[ Edição Nº 53 ] – Arons de Carvalho, Secretário de Estado da Comunicação Social.

0
Rate this post

barra-3269820 Edição Nº 53,   04-Jan.99

linha-9917537

Secretário de Estado promete investigar
Alegado monopólio nas rádios de Setúbal

           Arons de Carvalho, o secretário de Estado da Comunicação Social, admite a existência de suspeitas de monopólio nas rádios do concelho de Setúbal, mas afirma que a lei é omissa neste aspecto. No entanto, espera que este tipo de situação seja contemplado na próxima revisão da lei das rádios. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, Arons de Carvalho fala do panorama das rádios do distrito e da polémica entre as emissoras e a imprensa regional, quanto aos subsídios atribuídos pelo Estado.

          Setúbal na Rede – Como é que vê situações como a das rádios do concelho de Setúbal que, ao que parece, pertencem ao universo de um só empresário?
          Arons de Carvalho
– Há algum tempo que tenho a indicação de que essa suspeita forte existe. A lei não prevê casos destes, já que o artigo 3ª da lei do licenciamento, de Março de 97, estipula que cada pessoa singular ou colectiva só pode ter participação no máximo de cinco operadores de radiodifusão. Na altura em que a lei foi feita, o legislador não imaginou que fosse possível que o mesmo proprietário tivesse várias rádios no mesmo concelho, preocupámo-nos sobretudo com as cadeias nacionais e em evitar esse tipo de criação de verdadeiras rádios nacionais à custa das estações locais. Há aqui um vazio legal e tenho a certeza de que, numa próxima revisão da legislação da radiodifusão (que começaremos a preparar este ano) essa questão deverá ser abordada para garantir o pluralismo da informação. De qualquer forma, a legislação contra a concentração da propriedade é sempre muito difícil de fazer porque, como sabem as pessoas que estão ligadas aos problemas da organização das empresas e ao Direito Comercial, há múltiplas formas de, disfarçadamente, se garantir a propriedade, como por exemplo através de ‘testas de ferro’, colocando a propriedade em nome de outras pessoas, familiares ou não, ou até a possibilidade de contratos mais ou menos velados que o garantam. De qualquer forma, penso que o legislador deve tentar e deve impedir-se este tipo de situação, de aparentemente um mesmo proprietário deter todas as rádios do concelho, porque isso configura uma possibilidade de diminuição do pluralismo da informação.

