Homenagem de Almada a José Saramago
Nobel recebeu a Medalha de Ouro da cidade
Depois de um ano de palestras, conferências, doutoramentos honoris causa e entrevistas pelo mundo, só no dia 7 de Dezembro é que José Saramago conseguiu deslocar-se a Almada para receber a Medalha de Ouro, atribuída por unanimidade pelo executivo camarário, e ao mesmo tempo, baptizar a praça da estação do Pragal. O Nobel da Literatura afirmou-se preocupado com o futuro da Humanidade e voltou a defender a globalização da solidariedade.
A plateia do auditório do Fórum Municipal Romeu Correia aplaudiu com entusiasmo, e de pé, a reflexão de José Saramago sobre o futuro. Em vez do inócuo discurso de agradecimento, o Nobel da Literatura 98 apelou para a urgência da verdade.
Segundo o escritor, “vivemos numa época terrível que parece apenas sê-lo para os que sofrem os seus efeitos directos” e apesar do desenvolvimento científico e tecnológico, da grande produtividade, do sucesso das comunicações, da diminuição das distâncias, “o mundo morre de fome, de doenças e de ignorância”.
O Nobel da Literatura 98 está também preocupado com os cinco milhões e meio de analfabetos funcionais, ou seja, “aqueles que apesar de saberem ler e escrever, não conseguem entender um texto ou expressar uma ideia por palavras”. Tal realidade, conclui o escritor, “coloca em causa o chamado voto em consciência das democracias modernas”. José Saramago não entende a democracia como um ponto de chegada, mas sim como um ponto de partida, por isso voltou a dizer que “se não tivesse havido o 25 de Abril estaríamos exactamente na mesma”.
Lembrando a palavra de ordem da revolução de Outubro: “todo o poder aos sovietes”, Saramago considera que hoje todo o poder está nas empresas transnacionais ou nas multinacionais. “O poder real não se apresenta à escolha dos cidadãos, é da Coca-Cola, da General Motors ou da Microsoft”, conclui. Não compreendendo o conformismo da sociedade actual, rendida à economia global, em contraponto defende a solidariedade global.
Esta leitura da realidade é uma das características de José Saramago, como lembrou o amigo e admirador António Borges Coelho, a quem coube fazer o elogio do autor. Nos seus livros “há sempre uma voz que interpela as coisas e os homens”, refere Borges Coelho. Já para a presidente da Câmara de Almada, são as preocupações sociais romanceadas a causa do sucesso do Nobel. Para Maria Emília Sousa, Saramago “fez da literatura o que Fernando Lopes Graça fez da música do povo”.