[ Edição Nº 48 ] – Natividade Carvalho, presidente da ANGE de Setúbal.

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barra-7335712 Edição Nº 48,   30-Nov.98

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Presidente dos Jovens Empresários do distrito
Defende ajuda às PME´s para a adaptação à moeda única

           Natividade Carvalho, presidente do Núcleo Distrital de Setúbal da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), está preocupada com as consequências da introdução da moeda única em Portugal e com o alargamento do mercado. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, a empresária explica as necessidades do sector das PME´s e avisa que, se o Governo não tomar medidas atempadas, o tecido empresarial do distrito poderá vir a sofrer uma grave crise.

          Setúbal na Rede – As micro e as pequenas e médias empresas do distrito de Setúbal estão preparadas para a introdução da moeda única e para o consequente alargamento do mercado aos países da União Europeia?
          Natividade Carvalho
– Acho que nenhum empresário, a não ser um grande empresário, está formado para perceber as exigências que o Euro vai imprimir às pequenas e médias empresas (PME’s), onde se situa a micro empresa. Cerca de 96% do tecido empresarial do distrito de Setúbal é composto por micro empresas e, portanto, é grande a preocupação com a introdução do Euro, como moeda, a partir do ano 2002. Mas a partir de 1 de Janeiro de 1999 ela é introduzida como moeda escritural, pode ser aplicada na contabilidade e nos preços dos serviços das empresas, e as dificuldades já se fazem sentir. É que, por muitos seminários que se façam ou que se tenham feito, a verdade é que o distrito de Setúbal está pouco motivado a cultivar-se para aquilo que pode vir a ser a sua grande preocupação nos próximos anos.