          SR – Em relação ao produto apresentado, em 1997 as de Setúbal foram advertidas pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, a propósito de algumas irregularidades detectadas durante a campanha eleitoral. Que poder é que a Secretaria de Estado tem para evitar situações deste tipo?
          AC
– Em matéria de pluralismo, a competência é da Alta Autoridade para a Comunicação Social e não do Governo. Nós pensamos que uma das formar de evitar estas situações seria dar mais poderes aos jornalistas, e fizemos isso no recente estatuto do jornalista, mas é evidente que eu não ignoro as situações de relação laboral, por vezes complexa, que existe em empresas pequenas. Situações que tornam os direitos dos jornalistas difíceis de invocar e, por isso, relativamente precários. O que temos procurado, e penso que essa é outra vertente do problema, é que as rádios locais tenham produção própria e noticiários próprios. Infelizmente existem estações de radiodifusão onde apenas funciona a antena e são meros retransmissores de emissões alheias. Fizemos vários avisos, alterámos a legislação nesse sentido e foram instaurados vários processos contra estações que violam a lei. Dentro de muito pouco tempo as primeiras sanções serão aplicadas.
          SR – No distrito de Setúbal, a frequência 95.3 da Moita está a ser utilizada pela Romântica FM, propriedade da Rádio Cidade, a 96.2 do Barreiro é a rádio Metropolitana, a 106.2 do Montijo é a Luna FM, uma rádio de música clássica, a frequência 103 do Barreiro está a ser utilizada pela Nacional, propriedade da Rádio Comercial e a frequência101.1 da Baixa da Banheira está a ser utilizada pela Memória FM, do Porto. Como classifica estes casos?
          AC
– Não sei, de cor, se essas rádios estão autorizadas como rádios temáticas. Provavelmente algumas estarão, e como tal, podem ter uma programação sem noticiários vocacionados para o concelho onde se inserem. Se assim não for, essas rádios são obrigadas a ter uma programação própria e noticiários próprios. Não sei se essas rádios estão, ou não, em situação de incumprimento ou se estão a ser objecto da apreciação. De qualquer forma, o conjunto da situação permite-me dizer que, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, há uma tendência das rádios locais para a procura de nichos de mercado e vocacionarem-se como rádios temáticas. Quando fizemos a última alteração à lei da rádio, procurámos que em todos os concelhos do país, houvesse pelo menos uma rádio generalista. É claro que não ignoramos que, em algumas dessas zonas não é fácil ter uma rádio generalista vocacionada para a informação concelhia e para programação concelhia, sendo por vezes mais simples ser uma rádio temática, visto que estas rádios podem ser também ouvidas nas áreas metropolitanas, no seu conjunto.
          SR – Nos casos indicados, os concelhos do Barreiro e da Moita não dispõem de rádios de temática local. Portanto, há uma grande faixa de território privada da rádio local, na sua verdadeira acepção.
          AC
– Exacto, nós procurámos que a legislação contemplasse a existência de uma rádio com vocação iminentemente local em cada concelho. Não sei dizer de cor a situação concreta de cada rádio ou de cada concelho que citou, mas é evidente que esse é um problema de fiscalização, é um problema de adequação à lei e não estamos desatentos em relação ao seu cumprimento. Se verificarmos que algumas dessas rádios não cumpre o que está estipulado, a lei é para cumprir. Isso, independentemente de eu achar excelente que uma rádio local opte por ser uma rádio de música clássica. Penso que isso é meritório e é importante para as populações, desde que nesse concelho haja, por essa ou por outra rádio, uma vocação local e alguma programação virada para o respectivo concelho.
          SR – A quem compete a fiscalização e com que instrumentos é feita?
          AC
– Do ponto de vista técnico, compete ao Instituto das Comunicações de Portugal, para saber se a frequência está a ser respeitada, se a potência não é demasiado elevada ou para saber se os parâmetros técnicos estão a ser cumpridos. Do ponto de vista do conteúdo, a competência pertence ao Instituto da Comunicação Social e à Alta Autoridade para a Comunicação Social. Os meios utilizados são os serviços de fiscalização do ICP, que ouvem as rádios locais de pontos distantes do país, que ouvem as pessoas que se queixam e apontam determinadas irregularidades ou ilegalidades que, alegadamente, existam. São os meios de fiscalização tradicionais, em institutos deste género.
          SR – Os casos apontados no distrito de Setúbal existem há anos. A provar-se, de facto, a existência de irregularidades, não devia já ter havido uma intervenção?
          AC
– Não quer dizer que não tenha havido. Não sei dizer o conjunto de rádios locais onde tem sido exercida a fiscalização. No entanto, vou informar-me sobre a situação concreta das rádios do distrito de Setúbal e pedir ao Instituto de Comunicação Social para verificar como é que está a conformidade do conteúdo das rádios em relação à legalidade.
          SR – Este assunto leva a uma questão, levantada pelo jornalista Rogério Severino, num dos artigos de opinião publicados no “Setúbal na Rede”. Quando se discute a política de subsídios, a entrega dessas verbas é ‘cega’ ou contempla a realidade?
          AC
