Edição Nº 51, 21-Dez.98
Scoreco e Secil com acção em Tribunal
Ambientalistas desentendem-se
O que parecia ser uma conferência de imprensa sem grande história, tornou-se no rastilho que incendiou as relações entre a Comissão de Cidadãos “Pela Arrábida” e as restantes associações ambientalistas. De acordo com estes, assiste-se a uma crescente “politização” daquele movimento, com alguns dos seus elementos a pretenderem um mero “protagonismo”. Enfermadas as relações, resta saber se a força dos que protestam contra a co-incineração na Arrábida irá sair diminuída. Um protesto a partir de agora com vozes dissonantes.
A Comissão de Cidadãos “Pela Arrábida” revelou no passado dia 16 de Dezembro, em conferência de imprensa, que vai instaurar um inquérito judicial à Scoreco e à Secil, respectivamente, a empresa que vai gerir o processo de co-incineração de resíduos industriais perigosos e a empresa cimenteira instalada em plena área ambiental protegida. Trata-se, sob o ponto de vista técnico, de uma “intimação para um comportamento negativo”, como adiantou Manuel Salazar, porta-voz da referida comissão nesta conferência onde foram abordados alguns aspectos técnico-jurídicos da questão.
No encontro com a imprensa, foram divulgadas algumas respostas às petições enviadas pela comissão a várias entidades. Presidente da República, Primeiro-Ministro, Provedor de Justiça, Presidente da Assembleia da República, Ministério do Ambiente, Instituto de Conservação do Ambiente e Parque Natural da Arrábida, receberam as queixas, tendo sido obtidas reacções diversas. Desde a resposta positiva por parte do PNA ao silêncio absoluto por parte do Ministério do Ambiente. A queixa seguiu ainda para a Comissão Europeia, Parlamento Europeu e Provedor Europeu do Ambiente, os quais prometeram publicitar a queixa e analisar a situação. Por agora, portanto, pouco existe em concreto. Mas, entretanto, os membros da comissão deixaram o aviso: se vier a ser autorizada a co-incineração na cimenteira localizada na Arrábida, a Comissão de Cidadãos “Pela Arrábida” accionará processos, em Bruxelas, contra o Estado Português.
Os ‘cidadãos’ reiteraram a sua estupefacção pelo facto do Ministério do Ambiente ter considerado a hipótese de queimar resíduos em plena área protegida. “A senhora ministra deve estar a confundir o seu ministério com outra coisa qualquer”, mostrando a contradição, ao afirmarem que “Reservas e Parques Naturais devem ser preocupação central de um Ministério do Ambiente”, não admitindo que “uma acção física ponha em causa o equilíbrio ecológico”. O contra-senso atinge ainda maiores proporções quando se sabe existirem restrições, regulamentadas, a determinadas actividades menos arriscadas que a incineração de resíduos perigosos, como as de carácter hoteleiro, em áreas ambientalmente protegidas. “E isso não é aceitável”, defenderam, insistindo que este local “não deveria sequer ter sido equacionado”.
Este grupo disse ainda ter em sua posse um estudo da associação internacional Greenpeace, onde são apontadas uma série de críticas relativamente ao sistema de co-incineração, nomeadamente, ao facto deste sistema não assegurar que sejam evitados perigos para a saúde pública. A Comissão relembrou as acções de repúdio por parte da comunidade sadina, destacando a ampla participação da população na audiência pública, no passado dia 22 de Outubro e a manifestação pública, realizada a 14 de Novembro último, onde foi entregue um manifesto ao Governador Civil de Setúbal contra a possibilidade da co-incineração de resíduos perigosos no Parque Natural da Serra da Arrábida. Um assunto que provocou a entrega de um abaixo-assinado com mais de 6.500 nomes, onde se incluem os de Herman José, Júlio Pomar, Manuel Amado, Graça Morais e João Vieira, entre outras figuras públicas.
Parecer conclui pelo adiamento
Entretanto, já é conhecido o parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), pedido pela ministra do Ambiente em Setembro passado. O CNADS indicou que a solução encontrada pelo governo constitui uma solução viável para a resolução dos problemas de eliminação de resíduos industriais pelo sector cimenteiro, mas adverte que esta “não é a altura propícia para a escolha da localização das duas unidades de co-incineração”.
