[ Edição Nº 102] – Manuel Anastácio, da Administração do Porto de Lisboa.

0
Rate this post

Edição Nº 10213/12/1999

Com algumas obras de vulto já em curso
APL recupera zona ribeirinha de Almada

        A Administração do Porto de Lisboa afirma-se apostada em requalificar toda a frente ribeirinha do concelho de Almada, em colaboração com a autarquia e os proprietários privados. A prova, segundo adianta o director adjunto do planeamento e desenvolvimento patrimonial da APL, Manuel Anastácio, está em diversas obras actualmente em curso e que se iniciaram mesmo antes da assinatura do protocolo com o Governo. Convencido de que o protocolo para a requalificação da frente ribeirinha e atlântica é para ir em frente, Manuel Anastácio garante que as obras a cargo da APL estarão prontas até 2003.


Setúbal na Rede

– O que é que a Administração do Porto de Lisboa espera com a aplicação do protocolo para a requalificação da frente ribeirinha e atlântica de Almada?

Manuel Anastácio

– A assinatura do protocolo com a Câmara de Almada insere-se numa política que a APL tem vindo a desenvolver, no sentido da recuperação de todas as frentes ribeirinhas. O porto de Lisboa tem uma área de jurisdição muito extensa e, por isso, tem de definir prioridades no processo de recuperação das frentes ribeirinhas que começou há cerca de seis anos. Começámos por Lisboa, por ser uma zona mais sensível, e depois desta estar relativamente consolidada, avançámos para Santo Amaro de Oeiras, onde estamos a desenvolver um conjunto de projectos. Simultaneamente avançámos com Almada e, neste momento, estamos a desenvolver acções no sentido da recuperação das frentes ribeirinhas de outros concelhos. Isto depois de terem sido realizadas muitas reuniões de trabalho entre a Câmara e a APL, e foi com base no acertar destes objectivos que foi definido o âmbito de intervenção.

SR

– Que projectos serão desenvolvidos ao abrigo do protocolo?

MA

– Há um conjunto de zonas de intervenção, como a do Caramujo para a qual a Câmara tem projectada a construção de uma estação de tratamento de águas residuais. E porque existe naquela zona um forte núcleo de pesca artesanal e alguma náutica de recreio, toda a área será requalificada, criando condições para uma melhor utilização do plano de água pelos pescadores e pelos desportistas náuticos. A segunda zona é a do Ginjal, entre Cacilhas e Olho de Boi, tendo este processo começado antes da assinatura do protocolo. Para essa intervenção, a APL deu apoio técnico e financeiro no valor de 160 mil contos. É uma obra delicada porque a APL tem ali pouco domínio, já que as instalações em terra e marítimas são cais privativos. Assim, as intervenções têm de envolver os proprietários dos edifícios e das empresas ali instaladas. A terceira é na zona da Companhia Portuguesa de Pescas, uma instalação industrial que passou para a Direcção do Património do Estado. Neste momento, há conversações entre a APL, a Câmara, a Direcção do Património e o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) para definir o uso daquelas instalações.

Esta poderá eventualmente ser uma área a integrar na empresa recentemente criada para a promoção do desenvolvimento turístico da Costa. A outra é entre Porto Brandão e Banática, tendo sido toda ela estudada no âmbito dos trabalhos de uma comissão para melhorar a segurança das instalações industriais das empresas petrolíferas e a segurança das

populações. Isto implica o desvio do trânsito de camiões de Porto Brandão para o eixo da Banática e a construção de uma nova via dará às empresas petrolíferas e à própria população a possibilidade de terem duas saídas e duas entradas em situação de emergência. Para além disso será feita a recuperação de Porto Brandão, num projecto a desenvolver pela APL e pela Câmara. Quanto à outra instalação petrolífera, vai criar-se um outro acesso rodoviário que liga a empresa às Costas de Cão, junto ao campo universitário. A quinta zona é a Trafaria e já iniciámos os trabalhos com a Câmara para definir a área de intervenção e o programa para a recuperação da frente entre a Trafaria e o Torrão Dois. Vamos iniciar um estudo de ordenamento envolvendo áreas do domínio portuário e outras do domínio público e do domínio privado.

SR

– Concorda com a ideia generalizada entre a autarquia e as juntas de freguesia, de que só se chegou a este protocolo devido a uma grande pressão da Câmara de Almada?

MA

– Não concordo com essa ideia porque nós temos vindo a intensificar contactos e reuniões com a Câmara há já uns quatro anos. Não me parece que tenha havido pressão por parte da Câmara, mas sim uma mudança de estratégia da APL no relacionamento com as autarquias. Não foi só com Almada e dou o exemplo da Câmara de Oeiras, com quem estamos a desenvolver projectos. Tal como os de Almada, estes projectos não resultaram de pressões da Câmara mas sim de uma nova maneira da APL de gerir o espaço portuário.

SR

– O que é que o protocolo traz de novo aos projectos que já estão em execução?