– É uma entrega ‘cega’ dentro de critérios objectivos. Ou seja, eu não posso atribuir subsídios por minha livre e espontânea vontade a esta ou àquela rádio só porque o conteúdo me agrada. Os critérios são os que estão estipulados na lei e as rádios locais são contempladas tendo em conta três parâmetros fundamentais: não terem sido contempladas nos últimos três anos e pertencerem a concelhos com Produto Interno Bruto mais baixo, o que significa que as regiões do interior são as que mais têm beneficiado dos incentivos, e no caso de haver duas rádios em pé de igualdade num concelho, a preferência vai para a que tiver mais jornalistas. Estes critérios têm levado a que, até agora, mais de 70 rádios do interior do país tenham sido abrangidas. Não creio que as rádios dos distritos de Setúbal e de Lisboa tenham sido contempladas, o que não significa que não venham a sê-lo no futuro. O que está mal, no caso apontado pelo jornalista, não é o facto das rádios não merecerem o apoio, é o facto das rádios pertencerem ao mesmo dono. Ou seja, é essa questão da concentração excessiva da propriedade que deve ser combatida e não o facto de, por pertencerem ao mesmo dono não deverem ter apoios do Estado. Esse é um aspecto, mas existem outros incentivos como o desconto nas telecomunicações por permuta de publicidade, o serviço da agência Lusa apenas por 25 contos para as rádios locais e a distribuição gratuita de modems de acesso à Internet. Tudo isto são apoios dados à generalidade das rádios locais e não posso discriminar esta ou aquela só porque pertence a este ou àquele dono. O que está mal não é estas rádios terem, eventualmente, acesso a apoios, o que está mal é poder haver três rádios no mesmo concelho, que pertencem ao mesmo proprietário. Não tenho qualquer poder para escolher um jornal ou uma rádio para dar apoios, por gostar da qualidade desse jornal ou dessa rádio. Isso daria lugar a uma margem de arbítrio que já houve no passado e que penso que devia ser definitivamente eliminada do nosso país, porque dá azo a todo o jogo de favoritismo político, preferência político-partidária e de simpatia pessoal que eu creio ser de eliminar.
          SR – A atribuição das percentagens tem sido polémica, com os jornais a reclamar dos incentivos.
          AC
– Da nossa parte houve que arbitrar com sensatez uma situação que não era fácil. Ou seja, num primeiro ano de incentivo à modernização tecnológica, as rádios tiveram cerca de dois terços do conjunto do apoio. Creio que era lógica essa preferência dada às rádios locais, uma vez que nunca tinham tido qualquer tipo de apoio enquanto os jornais tinham este incentivo há muitos anos. No segundo ano, já contemplámos de igual forma os jornais e as rádios locais, tendo em conta sobretudo um pormenor: os jornais são cerca de 650 enquanto as rádios com acesso a este incentivo são cerca de 300. Os jornais reclamam que têm menos apoio do que tinham antes, e é verdade porque antes tinham um bolo para si próprios e agora têm de reparti-lo com as rádios. Por seu lado, as rádios queixam-se de que os jornais receberam durante muitos anos esses incentivos à modernização e que agora deviam deixar de os ter. Penso que é fácil encontrar razões de um lado e do outro, o que é difícil é arbitrar esta polémica de uma forma equilibrada e sensata e penso que fizemos um esforço nesse sentido. É claro que temos de ter em conta que os jornais têm acesso ao porte pago. Neste aspecto os jornais dizem que eu sempre gostei muito das rádios locais e que estava a tirar dos jornais para dar às rádios. A isto, apenas respondo com números: os jornais têm 3 milhões de contos de porte pago e as rádios não têm verba nenhuma a este título. É claro que, com isto, não estou a dizer que vamos partir o bolo ao meio, porque um jornal regional precisa do porte pago para ser distribuído nas grandes cidades ou na emigração e uma rádio tem como objectivo chegar ao concelho ou à região onde se insere. Portanto não pode aspirar a chegar a Lisboa, ou Porto ou ao estrangeiro, a não ser através da Internet, quando isso for tecnicamente possível. Creio que são situações diferentes e, obviamente, têm de ter um tratamento diferente. Creio que tenho arbitrado com equidade esta disputa e, parece-me que nos últimos tempos as pessoas perceberam isso, sobretudo nas reuniões que tenho feito nos governos civis onde junto jornais e rádios.
          SR – No entanto, têm-se registado reclamações, por parte de alguns jornais, em relação à nova política do porte pago.
          AC
– Algumas delas, eventualmente com razão. Nesta matéria, há quem se queixe de ter porte pago apenas a 90%, e quem se queixe por haver porte pago a 100%. Ou seja, tenho notado que a imprensa regional está muito dividida sobre esta matéria. Sinto que os jornais com maior qualidade, mais jornalistas e uma maior aposta no profissionalismo, na fidelização dos leitores e na distribuição própria, não querem o porte pago a 100% porque são sujeitos a uma concorrência desleal por parte de jornais que não têm qualidade e que têm uma tiragem artificial garantida através de ofertas indiscriminadas. Outros mais débeis, acham que não conseguem viver sem o porte pago e batem-se ferozmente pela continuação do porte pago à imprensa. Creio que era mais justo que houvesse um porte pago para toda a gente a 90%, a Assembleia da República colocou os diários e os semanários com porte pago a 100%, os quinzenários e mensários e outras periodicidades a 90%. É uma situação de alguma injustiça, aceito isso, porque preferia que fosse tudo a 90%, no entanto a Assembleia da República votou e eu só tenho que respeitar a vontade maioritária do Parlamento.
