[ Edição Nº 52 ] – O Euro.

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barra-2923181 Edição Nº 52,   28-Dez.98

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A minha avó e o Euro

           Aos 87 anos a minha avó sabe que está para chegar uma nova moeda porque ouviu qualquer coisa na televisão.           Desconhece o nome, não faz ideia do possível valor e nem sequer sabe que a conta que tem no banco será convertida em Euros de forma automática e irreversível no dia um de Janeiro de 2002.           Aliás, o escudo, a peseta, o franco francês, luxemburguês e belga, o marco alemão, o xelim austríaco, o florim holandês, a lira italiana, a libra irlandesa e a markka finlandesa só vão mesmo passar a servir para colecção… Qual objecto de museu!           Mas se para a minha avó o que importa é continuar a ter dinheiro para comprar todos os dias leite, pão e fruta, o jornal da terra e os chocolates para dar aos netos no Natal, o mesmo não se pode dizer, por exemplo dos donos duma série de pequenas e médias empresas de norte a sul do país.           Uma coisa é certa: a dúvida está instituída como bandeira nacional do recém criado “reinado do euro”.

          Se não, recordemos o que diziam ao “Setúbal na Rede” alguns dos protagonistas locais desta transição.

          Natividade Carvalho, presidente do Núcleo Distrital de Setúbal da Associação Nacional de Jovens Empresários: “Acho que nenhum empresário, a não ser um grande empresário, está formado para perceber as exigências que o Euro vai imprimir às pequenas e médias empresas”.
          António Narciso, presidente da Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal: “Ninguém está preparado”.
          Domingos Azevedo, presidente da Associação dos técnicos oficiais de Contas: “Há uma série de procedimentos legais e burocráticos que, neste momento, ainda não estão clarificados”.           Depois disto, alguma dúvida?           No que toca às datas não me parece que seja necessária grande preocupação por parte do cidadão comum.           Importa saber, para já, que a partir do início de 99 fica decidido quantos escudos são necessários para ter um euro, ou seja é fixada a taxa de conversão de cada moeda dos 11 países que alinham na terceira fase da União Económica e Monetária.           Estes valores já vão dar para começar a fazer algumas contas, mas ainda só no papel, já que o dinheiro vai continuar a ter a cara e o valor a que estamos habituados desde que nascemos.           A diferença é que até ao dia 31 Dezembro de 2001 os agentes económicos podem optar por operar tanto em euro como nas moedas nacionais.           Isto quer dizer que qualquer pessoa pode, por exemplo, pedir ao banco para converter a conta em euros (a conta à ordem ou a prazo, incluindo as contas poupança).           A partir dessa data e durante, no máximo, os seis meses que se seguem vai poder andar com duas moedas na carteira.           Depois já não há nada a fazer. Terá chegado o tempo da moeda única.

          E mesmo que “o país não tenha sido visto nem achado em relação ao Tratado de Maastricht” (assinado em 1992 e que institui a União europeia), como lembra Rui Paixão da União de Sindicatos de Setúbal, a estrutura regional da CGTP, mesmo assim Portugal vai ter de se habituar a uma das consequências dum processo de integração europeia que começou em 1957 com a instituição da Comunidade Económica Europeia.

          Num estudo* sobre as implicações sociais do euro na economia portuguesa (coordenado pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e editado pelo Ministério das Finanças) conclui-se que é previsível que “a transição e a entrada em vigor do euro sejam, do ponto de vista social, cultural e psicológico, relativamente fáceis”.
          Este estudo acrescenta ainda que, pelo menos para já, há algumas positivas consequências económicas da adopção da nova moeda, a saber: “a baixa das taxas de juro reais, a estabilidade cambial, uma superior estabilidade geral de preços, uma mais acelerada dinâmica de integração das economias e um aumento da capacidade produtiva da economia portuguesa”.
          Mas fica também claro que se “as novas condições de transparência dos mercados podem ter, a prazo e gradualmente, alguma influência na aproximação dos preços ao consumidor nos diversos países” é, no entanto, “pouco provável que os salários venham a conhecer um impacto idêntico”.
          Lê-se ainda que “os efeitos sociais do Euro vão depender da conjuntura e do crescimento económico”, ou seja, a nova moeda não vai, em princípio condicionar directamente o emprego e desemprego, os salários e as desigualdades sociais.
          “O social foi posto de parte na construção desta Europa e desta moeda única”, dizem uns.
          “As empresas só terão a ganhar já que passam a sentir maior segurança ao lidar com uma moeda como o Euro do que com uma outra moeda instável em relação às moedas fortes”, ripostam outros.           Razões para preocupação ou cautela bem como razões para alguma satisfação existem sempre.           Agora que não vai ser fácil aprender as regras deste novo jogo, ai isso é que não vai!           Quem é que está a ver a avó a ir às compras de máquina de calcular no bolso?           Eu não.

Catarina Neves      Jornalista da Área Económica     

na TSF – Rádio Jornal     

 

           * “O impacto do Euro na Economia Portuguesa. As implicações sociais”, um estudo coordenado pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, edição do Gabinete de Comunicação Social do Ministério das Finanças, Lisboa 1998.

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