
por Mendes Ferreira
(Médico ortopedista e do trabalho)
1999 www ponto
Escrevo para vós hoje a última crónica do ano, que é também, e por razões óbvias, a ultima do Século e do Milénio.
É um privilégio imenso escrever e poder ser lido simultaneamente por milhões de pessoas nesta aldeia cada vez mais global e pequena a que se convencionou chamar Terra ou Mundo.
Arrisco-me pois a poder ser recordado daqui a um século sem qualquer mérito especial.
Se daqui a cem anos alguém descobrir um objecto estranhíssimo e arcaico, a que hoje chamamos disquete, lá poderei estar eu e as minhas ideias traduzidas em palavras.
É inimaginável pois o salto que o Mundo vai sofrer.
E se, nesta crónica vou resistir à inevitável viagem retrospectiva do que foi o Século e o Milénio – os historiadores fazem-no muito bem, e melhor do que eu – também vou resistir à tentação da visão premonitória. Penso que, mesmo que alguém tenha esse poder, não o deve revelar. A vida depende da surpresa e tem aí o seu encanto.
Mas há duas questões a que não resisto de me interrogar.
Refiro-me primeiro à inevitável tentação do homem para subjugar os outros homens, escravizando-os. Como será? Será banida a violência gerada pelas desigualdades? Penso que, infelizmente, não.
Quem tiver acesso ao conhecimento, ao saber, à informação e ao seu tratamento não resistirá a esta fraqueza do ser humano.
Portanto, as formas de luta que hoje conhecemos para combater as injustiças deixarão de ter sentido, porque não tem sentido lutar contra moinhos de vento.
A única vacina para não ser escravo é dominar o conhecimento, não só na sua forma superficial, mas na sua forma suprema que se chama Sabedoria.
Outro fenómeno inexorável é pois a consequência da globalização.
As distancias reduzidas e a rapidez dos contactos fazem com que a emigração se torne em migração; a miscenização progressiva, a escassez de recursos e o saudável atrevimento do ser humano, fazem com que este não resista à tentação de procurar outros quintais; o caminho do cosmo parece escrito nas estrelas.
Aliás o progresso enorme no domínio das altas tecnologias parece ser o percurso do grande salto em frente.
Como Guttenberg com a sua imprensa permitiu que chegássemos até aqui, também qualquer invenção ou aperfeiçoamento será o elo inicial de uma catadupa de outros.
O homem procura no cosmos o que não encontra ou não sabe encontrar na Terra: A sua integração na UNIDADE CÓSMICA a que alguns chamam Deus; outros Felicidade.
Penso contudo que só a alcançará quem aprender a fazer a TRAVESSIA SÓZINHO – no meio de todos
Agora, como daqui a Mil anos.