MA

– Relativamente ao Ginjal, as obras começaram muito antes da assinatura do protocolo e já nessa altura tinham sido definidas as condições de colaboração entre a APL e a Câmara. Depois houve um conjunto de intervenções que foram sendo acertadas porque só fazia sentido assinar o protocolo envolvendo toda a frente do rio. Ou seja, o protocolo não veio trazer muito a este projecto, a não ser a definição de novas áreas de intervenção e a formalização de um compromisso firmado entre a APL e a Câmara.

SR

– O protocolo surge numa altura em que a frente ribeirinha se encontra bastante degradada. Porque é que a zona chegou a este estado de abandono?

MA

– A APL exerce a sua jurisdição sobre uma determinada faixa ribeirinha, a 50 metros da linha de praia mar de águas vivas, mas em termos de domínio ela não corresponde exactamente a esta área de jurisdição. O exemplo é o caso do Ginjal, onde todas as infra-estruturas são do domínio privado, tendo nós apenas o domínio do leito do rio. Portanto, um processo de recuperação passaria por um acordo com a Câmara e as entidades privadas. E nesta matéria, penso que a Câmara estará em melhor posição do que a APL para ser o ‘motor’ dessa recuperação urbana. Ou seja, o estado de abandono em que aquela frente se encontrava não pode ser imputado unicamente à APL. Quanto à Companhia Portuguesa de Pescas trata-se de uma instalação industrial que entrou em processo de falência, foi utilizada pelo ICN durante algum tempo e, ao mesmo tempo, existem ali alguns usos privativos cujas licenças foram emitidas pelo ICN. Estando em situação idêntica à do Ginjal, mesmo que a APL quisesse não podia intervir neste caso.

Em Porto Brandão, estamos perante um pólo urbano muito antigo e tem havido uma acção concertada com a Câmara. A praça está recuperada e a APL tem feito algumas intervenções ao nível da recuperação das muralhas. E o processo de requalificação que queremos encetar de seguida tem que ser articulado com a construção do arruamento marginal. A Trafaria é a mesma coisa porque tem uma zona urbana que é do domínio privado e a APL apenas gere o espaço na área de sua jurisdição. De acordo com a lei, a emissão de licenças de obras para essa área é da competência da Câmara de Almada, com o parecer da APL.

SR

– Pode dizer-se que existe uma sobreposição de poderes que, de alguma forma, têm sido um entrave ao desenvolvimento?

MA

– Sim, e foi esse o objectivo da assinatura do protocolo. Uma vez que existem duas entidades com responsabilidades na gestão de determinado espaço, o protocolo obriga as partes a desenvolverem projectos de recuperação em conjunto. Há aqui uma definição da forma de articulação de duas entidades que detêm responsabilidade sobre uma mesma área, no sentido de desenvolverem projectos conjuntos de recuperação. Ora, Quer a APL quer a Câmara de Almada têm responsabilidade sobre áreas comuns, e tendo nós a jurisdição compete-nos definir, em consonância com a Câmara, o que se deve ou não fazer nessas zonas.

SR

– Para além da APL e da Câmara, algumas zonas envolvem privados. Como é que se têm processado as negociações?

MA

– No caso do Ginjal, a Câmara de Almada tem promovido reuniões de trabalho com as entidades privadas no sentido de as cativar e as empenhar no processo de recuperação. Tem sido a Câmara a desenvolver esses esforços, porque é ela que tem os instrumentos de ordenamento, como é o caso do PDM. Portanto, a Câmara é a entidade mais bem posicionada para ser o ‘motor’ dessa requalificação.

SR

– Grande parte da requalificação da frente ribeirinha passa pela aposta no turismo, o que implicará investimentos privados. Que aliciantes se oferecem aos investidores?

MA

– A Trafaria e Cova do Vapor é um caso especial porque aquela é uma das melhores zonas com potenciais portuários. Parte desta frente ribeirinha está ocupada por barracas, tendo já sido feito o levantamento da situação. Agora pretende-se realojar as famílias e depois definir o uso do espaço. A APL não pretende usos definitivos porque não quer hipotecar aquela frente de rio que pertence a todos. Será uma zona de reserva para que os nossos descendentes possam desenvolver os projectos que quiserem. O Ginjal está mesmo vocacionado para o turismo e existe ali um conjunto de instalações que estão vocacionadas para isso, uma vez que a actividade industrial está completamente parada. O futuro daquela zona está fundamentalmente virado para o turismo. No entanto, não sei quais são os planos da Câmara a este propósito. Posso, no entanto, dizer que a APL não foi envolvida na constituição da empresa para a promoção do desenvolvimento turístico da Costa. Por isso, não conheço a matéria essencial para o desenvolvimento desse projecto, ou seja, o património que irá ser inserido nessa empresa turística.

SR

– Do ponto de vista da APL, por que áreas passa o desenvolvimento da frente ribeirinha de Almada?

