Edição Nº 101 • 06/12/1999 | |
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MEMÓRIAS DA REVOLUÇÃO |
(Reunião do Sindicato dos Têxteis com o secretário de Estado do Trabalho) |
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Para salvar uma empresa alentejana
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– Onde é que estava no dia 6 de Dezembro de 1974? Edmundo Reis – Presidia ao Sindicato dos Trabalhadores Têxteis, com sede no Barreiro, e nesse dia reunimos com o secretário de Estado do Trabalho, Carlos Carvalhas, a nosso pedido, porque era necessário ajudar os trabalhadores de uma empresa de malhas na Messejana, em Aljustrel. Os problemas tinham sido detectados durante uma ronda do sindicato pelas empresas têxteis do país e deviam-se ao facto do patrão, que era alemão, ter saído de Portugal e abandonado a empresa. Durante a visita, procurámos saber mais sobre a empresa e descobrimos que um dos sócios era o padre local. Recebeu-nos de uma forma muito hostil e disse-nos que não era vocacionado para administrador da empresa. Havia um terceiro sócio que nos disse logo de caras que não queria saber da empresa e que nem tinha vida para aquilo. Então, colocámos o problema aos cerca de 40 trabalhadores e a questão punha-se nestes termos: ou a fábrica fechava ou eles tinham que assumir a gestão e transformá-la numa cooperativa. As pessoas estavam hesitantes, mas como precisavam dos postos de trabalho, de algum modo assumiram continuar a trabalhar até verem se havia a possibilidade de constituírem a cooperativa. SR – De que forma é que o Governo ajudou o sindicato e os trabalhadores? ER – Nós fomos apresentar a situação da empresa e dos trabalhadores que já estavam sem receber salários. Pedimos o apoio do secretário de Estado para a resolução daquele problema e foi nessa altura que nos falaram da possibilidade de se obterem algumas verbas decorrentes do Dia de Trabalho para a Nação. Nessa mesma reunião, passaram-nos logo um cheque de cem contos, que naquela época era bastante dinheiro. Levantámos o dinheiro e démo-lo, de forma parcelar, aos trabalhadores para os respectivos salários e para a aquisição de matéria prima. A fábrica voltou a laborar e a gestão era feita por três trabalhadores com o apoio do sindicato. E embora o sindicato não estivesse sempre no local, prestávamos todos os esclarecimentos e ajuda que nos pediam. SR – Como é que os sócios da empresa reagiram a essas mudanças? ER – O padre não gostou da ideia e, inclusivamente, não se mostrou nada interessado em que a empresa continuasse a trabalhar. E como a empresa estava instalada num edifício pertencente à Igreja, resolveu trancar as portas a cadeado para impedir a entrada dos trabalhadores. Claro que, num período de revolução como o que ocorria, os trabalhadores não aceitavam este tipo de atitude. Então decidiram serrar os parafusos que seguravam o cadeado e entraram pela fábrica dentro para ocuparem os postos de trabalho. Mas o padre não ficou por aqui e desatou a exercer pressões sobre as pessoas. E nem um casal de jovens lhe escapou porque, quando quiseram casar, o padre recusou fazer o casamento, precisamente porque trabalhavam os dois na fábrica e estavam a confrontá-lo com os seus interesses enquanto sócio da empresa. Mas com o tempo, as coisas foram acalmando e deixámos de ouvir falar no padre. SR – Como é que a população encarou a luta dos trabalhadores da fábrica? ER – Na altura a Messejana era uma aldeia que vivia basicamente da agricultura, apenas com uma componente fabril que era essa fabrica e as minas em Aljustrel. Tinha um número significativo de habitantes, muitos dos quais eram familiares dos que trabalhavam na empresa e, por isso, e todos viam com muito bons olhos aquela luta. SR – Quanto tempo durou o processo de auto gestão? ER – Foi até ao início de 1975, tendo inclusivamente sido visitada pelo então ministro do Trabalho, Costa Martins, que fez questão de ver a empresa e falar com os trabalhadores. Tinham uma boa carteira de clientes e de encomendas, particularmente através da Cooptêxtil, uma empresa criada para apoiar as cooperativas, através da qual escoavam os produtos. Depois, por falta de meios e de apoios as pessoas começaram a desmobilizar. Os tempos mudaram, os recursos começaram a faltar e, em meados de 1975 os trabalhadores começaram a sentir que não tinham condições para levar a empresa