O parecer deste órgão independente justifica esta tomada de posição “por não estarem ainda reunidos todos os pressupostos desejáveis, nomeadamente no que se refere a um amplo esclarecimento dos cidadãos, determinante para que haja uma aceitação generalizada da decisão”. “Aquele esclarecimento seria também uma forma de abrir o caminho ao espírito de solidariedade nacional que deverá presidir a um processo desta natureza, que se arrasta há mais de uma década e está sujeito a constrangimentos de tempo no plano comunitário, pondo-lhe termo de modo construtivo”.
O CNADS considera ainda, por essa razão, que “qualquer adiamento na decisão do Governo quanto à localização das unidades de co-incineração deverá ser sempre de curto prazo e não prejudicar a implementação das medidas relevantes preconizadas, algumas das quais têm carácter de urgência”.
Neste parecer está indicado ainda que “as críticas e sugestões obtidas na consulta pública do Estudo de Impacte Ambiental devem ser tidas em linha de conta”, aconselhando as empresas industriais do sector a desenvolver “uma atitude de abertura e de transparência, orientando-se para a redução, reutilização e reciclagem, e assegurem a redução imediata da poluição do ar”.
Ambientalistas versus políticos
Esta conferência foi o ponto final na colaboração entre a Comissão de Cidadãos Pela Arrábida e associações ambientais como a Caprosado, o Grupo de Intervenção e Sensibilização Ambiental, a Coordenadora Nacional Contra os Tóxicos e outras associações juvenis e estudantis, e partidárias, caso da JSD.
Em causa está o modo de actuação dos representantes da Comissão, os quais são acusados de quererem “protagonismo” e de “pretenderem manipular as situações a seu favor”.
A situação verificada foi o culminar de um estado de mau ambiente que já se vinha a sentir há algum tempo, de acordo com um dirigente da JSD. “Esta não é a primeira vez que isto sucede”, revelou, acusando a “partidarização” da Comissão, a qual se encontra representada por “forças minoritárias do PS e do PSD que vão a reboque do PCP”. De referir que se encontravam na mesa da conferência, Manuel Salazar, Regina Marques, Cardoso Ferreira, José Pedro Calheiros e Mendes Bragança. Jaime Pinho, da Coordenadora Nacional Contra os Tóxicos abandonou a mesa antes do início da conferência.
Diz a GISA que “os elementos presentes dos ‘Cidadãos pela Arrábida’ mostraram-se mais preocupados em marcar a sua própria presença do que em coordenar a conferência de acordo com uma acção conjunta e inequívoca das diversas organizações presentes”, acrescentando que “o Gisa considera não ser do seu interesse trabalhar com comissões movidas pela promoção e aproveitamento político e pessoal dos seus elementos em detrimento do trabalho em conjunto pela salvaguarda dos valores ambientais, culturais e económicos desta região”.
A Caprosado refere, em comunicado, que não pretende “realizar quaisquer acções num futuro próximo” com a referida Comissão. “Esta decisão é motivada pela forma pouco coordenada como decorreu a conferência, não tendo sido aproveitado o potencial associativo e representativo existente, num momento em que não é fundamental a união de esforços de todas as entidades por uma causa comum, a qual não pode estar ao serviço de meros protagonismos políticos ou pessoais”.
“Não percebo, sinceramente não percebo”, foi a reacção de Mariano Gonçalves, da Comissão de Cidadãos “Pela Arrábida”, que se confessou totalmente surpreendido pelas acusações feitas. Defendendo que esta conferência foi marcada para “dar conta dos passos dados em matéria jurídica por parte da comissão”, referiu que foi natural a escolha de Manuel Salazar, “um jurista de créditos firmados”.
Segundo Mariano Gonçalves, as associações foram inclusivamente convidadas para fazerem parte da mesa, mas quando souberam que não iriam falar, não aceitaram continuar na sala. “Não havia nada acordado previamente, convidámo-los essencialmente para marcarem presença, e se os jornalistas quisessem depois alguma explicação da sua parte é claro que podiam fazê-lo”, justificou.
Demonstrando alguma perplexidade, negou qualquer “partidarização” do movimento, que considera “apartidário e abrangente”. “Fiquei bastante triste”, concluiu, afirmando que esta ‘desunião’ agora verificada só beneficiará o Governo.