[ Edição Nº 53 ] – CRÓNICA DE OPINIÃO por Jaime Puna.

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barra-1047641 Edição Nº 53,   04-Jan.99

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CRÓNICA DE OPINIÃO
por Jaime Filipe Puna (Coordenador do Gabinete de Estudos
Distrital da Juventude Social Democrata)

A co-incineração na Arrábida
iria reflectir uma boa política de ambiente?

           O tratamento e destino final a dar aos resíduos industriais, em Portugal, sobretudo aqueles que são classificados como perigosos, tem sido objecto de grande controvérsia, tendo-se reacendido recentemente a polémica, com a questão da co-incineração em fornos de cimenteiras. E não é para menos. Muito se falou ultimamente nesta matéria e muitas questões foram colocadas em cima da mesa, começando logo pela pré-escolha feita pelo Ministério do Ambiente, de 4 locais para a instalação de duas unidades de tratamento (Outão, Souselas, Maceira e Alhandra). E logo aqui se colocou uma pertinente questão que afecta particularmente o distrito de Setúbal. Como é possível o Ministério do Ambiente sequer ter equacionado a localização da cimenteira da Secil, em pleno Parque Natural da Arrábida, uma área ambientalmente sensível e protegida pelo Decreto-Lei nº 622/76, considerada como património natural de valor incalculável, em termos, não só ambientais como económicos e sociais para toda esta região?

          A preservação das áreas protegidas, como por exemplo as reservas e os parques naturais, deve ser uma das prioridades a ter em conta por qualquer titular da pasta do Ambiente, em Portugal, pois aquelas são o garante de variadíssimos ecossistemas que permitem estabelecer um equilíbrio ecológico no nosso meio ambiente, tão necessário para conseguir um desenvolvimento sustentável. Aliás, a própria legislação nacional define a preservação das áreas protegidas como uma das prioritárias preocupações a ter em conta, nomeadamente na Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 de 07/04) e no Decreto Regulamentar das áreas protegidas ( DL nº 613/76 de 27/07) a par de demais legislação nacional e comunitária no âmbito da protecção da fauna, flora e seus habitats naturais, conservação da vida selvagem, etc. Além disso, já tive oportunidade de referir num artigo anterior designado “Para quê a co-incineração na Arrábida?” que a co-incineração, a ser instalada no Outão, seria não só um problema de desordenamento do território e de mau uso do solo, como também criaria diversos problemas ambientais, de saúde pública e de preservação e conservação do nosso Parque Natural da Arrábida (PNA), a médio e a longo prazo.

          O desordenamento e a degradação ambiental têm inevitáveis custos económicos e sociais elevados, crescem aceleradamente no tempo e devem ser calculados e contabilizados. Comprometem oportunidades de desenvolvimento em vários sectores, designadamente no turismo e na preservação dos recursos naturais. A perspectiva de desenvolvimento não pode ser imediatista e oportunista, baseada no lucro relativamente fácil, em prejuízo de um ordenamento equilibrado. Os elementos essenciais que garantem uma efectiva integração da componente ambiental na política económica, são, por um lado, informar e mobilizar a sociedade, e por outro, instituir e aplicar instrumentos económicos de política ambiental adequados à situação do país.           A legislação ambiental portuguesa contém, reconhecidamente, deficiências e lacunas. Contudo, bastaria que houvesse a possibilidade de passar efectivamente à prática o quadro legislativo já aprovado e em vigor, para que a situação ambiental do país conhecesse uma melhoria significativa. Há ainda muito por fazer no sentido de aplicar, de forma pragmática, a legislação às situações concretas da conjuntura nacional. Existe uma elevada dispersão da responsabilidade administrativa por numerosos organismos e uma fraca sensibilização das entidades responsáveis pela gestão, para as questões ambientais. A legislação é, muitas vezes, formalmente aceite mas, na prática, é esquecida, ultrapassada, ou simplesmente inexequível face à complexidade da teia administrativa e burocrática e aos conflitos de competências e de interesses. Estas deficiências desvalorizam o sistema legislativo e aumentam a apetência para o ignorar ou violar. Os diplomas fundamentais reflectem com frequência, a adopção tardia de compromissos a nível do Governo e dos organismos da administração central sobre a forma de excepções, lacunas, omissões, indefinições e futuras regulamentações, que tendem a comprometer ou mesmo inviabilizar a eficácia da sua aplicação prática. O cumprimento das leis é bastante deficiente devido à permissividade, à falta de fiscalização e, por vezes, à indiferença das entidades responsáveis.

          E é com base nestes pressupostos que chego à conclusão que o Ministério do Ambiente foi insensível às questões ambientais, o que se reflectiu pela teimosia da tutela, em pensar, sequer, instalar uma das unidades de co-incineração em pleno PNA. E não era suficiente o parecer do Conselho Nacional do Ambiente que aconselhou o adiamento do processo, por este não reunir todos os pressupostos desejáveis para uma tomada de decisão consciente e muito bem ponderada, aconselhando ainda a tutela e as cimenteiras a debruçarem-se, em primeiro lugar, pela redução, reutilização e reciclagem. E não bastava um decreto regulamentar publicado no Diário da República, pelo Ministério do Ambiente, no dia 14 de Outubro (em plena fase de consulta pública do Estudo de impacte Ambiental), proibindo a instalação de unidades industriais de classe A e B ou a alteração do uso do solo em unidades fabris existentes para laborar processos industriais que estejam incluídos nestas duas classes, onde se enquadra o tratamento dos resíduos tóxicos, e que estranhamente o Ministério do Ambiente ocultou durante tanto tempo.

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