          SR – A lei diz que os jornalistas só podem exercer se tiverem carteira profissional, mas a realidade parece indicar que, em muitas redacções a maior parte dos jornalistas não tem a carteira profissional. Nas rádios locais, essa obrigatoriedade não se coloca?
          AC
– Não é tanto assim porque existem já cerca de 5 mil jornalistas inscritos na Comissão da Carteira e o volume de pessoas com carteira profissional cresceu brutalmente nos últimos anos. O que significa que há muita gente a exercer a profissão com carteira profissional. No caso das rádios locais, a verdade é que a lei não prevê isso porque na altura em que a lei da rádio foi feita, hesitámos muito em obrigar a que as rádios locais tivessem jornalistas com carteira profissional. Simplesmente, nós estávamos a fazer uma lei antes da entrada em vigor a lei dos incentivos do Estado á comunicação social e parecia-nos muito injusto, sobretudo para as rádios locais no interior do país que tinham fraquíssimos recursos, estar a obrigá-las a terem pessoas com carteira profissional. É claro que, na próxima revisão da lei essa obrigação não poderá ser esquecida e, portanto, não poderá haver pessoas que exerçam a actividade jornalística sem a respectiva carteira.
          SR – Não lhe parece arbitrária a forma como está, agora, a ser atribuída a carteira, e que este volume de novos encarteirados valerá mais pela quantidade que pela qualidade?
          AC
– Creio que não, e tenho a certeza que a Comissão da Carteira tem procurado ser extremamente rigorosa na forma como atribuí a carteira. E no novo estatuto do jornalista, votado há dias na Assembleia da República, eliminamos da profissão de jornalista as pessoas que figuram em publicações de mera promoção de serviços, de hipermercados ou de empresas. Ou seja, distinguimos bem a comunicação de empresas da comunicação social. A situação fica clara, validando a prática da Comissão da Carteira que é presidida por um juiz, uma metade dos seus membros é jornalista e a outra é de representantes das associações patronais, e tem feito um excelente trabalho de há 3 anos a esta parte. Aliás, a primeira medida que este Governo tomou foi pôr de pé a Comissão da Carteira e que, a meu ver, tem trabalhado sem motivo para qualquer reparo e com uma grande capacidade.
          SR – Com base nos diversos temas abordados nesta entrevista, não teme por alguma falta de credibilidade da imprensa regional, rádios e jornais?
          AC
– Creio que é muito desigual, porque há excelentes produtos e outros de muito menor qualificação. Isso é visível muito na imprensa mas também nas rádios locais porque há muitas que quase são meros retransmissores ou são giradiscos com pouca programação própria e pouca integração no meio em que se inserem. No jornais também, porque há jornais com qualificação e qualidade e um conteúdo próprio, enquanto há outros que são meras máquinas de angariar publicidade para encher o bolso do proprietário. É claro, que, no caso dos jornais, isso tem a ver com a situação do porte pago a 100%, que é desincentivadora de uma imprensa de qualidade.
          SR – O que é que deve ser feito em relação às rádios que não cumprem o papel de rádios locais?
          AC
– É obrigar a que tenham programação e informação própria e incentivar e facilitar a vida daqueles que querem trabalhar. E esse incentivo passa por questões como o serviço da Lusa, depois dos incentivos com o serviço a 25 contos vamos agora fazer um novo esforço e comparticipar este serviço a 50% nos concelhos mais pobres do país. Assim, por 12 contos e 500 por mês, ninguém pode arranjar desculpas para não ter noticiários próprios. Para além de que, não é difícil para uma rádio fazer alguns telefonemas e procurar informação local.
          SR – Há algum tempo que se fala em contemplar os jornais on-line. Quando é que essa medida será realidade?
          AC
– Creio que a lei de imprensa, recentemente aprovada, abrange as publicações on-line. Não há qualquer espécie de restrição para estas publicações, que, aliás, são um mundo em crescimento acentuado.
          SR – Parece-lhe que estes novos projectos levantam de forma mais premente a questão da fiscalização do conteúdo e da credibilidade?
          AC
– Foca questões novas e aplica-se a legislação da imprensa, do ponto vista civil e penal. Estamos perante um mundo de informação de uma potencial vastidão tal, que torna difícil gerir os problemas da regulação e da auto-regulação. A necessidade de umas Alta Autoridade para a Comunicação Social e de regras deontológicas claras, são questões que se tornam mais importantes com este potencial oferecido pela Internet.
          SR – O secretário de Estado ‘apadrinhou’ o nascimento do “Setúbal na Rede”, há um ano atrás, com uma pequena mensagem e, sendo o primeiro regional do país publicado via Internet, como é que vê esta realidade?
          AC
– Creio que é uma forma muito interessante de chegar às pessoas porque consegue superar as dificuldades de distribuição. Ou seja, aqui temos um jornal que facilmente chega a qualquer cidadão em qualquer parte do mundo, com uma facilidade muito grande e sem qualquer custo para o Estado, o que é absolutamente louvável. Não tenho a mais pequena dúvida de que o potencial de crescimento desta área da comunicação social é muito grande. Quer o jornal “Setúbal na Rede”, quer até mesmo as rádios locais, porque acredito que mais tarde ou mais cedo as estações locais vão também utilizar este meio de comunicação.

Entrevista de Pedro Brinca     

seta-1505417