a serem escolhidas de um lote prévio de 4, estando as restantes 9.100 ton./ano (7%) destinadas a tratamento físico-químico, ou a serem enviadas para aterros controlados ou ainda para exportação, segundo esta ordem de prioridade. As 121.200 ton./ano serão sujeitas a um sistema de triagem e pré-tratamento a efectuar no Barreiro em instalação a construir para o efeito, sendo 98.200 ton./ano (82%) destinadas posteriormente para valorização energética (substituição do combustível carvão utilizado actualmente pelas cimenteiras) e 22.300 ton./ano (18%) para substituição de parte da matéria-prima utilizada no fabrico do cimento. Nesta breve descrição do projecto fica bem patente a importância da componente energética neste processo, que é valorizada através da substituição até 40% de combustível fóssil utilizado (carvão), o que significa uma importante poupança de energia e, consequentemente, reduz os custos económicos deste sistema, a par de não ser necessário construir instalações de raiz para se efectuar a incineração dos resíduos, ao contrário do que seria necessário se adoptasse a solução de construir um incinerador dedicado. Sem sombra de dúvida que este sistema de tratamento é significativamente económico e esse facto não deixa de ser relevante.           Ora, sendo a questão energética e a questão económica consideradas como principais vantagens deste processo , está em jogo também a questão ambiental, ou seja, os efeitos que este tipo de tratamento implicarão no meio ambiente envolvente e na qualidade de vida das populações vizinhas. E é precisamente na questão ambiental que este projecto se envolve em tão grande polémica e com razão. Desde logo, é perfeitamente absurdo e contraditório pensar-se tratar os RI, incluindo os perigosos, em pleno PNA, considerado como Área Protegida e classificado como Património Natural, salvaguardado na legislação portuguesa pelo D.L. nº 622/76 de 28/07 e que representa um alto valor nacional, em termos ambientais, que urge preservar. Neste parque, existem diversos tipos de reservas naturais onde nele coabitam diversas espécies de fauna e flora muito específicas, raras e de uma beleza inqualificável. Imagine-se o que seria ver todo este património seriamente comprometido e ameaçado devido principalmente aos diversos tipos de acidentes que podem ocorrer numa instalação deste tipo, que são vários e muito prováveis de acontecerem, desde a fuga dos gases de combustão para a atmosfera do parque, alguns deles muito perigosos, em zonas críticas do processo de tratamento, as explosões com os resíduos líquidos inflamáveis, o derrame e explosão dos resíduos líquidos perigosos quando transportados pelas estradas sinuosas do parque, um acumular ao longo dos anos dos teores de metais pesados e de dioxinas ao nível do solo e que podem afectar a flora existente no parque, etc. . É preciso não esquecer que, em qualquer unidade fabril, acontecem acidentes, que podem acarretar consequências muito graves para o meio ambiente envolvente e este caso não é excepção. Só quem não conhece minimamente a indústria é que pode afirmar que não existem acidentes nas fábricas ou então, que todos os acidentes estão a priori 100% controlados. E, no entanto, são estes acidentes que, se ocorrerem em escala considerável, põem em causa todo um património natural que demorou séculos a formar e que constitui um ex-libris em termos de preservação ambiental em Portugal, mas que ao longo dos anos tem sido tão severamente castigado pela acção do Homem.           Para além disto, é importante não esquecer os impactes negativos que o tratamento dos resíduos perigosos acarreta no desenvolvimento da actividade turística de toda esta zona. Sendo o turismo considerado como um dos vectores para o desenvolvimento económico de Setúbal, o mesmo não pode ser comprometido, sobretudo quando é o próprio PNA a contribuir decisivamente para a implementação desta actividade através das suas paisagens naturais de extraordinária beleza e que todos os anos atraem muitos turistas.           Não está em causa a necessidade de se tratarem os RI perigosos, não está em causa o processo de co-incineração em si, que reúne vantagens e desvantagens tal como o incinerador dedicado, nem tão pouco se pode aceitar a actual situação de deposição destes resíduos em lixeiras a céu aberto ou em aterros não controlados indiscriminadamente, mas, o que está em causa é a correcta localização das unidades fabris que irão processar a co-incineração, considerado factor de extrema importância em todo este processo. Caso contrário, uma incorrecta localização da unidade fabril que efectuar a co-incineração pode trazer consequências negativas catastróficas para o ambiente e principalmente, para a saúde e qualidade de vida das populações vizinhas. A co-incineração a ser instalada na Arrábida pode estar a resolver um problema ambiental significativo que é o tratamento dos RI perigosos, mas criará, por outro lado, um outro problema ambiental a médio e longo prazo, de consequências extremamente gravosas a nível ambiental, económico e social. Por todas estas razões, era mais que evidente que a fábrica da Sécil, no Outão, não deveria sequer ter sido pré-escolhida para efectuar a co-incineração.           O Ministério do Ambiente deve de uma vez por todas elaborar um plano nacional integrado de gestão de resíduos industriais com vista a inventariar a quantidade, o tipo e as fontes de maior produção destes resíduos, principalmente os perigosos, à semelhança do que já existe para os resíduos sólidos urbanos, para daí delinear as diversas estratégias a dar aos mesmos, passando em 1º lugar pela redução na fonte, em 2º lugar pela sua reutilização como matéria-prima ou fonte energética, em 3º lugar pela reciclagem e, só em último lugar, pelo seu tratamento e/ou consequente deposição em aterro controlado ou então, enviados para exportação, esgotadas todas as hipóteses anteriores. Aliás, todos estes procedimentos a que o Ministério do Ambiente está obrigado a efectuar estão consignados na Resolução do Conselho de Ministros nº 98/97, transposto da Directiva Comunitária 94/67/CE e que o governo ainda não cumpriu.

          É óbvio que o ideal era não se produzir resíduos (resíduo zero), mas tal não acontece, pois qualquer processo produtivo produz paralelamente resíduos. Há sim é que implementar políticas que incentivem a redução dos mesmos ao máximo através do apoio às pequenas e médias empresas transformadoras, de incentivos financeiros que lhes permitam adquirir tecnologias de produção mais limpa que impliquem redução na quantidade de resíduos produzidos. O mesmo princípio se pode aplicar na reutilização dos mesmos nos respectivos processos produtivos. Só posteriormente é que se devem equacionar os meios de tratamento convenientes para os resíduos que não possam ser reaproveitados ou reduzidos na fonte e, muito importante, ter em linha de conta os locais mais adequados e mais lógicos para a sua implementação, com o mínimo possível de impactes ambientais negativos para o ambiente e para as populações.

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