MA

– Dos cinco projectos que estamos a desenvolver em conjunto com a Câmara, que abrangem quase toda a frente de rio à excepção da zona da Margueira, diria que a APL tem consolidadas as áreas em termos de ordenamento portuário. São os terminais da Shell, da Petrogal, da ETC, da Nato, da Esso e a ainda a instalação portuária da Trafaria. Fora disto existem os núcleos urbanos da Trafaria e do Porto Brandão e a Companhia Portuguesa de Pescas. Diria que esta zona é vocacionada para o turismo e para o lazer, sendo que as anteriores são zonas portuárias consolidadas. A zona do Caramujo é para a instalação da ETAR, um equipamento fundamental para o concelho, e as áreas remanescentes são falésias e áreas naturais, pelo que nem a APL nem a Câmara pretendem desenvolver ali qualquer actividade. Na área da Trafaria sob jurisdição da APL, prevê-se a utilização de carácter lúdico e a zona de trás tem ainda de ser definida com a Câmara, embora se saiba que a ideia é recuperar toda aquela frente.

SR

– Acha que o projecto urbano para a Margueira é para ir em frente?

MA

– Desconheço o que se pretende. Estive na apresentação do projecto e foi muito polémico. Não posso pronunciar sobre este projecto que, como sabemos, teve a contestação que teve. A APL tem jurisdição sobre a linha dos 50 metros mas, como se sabe, a área a afectar a esse empreendimento extravasa muito essa área. Como entidade com jurisdição sobre essa faixa, temos algo a dizer mas esse projecto nunca nos foi apresentado para emissão de parecer. Foi um projecto desenvolvido no âmbito do processo de recuperação da Lisnave e, portanto, foi por determinação ministerial que se definiu a forma de transformar aquela área. Assim, o porto de Lisboa não tem condições para se pronunciar sobre isso. Aquele projecto tem mais implicações sobre a zona urbana de Almada do que propriamente sobre o porto de Lisboa. A frente de rio tem óptimas condições portuárias e, por isso, este projecto não se insere na política de ordenamento do porto. E aqui, quem tem uma palavra a dizer é a Câmara de Almada que é quem define o ordenamento do concelho.

SR

– A requalificação implica também a protecção ambiental do estuário do Tejo?

MA

– Há provas de que a qualidade da água do Tejo está a melhorar. E isto por várias razões, uma delas é porque as onze câmaras ribeirinhas têm tido cuidados especiais no tratamento dos seus efluentes. A melhoria da qualidade da água passa por uma política nacional que defina regras sobre o lançamento de efluentes, portanto a implementação desta política e a fiscalização das acções têm que ser desenvolvidas serão o principal factor para essa melhoria. Entretanto, a APL também está a desenvolver algumas acções nesse sentido, nomeadamente na zona de Lisboa, onde se faz a recolha de todos os efluentes domésticos e industriais que ainda não estão a ser tratados. Por outro lado, em Almada essa situação não se verifica porque todos os efluentes surgem das zonas urbanas, não havendo ali actividades da APL que produzam poluição. No entanto, como entidade gestora do espaço ribeirinho, tem responsabilidades na fiscalização do lançamento desses efluentes no estuário do Tejo, tal como a Direcção Regional do Ambiente que é a entidade a quem compete autorizar o lançamento dos efluentes. E acredito que este processo passa por uma acção concertada entre todas as entidades com responsabilidade nesta área.

SR

– Partilha do receio da autarquia e das juntas de freguesia, de que o protocolo tenha sido assinado por razões eleitorais?

MA

– Não posso concordar porque conheço o processo desde o início das negociações com a Câmara e, quanto a isto, poso dizer que algumas matérias não estavam completamente definidas para assinar o protocolo. A única que já estava definida era a intervenção na zona do Ginjal até Olho de Boi, o Caramujo resultou de uma solicitação da Câmara no sentido de cedermos espaço do domínio público marítimo para a construção da ETAR. Na zona de Banática e Porto Brandão, o trabalho da comissão foi concluído em Setembro. O processo da Trafaria foi até Setembro, e foi por acaso que terminou nesta data. Portanto, penso que foi mera coincidência o facto do protocolo ter sido assinado em vésperas de eleições. Houve uma grande vontade da Câmara de Almada e da APL em assinar o protocolo naquela data, portanto não foi a APL que decidiu que a data era aquela e só não assinámos antes porque ainda havia matéria que tinha de ser acertada.

SR

– Com o protocolo assinado, quanto tempo vai demorar o processo de recuperação?

MA

– Quanto ao Ginjal, os tempos estão definidos e as obras já decorrem. No Porto Brandão e Banática, trata-se de uma obra avaliada em dois milhões de contos e é candidata ao próximo Quadro Comunitário de Apoio. Destes investimentos, faz parte um conjunto de obras que vão ser iniciadas no próximo ano, como é o caso de alguns arruamentos, entre eles a ligação entre Nó de Pêra e a Trafaria, estando previsto para 2002 o início da ligação entre a ETC e a estrada nacional 377. Ou seja, entre todos os processos em curso, ao abrigo do protocolo, espera-se que as obras estejam concluídas entre 2002 e 2003. Quanto aos financiamentos, não há razões para existirem problemas, uma vez que, com um total de dois milhões de contos, a componente nacional é de 800 mil contos. Ou seja, com a possibilidade de financiamento comunitário não vejo razão nenhuma para que não se aceite esta oportunidade. Por isso, não vejo razões para se ser céptico em relação a este protocolo e à execução das obras.

Entrevista de Pedro Brinca
[email protected]