          SR – Mas as pessoas não aparecem nas iniciativas porque não se interessam?
          NC
– Têm sido feitos seminários sobre o Euro, quer pelo Governo, quer pela ANJE, e neles têm participado alguns representantes do Estado nesta matéria. O que se tem visto é que eles têm tido grandes dificuldades em responder às questões do jovem empresariado. Acho que há falta de preparação dos técnicos e falta de informação atempada por parte das entidades oficiais, em informar e formar os nossos empresários. Por exemplo, não há uma estratégia oficial para a introdução do Euro, e não estou a falar de há um ano para cá, estou a falar da última década, porque a questão da moeda única tem anos e Portugal ainda não fez nada para preparar o tecido empresarial para o embate que já se faz sentir.
          SR – O que se exige é que o Governo elabore um plano de prioridades e riscos para o empresariado, tendo em conta este desafio da moeda única?
          NC
– Se isso não for feito, não há micro empresa que resista, vendo-se apenas que poderão aguentar o embate as empresas maiores e com mais capacidade de se adaptarem. Ou seja, quem tiver acesso à informação poderá adaptar-se e, no caso das PME’s, que ainda não estão preparadas, é possível que escolham o período de transição para se adaptarem. Trata-se de uma crítica pela negativa e pela positiva, visto que os pequenos e médios empresários, não tendo os meios administrativos e os meios económicos necessários, talvez só na cauda deste século comecem a dar importância (e talvez porque aí a necessidade fale por si) e tenham que agir a correr. E esta atitude vai colocar as empresas em risco as porque nós vamos entrar no mercado aberto, na livre concorrência entre milhares de empresas dos países da União Europeia. Portanto, as dificuldades que vamos encontrar são todas. Senão veja, o Estado não nos cede quaisquer meios para fazermos a renovação e a inserção, para fazermos atempadamente a tal alteração no sistema de informação.
          SR – Mas isso não é função da própria empresa?
          NC
– Sim, faz parte das funções da empresa encontrar a sua estratégia de adaptação ao mercado livre, onde a concorrência é enorme. Mas, nesta altura isso não pode ser feito porque pouco se sabe sobre o futuro, pouco se sabe sobre a aplicação do Euro. E veja, se os próprios bancos, que são grandes empresas, vão sofrer a maior concorrência possível dentro do nosso país, será que esta liberalização nos vai ajudar, será que basta dizer que temos de nos adaptar às novas necessidades de mercado? E os mecanismos de resposta, onde é que estão e quem nos fornece?
          SR – Está a exigir que o Estado proceda a um diagnóstico dos problemas e das necessidades das PME’s?
          NC
– Sim, precisamos que o Estado reflicta sobre as necessidades das PME’s, e isso tem de ser feito em todos os distritos do país. E peguemos no caso específico de Setúbal, para perceber a importância disto, é que a micro empresa é a maior fonte de riqueza do distrito. Por outro lado, há que motivar o empresário a participar nos seminários porque, enquanto representantes dos pequenos empresários, a ANJE tem consciência de que, muitos deles não têm condições para fecharem as portas da loja para irem assistir a estes encontros. Há que motivar as pessoas e fazer com que a informação seja mais segura e rápida. E agora pergunto, que bases é que existem para sustentar a formação destes empresários se eles estão condicionados pela própria empresa que, muitas vezes é o seu único sustento? Por outro lado, não se percebe as prioridades do Estado e do Instituto de Formação Profissional em formar cada vez mais bacharéis e licenciados se a maioria dos pequenos empresários não são nem bacharéis nem licenciados. Temos que responder pelas necessidades dos empresários do distrito e essas necessidades não estão a ser supridas. Porque, sendo assim, quer nos cursos de gestão de PME’s, quer nas acções de formação sobre o Euro, deviam lá estar empresários com o nono ano, com o décimo ou com décimo primeiro e, só depois disso é que se devia responder à necessidade de formação dos licenciados.
          SR – Mas esses critérios são internacionais.
          NC
– Sim, são normas da Comunidade Europeia que estão a sobrepor-se aos interesses do próprio Estado português. Ou seja, Portugal tem um projecto comunitário e tem de responder por ele junto da União Europeia, e não quer, talvez, estar a desenvolver o micro empresário sem ‘know how’ (que apenas tem técnica) e prefere formar um gestor de empresas acabado de sair da universidade, dando-lhe a possibilidade de criar o seu próprio emprego. Ou seja, eu critico que se encontrem soluções apenas para os licenciados ou bacharéis e que não se encontrem soluções de formação para aqueles que já são empresários e que, muitas vezes, investem do seu próprio bolso em infra-estruturas próprias e que agora se deparam com toda a dificuldade relativa à informação. É que para os pequenos empresários vai ser muito difícil enfrentar sozinhos as tarefas que se avizinham, porque aquilo que têm de fazer é realmente difícil. Ou seja, é necessário transformar o sistema de informação para uma nova estratégia de mercado, repensar toda a estratégia da empresa adaptada ao surgimento do Euro, adaptar a empresa à União Económica e Monetária e descobrir como vai entrar no mercado, parece-me ser um papel muito difícil para que os pequenos empresários o enfrentem sozinhos, sem a ajuda do Estado. Não é só as associações porque elas servem, fundamentalmente, para corrigir ausências e criar um determinado lobby empresarial para levar as pessoas a movimentarem-se.
          SR – Então, quais serão as vantagens do Euro para o empresariado do distrito?
          NC
– Uma das questões mais importantes é que, a determinada altura, o Euro pode ultrapassar as suas funções de unidade monetária e servir mesmo como um factor de polarização de marketing, ou seja, que as próprias empresas possam começar a defender-se e a remodelar a sua estratégia a partir do aparecimento da moeda única. E essa nova reflexão é necessária, por parte do pequeno empresário, porque o Euro é uma realidade mais que certa, a partir de 2002.
          SR – Tendo em conta este cenário negativo, parece-lhe que Portugal não deveria integrar o primeiro grupo de países a aderir à moeda única?
          NC
– É complicado fazer como a Suécia que decidiu esperar para ver os resultados desta primeira fase da experiência. Eu acredito na mudança e, inclusive, que a passagem deste milénio passa por grandes transformações e acredito que uma dessas transformações possa ser o Euro. Não se é um sonho, se é a necessidade de criar estabilidade que leva a uma concorrência leal e salutar entre os países do Euro. No caso de Portugal, tenho a certeza que somos dos povos mais inteligentes em todo o mundo e temos uma capacidade de aprendizagem e de resposta ao estado de necessidade das coisa, que é rapidíssima e quase imediata. Ou seja, esta capacidade quase impulsiva de responder às necessidades é mais ou menos com temos andado nestes anos de democracia: impulsivamente a tomar responsabilidades. E aqui falo do Governo português que, neste momento, tem de uma reflexão muito grande sobre o que vai ser o país a partir de Janeiro de 1999 até ao ano de 2002. Ainda não estamos muito atrasados e, por isso, temos de ser formados sobre as estratégias a seguir para o futuro. Porque se os pequenos empresários pagam os seus impostos, geram muita riqueza e contribuem para o desenvolvimento do tecido empresarial, se eles são responsáveis pela criação de novas ideias, de novos negócios, de novos postos de trabalho, de novas dinâmicas no país, então o Governo tem de criar as contrapartidas para a adaptação destes jovens empresários, tenham eles as habilitações que tiverem. Não sou economista para fazer o saldo contabilístico da aplicação do Euro e os seus resultados nos países que aderiram, mas o que posse garantir é que acredito piamente que só vai resultar se Portugal souber manter uma posição correcta sobre os seus próprios cidadãos.
          SR – E como é que se responde a este tipo de solicitação, quando se sabe tão pouco sobre as taxas de juro, os empréstimos e as formas de concorrência?
          NC
– O que me parece é que, tal como já acontece agora, haverá uma retracção da banca para a concessão de empréstimos até porque com a redução das taxas de juro os bancos correrão maiores riscos. E eles próprios, que terão a concorrência da banca estrangeira, vão ter de decidir quem dá mais empréstimos e de que maneira o farão. Ou seja, eu preferia que fosse a banca portuguesa a fazê-lo mas sei que, enquanto empresária respondo àquele que me oferecer melhores condições. Portanto, se o Estado e a banca, na construção do banco da comunidade económica, não der respostas salutares a quem precisa, então acredito que vamos sofrer uma grave recessão. Isto porque a maioria dos pequenos empresários está na base de créditos e de empréstimos da banca. Se eles já estão desapoiados, então a partir de agora será muito pior, se não forem tomadas medidas concretas por parte do Estado português. E depois é juntar o esforço de todas as entidades, desde as autarquias à Associação de Municípios, até todas as associações de empresariado da região, com vista a um trabalho conjunto de informação e formação dos pequenos e médios empresários porque, o que está em causa não é uma ou outra instituição, mas sim mais de 96% do tecido empresarial do distrito de Setúbal que correrá sérios riscos se as medidas não forem tomadas a tempo.

Entrevista de Etelvina Baía     

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