em frente ou para formar uma cooperativa. SR – O que é que o sindicato fez para salvar os postos de trabalho? ER – Lamentámos bastante o ocorrido porque naquela altura não havia subsídio de desemprego nem a lei dos salários em atraso. O sindicato voltou a tentar, sem sucesso, a constituição de uma cooperativa porque essa era a melhor solução para o caso. No entanto, as pessoas não quiseram fazê-lo porque diziam estar mais habituadas a trabalhar do que a gerir. Não tinham experiência nenhuma a este nível e acharam que não conseguiam, por isso começaram a desmotivar-se e desmobilizaram. SR – Como é que entende que, numa altura em que a força dos trabalhadores emergia, estes tenham decidido desistir? ER – Talvez pelo facto de estarem numa zona muito isolada do Alentejo e porque as características daquela gente não lhes permitia motivação suficiente para manter uma empresa que fugia muito aos hábitos da região, que era mais virada para a agricultura. Para além disso, não basta formar uma cooperativa, há que ter um espírito cooperativo e uma mentalidade diferente para que as pessoas possam colaborar mais umas com as outras. Ou seja, uma empresa cooperativa não é o mesmo que uma empresa em auto gestão ou uma empresa privada. O facto destes trabalhadores não terem cultura nenhuma sobre o que era organizar e gerir uma cooperativa, poderá ter sido também uma das razões que não os levou a avançar com a ideia. SR – Na altura, era significativo o peso do sector têxtil e das confecções no distrito de Setúbal. O Sindicato interveio em muitas empresas do sector? ER – Tivemos várias lutas pelos postos de trabalho no sector um pouco por todo o distrito. Lembro-me da enorme luta das trabalhadoras de uma fábrica de malhas em Alhos Vedros, a Sogantal, e da fábrica da Convex, na Moita, cujos trabalhadores fizeram questão de pedir a nossa intervenção, tendo os dirigentes sindicais ficado lá durante dias e noites seguidas para apoiar a luta. E esta foi uma luta forte que, inclusivamente, levou à detenção dos gerentes da empresa no interior das instalações porque queriam despedir cinco trabalhadores. Mas o maior peso deste sector estava na CUF do Barreiro, que tinha à volta de dois mil trabalhadores. Era onde eu trabalhava na altura e de onde era originária a maioria dos dirigentes e associados do Sindicato dos Têxteis. Por todo o país havia indústrias deste sector e, por isso, houve uma ocasião em que achámos que a luta merecia um sindicato único e forte. Assim, unificámos todos os sindicatos e estes deram origem ao sindicato nacional que tem sede em Lisboa. SR – 25 anos depois do início das maiores lutas laborais, como é que vê a actual situação do sector têxtil? ER – Estamos perante situações que nos deixam grandes preocupações. Neste sector, como em muitos outros, assiste-se à destruição do aparelho produtivo e à saída das multinacionais para países com salários inferiores. E com o sector produtivo cada vez mais reduzido, levando à perca dos postos de trabalho, as perspectivas não são das melhores. Se por um lado podemos dizer que os trabalhadores estão mais protegidos dado o reforço dos direitos conquistados durante a revolução de Abril, por outro e em termos práticos, é preciso ver cada vez mais onde é que esses direitos de aplicam, tendo em conta que esse espaço está a ficar reduzido por força da destruição do aparelho produtivo. SR – Depois de mais de 25 anos de luta sindical, está desiludido com a actual situação? ER – Quando uma pessoa inicia seja aquilo que for, as expectativas são sempre muito grandes e os objectivos que se pretendem alcançar são sempre os mais altos. Depois deste tempo todo e de tudo o que se fez, pode dizer-se que não se chegou às expectativas entretanto criadas e isso pode causar alguma frustração. No entanto, creio que não temos razões para nos sentirmos frustrados, porque foram obtidas conquistas fundamentais para os trabalhadores, nomeadamente ao nível da contratação colectiva, dos direitos dos trabalhadores, das leis de trabalho, da liberdade sindical e de tudo o que é hoje o regime democrático. Muitos dos aspectos pelos quais lutámos acabaram por se concretizar e, sendo esta uma situação dinâmica, mantenho uma esperança muito grande de que o futuro será melhor que o presente. |
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Entrevista de Etelvina Baía [email protected] |