[ Edição Nº 102] – É COMO DIZ O OUTRO por Fernando Cameira.

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Edição Nº 10213/12/1999
fcameira1-9779829 É COMO DIZ O OUTRO
por Fernando Cameira (artista plástico
e músico do grupo In-Situ)

O poder – a minha missão impossível

          E se neste texto… estivesse a chave?           – A chave de quê? – perguntais?


Boa pergunta! Baralhado como eu sou… teria que experimentar a caixa do correio, a porta do automóvel e a mala de viagem antes de me lembrar que me refiro a outro tipo de chave. A Chave!!
A chave de um problema até aqui sem resposta ou sem possibilidade de realização, de uma charada, de um enigma. Não seria fantástico?

Isto porque eu posso não ser um simples humano como tendes pensado (o que é natural) e eu próprio também. Quem sabe se não sou apenas um instrumento de desígnios ocultos, um chaveiro em forma de gente? Os mundos habitados, como a Terra, são uma espécie de novas urbanizações galácticas: há que distribuir as chaves das fechaduras pelos respectivos novos moradores. Se esta conjectura é plausível, seria a explicação dos nossos problemas: temos andado a experimentar as chaves erradas.

Pois é! Então eu posso ser um alienígena vindo dos algures do espaço sideral com a missão de vos entregar essa chave, se bem que… distraído como eu sou… ainda fazia toda esta viagem sideral para depois chegar à humana e corriqueira conclusão de que “me esqueci das chaves em casa”.

Também posso assumir que sou o D. Sebastião regressado, finalmente, das neblinas do passado para levar esta nação (ou este país? Ou este povo?) à glória da realização do sagrado V Império. O triunfo da Globalização do Espírito ao invés da globalização económica. Mas, tímido como sou… ainda acabava por voltar deliberadamente para a segurança solitária do nevoeiro, corado como um ressuscitado pode corar, sem que tivesse soltado um único grito de liderança.

Pois… como é que se conseguem repetir, hoje em dia, aquelas cenas de um chefe a montar num cavalo, erguer a espada e levar a maralha toda atrás, prontos a morrer pelo que ele acha que vale a pena? Quer dizer… até se tem visto isso por aí… mas é mais naquelas situações em que já se anda à pedrada de um modo anárquico e se espera que apareça um D. Sebastião qualquer só para dizer o que todos sabem e alancar com a responsabilidade. Tipo treinador. Não! Eu não seria capaz. Nem sei montar a cavalo nem tenho voz pavarotiana para fazer toda a gente olhar na minha direcção quando falo.

Se aqui procuro possíveis personagens que eu poderia estar a encarnar… não é porque tenha tido alguma revelação ao estilo “Apocalíptico 2000”. É tão somente porque hoje me lembrei daquela literatura do fantástico em que, com a maior das facilidades e certezas, se identificam seres ocultos, se revelam missões secretas, se desvendam os enigmas do esoterismo tão bem guardados precisamente porque são… esotéricos e para iniciados nos mistérios.

Uma das coisas que penso quando passo os olhos nesses livros e revistas é apenas esta (partindo do principio que a base é verdadeira):

– Como é que segredos tão bem guardados ao longo da história são assim desvendados por centenas ou milhares de autores modernos? Afinal todos eles sabem hoje a chave das escolas secretas, os nomes dos seus mentores e apóstolos, os seus métodos, rituais e fórmulas, todos eles conhecem de fio a pavio, como a palma das suas mãos, aquilo que só era transmitido, às vezes oralmente, aos membros iniciados!!! Enfim… tudo está revelado!!!

Sabem até quem é o Conde de Saint-Germain na sua actual reencarnação.

Sabem até que um cientista da NASA conviveu com Jesus Cristo, no âmbito de um projecto secreto de viagem no tempo.

Claro que eu não poderia ser esse cientista pois… esquecido como sou e fraco a História… acabaria por nem ter a certeza se tinha estado com Cristo ou com César, se o Pilatos é que tinha sido crucificado, se os Fariseus eram um clube desportivo, uma comunidade de Faro ou os apoiantes políticos do Faraó, se Herodes tinha nascido numa manjedoura e fugira para a Suíça para não ser apanhado pelo cobrador de impostos Paulo (ou Pedro?).

Confesso que fico com o meu ego um pouco em baixo quando penso que eu nunca poderia ser um destes seres especiais designados para mudarem o curso da História, para fazerem revelações assombrosas e arrastarem consigo multidões, para trazerem a Luz aos ignorantes. Fico com inveja de todos esses personagens fascinantes que transformavam chumbo em ouro, dominavam a matéria e o tempo. O que eu poderia fazer com esses poderes!!!!! Os cds que eu poderia comprar! Sim… não iria comprar livros. Para quê se eu já conhecia os segredos mais importantes? A minha busca passaria então a ser a do prazer, não a do saber. Claro que também daria muito ouro aos pobres do mundo, claro que sim! Se bem que… confuso como sou… não me admiraria se ainda acabava por lhes enviar aviões carregados de chumbo, dificilmente acreditando eles que se tratara de um engano.

Mas o prazer… ah! O prazer! Olhem… fica decidido que será o tema da minha próxima e última crónica. Mas cuidado!! Não vou facilitar.

Como diz o outro: o melhor é avisar, pois quem te avisa é porque algo te está a esconder.

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