Edição Nº 53, 04-Jan.99
Ambientalistas e cidadãos venceram
Resíduos tóxicos não vêm para a Arrábida
A ministra do Ambiente decidiu revelar, na última semana de 1998, a localização definitiva da co-incineração dos resíduos tóxicos industriais perigosos e Setúbal respirou de alívio ao saber que, em vez de virem para a Arrábida, os lixos vão para as cimenteiras de Souselas e de Maceira. Mas, para os ambientalistas, o caso que se arrasta há meses não acaba por aqui, porque exigem a suspensão do processo.
A decisão governamental de poupar a Arrábida da co-incineração de lixos tóxicos deixou os intervenientes locais satisfeitos, pelo facto da ministra ter tido em conta as leis “que ela própria criou”, de protecção do Parque Natural da Arrábida. É o caso da Quercus, cujo presidente Francisco Ferreira, considera positiva a decisão, tendo em conta que a Arrábida é uma zona protegida e não deve ser alvo deste tipo de intervenção.
Mas se por um lado, está satisfeito com o facto da Arrábida ser poupada, por outro continua a solidarizar-se com as populações de Souselas e de Maceira, para onde irão os resíduos, por considerar desnecessária tal decisão oficial.
É que, segundo o ambientalista contou ao “Setúbal na Rede”, o processo “nasceu torto”, já que não há certezas quanto á necessidade da co-incineração, “até porque este é um processo como tantos outros, para tratar os resíduos”.
O que era preciso, avança este responsável, era “repensar tudo e voltar ao início”, para aplicar um plano nacional sobre estes tóxicos, reduzi-los na fonte e proceder à reciclagem e reutilização de uma boa parte deles. Quanto aos resíduos que restassem, Francisco Ferreira admite um tratamento específico, “mas só aí é que poderia surgir a hipótese de co-incineração ou de outra forma de tratamento”, visto que esta parece não ser a única via para a resolução do problema.
Arrábida queima ‘não tóxicos’
Apesar da decisão da ministra do Ambiente, Setúbal não se livrou dos lixos industriais. É que, segundo as directivas oficiais sobre esta matéria, as cimenteiras que não fossem escolhidas para receber os resíduos tóxicos, têm como certa a co-incineração dos menos perigosos. Por isso, a Secil, no Outão, vai passar a queimar este tipo de lixo, o que já levantou dúvidas junto da Quercus.
A este propósito, adianta Francisco Ferreira, tudo indica que o decreto regulamentar de 14 de Outubro, que proíbe actividades como a co-incineração dos tóxicos, também “coloca restrições a este outro processo”.
Por isso, a Quercus vai pedir um parecer jurídico sobre a matéria, reunir com responsáveis governamentais e saber de que tipo de lixo se trata. Se se concluir que a lei é proibitiva, os ambientalistas tomarão posição, no sentido de forçar o Governo a mudar de posição.
O mesmo diz a Caprosado, Comissão Ambiental Proteger o Sado, para quem o processo não acabou aqui. Segundo Paulo Malhante, da associação, “há que estar atento ao processo relacionado com os lixos não tóxicos e impedir que sejam queimados aqui”.
Manifestamente contra os princípios que levaram à escolha da co-incineração dos resíduos tóxicos, os ambientalistas locais solidarizam-se com as populações de Souselas e de Maceira, e prometem desenvolver acções que levem o Ministério do Ambiente a recuar na decisão que tomou.
Já o grupo de Cidadãos pela Arrábida, que levou o Estado a Tribunal por tentativa de violação das leis do ambiente, diz-se satisfeito com o resultado e reclama “trabalho feito”. Como o perigo parece ter passado, este grupo cívico, criado apenas para combater a co-incineração de tóxicos, “extingue-se de imediato porque terminou o problema que levou à sua criação”, garante Mariano Gonçalves, um dos mentores deste grupo de pressão.
Partidos reclamam
Os partidos da oposição já manifestaram repúdio pela escolha, “seja ela qual for”, dos locais para a co-incineração de lixos tóxicos. É que segundo as declarações do PSD, do PCP, dos Verdes e da UDP ao “Setúbal na Rede”, este processo era prescindível “se houvesse uma verdadeira política para o ambiente”.
A convicção é partilhada por Lucília Ferra, deputada do PSD eleita por Setúbal e presidente da Comissão Política Distrital social democrata, que garantiu ao “Setúbal na Rede” estar contra os princípios deste processo de co-incineração. Por isso garante que vai continuar a pressionar o Governo, no sentido de “desenvolver uma política e deixar de tomar medidas avulsas”.
O mesmo dizem os comunistas do distrito, que segundo Augosto Flor, apesar de estarem satisfeitos com o facto da Arrábida não receber lixos tóxicos, colocam sérias dúvidas à validade do processo de co-incineração em cimenteiras. Até porque “fizeram letra morta da opinião das populações”, adianta este responsável
A UDP afina pelo mesmo diapasão e Carlos Santos vai mais longe ao garantir que este caso resulta de “um lobby com as cimenteiras, sem olhar aos protestos das populações”. Refere ainda que o diálogo nunca existiu porque “a decisão de co-incinerar estava mais que tomada”, o que, de acordo com Carlos Santos, terá levado a que todas as consultas públicas fossem “apenas um mero pró-forma”.