Edição Nº 50, 14-Dez.98
Ministra no último carregamento das escórias da Metalimex
Mas “O problema não acabou aqui…”
As escórias saem hoje definitivamente dos terrenos da Metalimex, encerrando assim um processo com mais de dez anos. A Ministra do Ambiente, Elisa Ferreira, fez questão de assistir à saída do último carregamento dos resíduos tóxicos. Mas resta ainda uma questão demasiado importante: a análise e posterior descontaminação dos solos. Uma matéria que o presidente da Freguesia do Sado vai abordar pessoalmente com Elisa Ferreira a fim de obter garantias. A ministra do Ambiente assiste à saída do último carregamento de escórias de alumínio da Metalimex, marcado para hoje às 11.45 horas, no Vale da Rosa. Elisa Ferreira desloca-se depois ao Porto de Setúbal, cerca das 12.30, de onde parte o décimo terceiro carregamento de restos de alumínio, que, decerto, não deixarão saudades. É mais uma etapa – e não o ponto final, pois ainda fica por resolver a questão da análise e descontaminação dos solos – de um processo que levou onze longos e arrastados anos a resolver. Entre protestos das populações, acções dos ambientalistas e demoradas negociações entre os governos dos países envolvidos – Portugal e Suíça. Hoje, todos se congratulam com a conquista de mais um passo na rejeição da ideia de que Portugal pode ser o ‘caixote do lixo da Europa’. É que muito antes destas escórias chegarem há uma dezena de anos ao Vale da Rosa, a cinco quilómetros de Setúbal, há uma profícua história de antecedentes que convém lembrar. Através da Refonda, empresa produtora de alumínio detida a cem por cento pela multinacional suíça Alussuisse, o território nacional começou a receber escórias na década de 40. Nesta altura eram nulas as preocupações para com o ambiente, sendo os resíduos, lançados, durante décadas, para um espaço aberto na empresa sem qualquer tipo de tratamento. Nem mesmo o aparecimento de legislação suíça a exigir o tratamento das escórias antes do seu depósito viria a alterar esta situação. Já na década de 80, o desaparecimento de quatro dezenas de barris de resíduos na Suíça determina o rumo dos acontecimentos, com este país a decidir-se pelo encerramento de todos os campos de resíduos tóxicos. No ano seguinte, a Refonda exporta escórias para uma empresa alemã. Só que esta não consegue absorver os milhares de toneladas provenientes da fábrica suíça. É, então, em 1987, que surge a Metalimex, empresa sediada no distrito de Setúbal, que começa no mesmo ano a importar as escórias de alumínio da Suíça com o intuito de as reciclar.
Governos negoceiam retirada
Entre Abril de 1987 e Agosto de 1991, entram para o parque industrial do Vale da Rosa cerca de 30 mil toneladas de resíduos, de forma ilegal, sendo depositadas a céu aberto. O problema é que a empresa, para além de nem sequer ter sido licenciada, não tinha capacidade para tratar aquele tipo de produto. Entretanto, em Abril de 1990, Portugal implementa a lei que classifica as escórias de alumínio como lixo tóxico. De modo a impedir a contaminação do ar e que os resíduos se espalhassem, os responsáveis da Metalimex chegaram a tapar as escórias com plásticos, colocando terra por cima, mas esta medida nada resolveu. Com as chuvas e ventos, a terra ‘voou’ e os plásticos rasgaram-se. Nesta altura, já a Greenpeace começava a alertar para a situação: existe o perigo de concentração de metais pesados, as escórias libertam dioxinas na atmosfera, a exposição às chuvas faz com que se desencadeie o processo de lixiviação das águas e, ao infiltrarem-se, os resíduos podem contaminar os solos e os lençóis de água que eventualmente corram no subsolo. Razões mais do que suficientes para uma tomada de posição urgente dos responsáveis governamentais. Em 1992 realiza-se a primeira reunião entre as autoridades portuguesas e a Direcção Federal do Ambiente das Florestas e da Paisagem da Suíça. Os últimos prometem dar respostas, mas faltam ao prometido. Em Novembro de 1993, numa acção surpresa, o Greenpeace e a Quercus ‘devolvem’ dez toneladas de escórias à procedência. Sob a pressão destes grupos é, finalmente, assinado o acordo para a retirada dos resíduos. Estávamos em 1997. Ficou então decidido que as despesas seriam pagas a meias pelos governos suíço e português, e que as escórias seriam tratadas na Alemanha, na fábrica Segl, antes de regressarem à Suíça. Apesar de o acordo prever a retirada total até ao final do ano passado, no início deste ano ainda restavam 13 mil toneladas no Vale da Rosa. A conta gotas, foram saindo do cais da Eurominas até chegarmos à fase actual. No penúltimo carregamento efectuado na passada quinta-feira foram reenviadas parte das 4.700 toneladas ainda restantes. Se tudo correr como previsto a última porção sai hoje.
Consequências negativas no ambiente
Embora não haja notícias de problemas a nível de saúde pública, durante estes anos foi inevitável a acumulação de materiais pesados e toxinas no solo. É que, para além das próprias escórias, suspeita-se que por entre o material se encontrem filtros utilizados no processo de fabricação do alumínio. Filtros que obviamente têm concentrada uma massa de lama altamente perigosa.
Ainda por avaliar estão as consequências do possível arrastamento das escórias para outros locais. Mas mesmo que as imediações se encontrem contaminadas, os ambientalistas consideram que este facto não será de “gravidade extraordinária”. Recorde-se que aquando do transporte das escórias, parte do lote foi parar às Pedreiras de S. Luís, em pleno Parque Natural da Arrábida e à Volta da Pedra. Pedro Lourenço, da Quercus, realça o facto de ter existido a falta de vontade política desde o início para minorar os problemas, defendendo que o produto deveria ter sido acondicionado apropriadamente e “inertizado in situ”.
No que diz respeito à contaminação dos lençóis freáticos parece não existir problemas, de acordo com o que indicam os resultados das análises que têm vindo a ser efectuadas periodicamente pelo Ministério do Ambiente. Devido às águas se encontrarem a mais de 300 metros de profundidade, o risco de infiltração é bastante reduzido. Pelo contrário, continua a haver uma certa apreensão relativamente aos aquíferos superficiais, já que alguns furos de captação se encontram a 200 metros em linha recta do local onde as escórias estão depositadas.
A próxima etapa ainda vai demorar cerca de um ano. Analisar as amostragens de solo será um processo dispendioso e moroso. Eusébio Candeias, presidente da Junta de Freguesia do Sado, promete não ‘dar descanso’ à ministra do Ambiente enquanto não tiver a confirmação por escrito que o processo irá ser iniciado, pois até agora só existem “garantias verbais”.
Apesar de a agricultura ter deixado de existir naquela zona, a área serve agora ao pastoreio de muitos animais, estando por averiguar até que ponto estes têm estado a comer erva com pó. Isto para não falar na hipótese já avançada relativamente às águas utilizadas para rega.
A reivindicação já seguiu para o Ministério do Ambiente, mas Eusébio Candeias não vai perder a ocasião de hoje para entregar em mãos a Elisa Ferreira a posição da Junta de Freguesia do Sado, “e dizer-lhe que o problema não acabou aqui…”.