[ Edição Nº 48 ] – CRÓNICA DE OPINIÃO por Carmen Francisco.

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barra-4720600 Edição Nº 48,   30-Nov.98

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CRÓNICA DE OPINIÃO
por Carmen Francisco (deputada do Partido Ecologista “Os Verdes”)

Política de ambiente em Portugal
Um caso de irresponsabilidade

           É com crescente preocupação que vamos tomando conhecimento do modo casuístico pelo qual o Ministério do Ambiente pauta a sua actuação. Exemplos não faltam e podem ser encontrados em áreas como a dos resíduos industriais, em que o Ministério do Ambiente, ao invés de ter feito o exacto diagnóstico da sua produção em Portugal, de ter avançado para estudos sérios de diferentes alternativas de tratamento para diferentes resíduos e ter actuado preventivamente, ou seja, feito o estudo de como reduzir a produção de resíduos, aguardou quase dois anos de governação até que lhe surgisse uma proposta das cimenteiras para a co-incineração.           Nesta proposta, o governo terá visto não só um expediente para agradar a este sector, como de apresentar trabalho. Só que se esqueceu de ver todo o quadro, que, aliás, as populações se estão a encarregar de mostrar.           Mas, ainda que nesta fase, ao falar de ambiente num órgão de comunicação do Distrito de Setúbal, não seja fácil escapar à co-incineração, não era disto que vos queria falar.           As alterações climáticas estão na ordem do dia do movimento ecologista mundial e começam já a passar para a opinião pública como uma das maiores preocupações deste fim de século, pelo grande grau de imprevisibilidade das consequências que terão para a nossa vida e a deste planeta num futuro mais ou menos próximo.           Esta é uma daquelas matérias onde são imprescindíveis diagnósticos credíveis, o estudo de alternativas de actuação, decisão quanto às mesmas, e a sua aplicação. Se esta situação já torna esta questão complicada para o tipo de governação que temos, é agravada ainda pelo facto de as medidas a tomar só virem a ter resultados a longo prazo, não imediatos e pouco visíveis.           Deveria haver na tomada de decisões desta natureza uma questão de equidade inter-geracional: as gerações futuras não têm influência directa na decisões tomadas hoje, nem poderão ser compensadas pelos efeitos negativos no seu bem estar, pelo que há que salvaguardar os seus interesses.           Segundo notícias recentes, a quota que a Sra. Ministra do Ambiente tanto se vangloriou por ter conseguido de um aumento de 40% das emissões em Portugal de CO2 (Dióxido de Carbono), estão quase atingidas, encontrando-se o aumento destas emissões nos 30% e prevendo-se que chegue aos 36% no ano 2000. O grave é que a quota era suposto ser atingida até ao ano 2010!           Uma causa próxima desta situação pode ser o facto de que, como o Partido Ecologista “Os Verdes” denunciou num debate de urgência sobre a Convenção de Quioto, o governo não tinha, quando negociou o aumento de quota, nem tem, um plano de aumento sustentável das suas emissões, com vista a uma posterior redução das mesmas.           De novo, neste Ministério do Ambiente, as coisas não são pensadas de modo estruturante, as medidas não são encaradas como tendo necessariamente de ter uma base sólida de sustentação, devendo ser realistas e desenhadas a pensar no nosso futuro, no nosso bem estar, no país que vamos deixar às próximas gerações de portugueses.           Como no citado debate denunciámos (e tal como para o caso dos resíduos industriais), não existem dados seguros quanto às nossas emissões actuais. Isto porque só em Junho deste ano o governo criou a Comissão para as Alterações Climáticas, sendo de duvidar que esteja já a funcionar.           É mais um sinal da enorme irresponsabilidade deste governo em matéria de ambiente, que teima em governar para aparecer esta noite no Telejornal, amanhã nos jornais, não levantando muitas ondas, até porque as eleições estão próximas.           Os níveis de conforto dos portugueses são dos mais baixos desta Europa, e daqui se pode inferir que talvez pudesse fazer sentido procurar a permissão para aumentar as emissões, consideram que são também das menores da Europa, e que o desenvolvimento desejado traria sempre o seu aumento, ainda que a UE, como um todo, preveja a diminuição de emissões.           Esta foi a posição defendida pela equipa ministerial do ambiente. E ela só estaria justificada se, desde a Conferência de Quioto, no final do ano passado, até hoje, os níveis de desenvolvimento do país e o conforto dos portugueses tivesse aumentado 30%. Cada um de nós, pela sua experiência pessoal pode constatar que tal não aconteceu.           Ou seja, aumentámos o aumento de poluição não por produzirmos mais ou por termos aumentado o consumo, mas devido à ausência de uma prevenção, de uma fiscalização e de uma actuação penalizadora para quem não cumpre a lei.           E agora senhora Ministra? Vamos parar o país ou vamos negociar o aumento da quota, de novo?           De novo haverá necessidade de uma solução de recurso, de uma actuação de excepção, da escolha entre o mal menor.           Mas, será que a União Europeia não começa a esgotar a paciência com a crónica falta da tomada de medidas de fundo para resolver os problemas? O caso do embargo da exportação da carne de vaca portuguesa não significará isto mesmo? E valerá a pena negociar outro aumento de quota, com as consequências para nossa qualidade do ar, sem que estejam claras as medidas que permitam parar quando atingido o limite do aumento para depois evoluir no sentido da diminuição?           A produção e a utilização de energia são as principais fontes de emissão humanas de gases causadores do efeito de estufa. Para as Nações Unidas, políticas fiscais correctas podem encorajar uma introdução mais precoce de novas tecnologias. Em Portugal faz-se o contrário: desapareceram do nosso sistema os benefícios fiscais para a utilização de energias renováveis.

          Para o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, as mudanças climáticas terão consequências económicas, através dos danos que causará e das medidas necessárias à adaptação a um novo tipo de clima. Seria bom que o governo prestasse mais atenção à sabedoria popular que, desde tempos imemoriais, sabe que “mais vale prevenir que remediar”!

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