[ Edição Nº 53 ] – CRÓNICA DE OPINIÃO por Carlos Santos.

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barra-4841769 Edição Nº 53,   04-Jan.99

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CRÓNICA DE OPINIÃO
por Carlos Santos (Secretário Regional
e membro da Comissão Política da UDP)

Lixos tóxicos na Praça do Bocage?

           Caro(a) leitor(a) que não mora em Souselas, na Maceira, no Barreiro, nem em Estarreja.

          Imagine que lhe anunciam que a cimenteira que está situada na sua terra vai passar a queimar resíduos tóxicos. Será que você dirá – finalmente uma boa obra, agora é que vai diminuir a poluição, passaremos a viver melhor? O seu bom senso e realismo não lhe permite pensar assim, você não esta’ convicto de que queimar lixos tóxicos não faz mal. Mas como não mora lá, poderá pensar: é mau, as pessoas têm razão para protestar, mas também, alguém tem de ser sacrificado porque os resíduos industriais têm de ser tratados. Mas já reparou que assim todos vão pensar que os resíduos industriais têm uma saída, e assim vai-se produzir cada vez mais lixos tóxicos?

          E você sabe que a queima de resíduos industriais tóxicos e perigosos produz dioxinas e emite compostos de metais pesados que são um veneno terrível, do pior que existe na Terra? E quem poderá garantir que o cimento assim produzido, misturado com resíduos, não se vai revelar um terrível veneno com consequências imprevisíveis para a saúde humana? Lembra-se do que aconteceu com o amianto?           A queima será certamente um bom negócio, mas não resolve o problema dos resíduos industriais!           E há alternativa. Em primeiro lugar na redução, na não produção desses resíduos. Em segundo lugar na reutilização e reciclagem. E em terceiro lugar, para aqueles que ainda não têm solução, há a hipótese do armazenamento e do aterro.           Caro(a) leitor(a)           Como eu vivo no Barreiro, permita que lhe fale da minha terra.

          No passado dia 28 a ministra do Ambiente confirmou que no processo da co-incineração de resíduos industriais será construída uma estação de tratamento de resíduos industriais tóxicos e perigosos no Quimiparque. É verdade, como você certamente pensa, que o Barreiro é uma terra de indústria, onde a química deixou uma história de poluição com graves repercussões na saúde dos seus habitantes. Mas você não diria “se eles já estão habituados à poluição, um pouco mais não faz mal”. Só mesmo o estudo de impacte ambiental do referido processo ousa uma tal conclusão.

          Nos anos 80, o Barreiro viveu uma dolorosa crise, com o encerramento de fábricas, pesado desemprego e uma crise social acentuada. Dificilmente, e com os anos, foram-se dando passos para sair dessa crise e dai emergiu uma nova situação: com algumas instalações fabris encerradas a poluição diminuiu, o Quimiparque (antigo complexo químico da CUF e depois Quimigal) transformou-se num parque empresarial, com indústria mas também com outras empresas. Lentamente abriram-se perspectivas para que esse parque, situado no centro da cidade, pudesse vir a integrar-se nela, modernizar-se e requalificar-se, tornando-se numa fonte de desenvolvimento e deixando de ser uma ameaça ao ambiente e à saúde. Abriu-se uma fonte de esperança que o PDM consignou. É esta perspectiva que a decisão da ministra mata.           Mas já pensou no absurdo que é, em 1999, instalar uma indústria de tratamento de resíduos industriais no centro de uma cidade? E o que significa aumentar o risco industrial numa cidade que já tem um alto risco? E que pensar do perigo que há no atravessamento diário de uma cidade por dezenas de camiões carregados de lixos tóxicos e perigosos? Já pensou que os esgotos da Quimiparque vão directamente para o Tejo sem qualquer tratamento e que as escorrências de uma tal indústria também irão?

          Provavelmente também pensa, como eu, que é uma decisão demasiado absurda para ser verdade e só tem um caminho – a suspensão desta decisão, como propuseram o Conselho Nacional do Ambiente, as populações envolvidas, os autarcas e diversas associações ambientalistas. Se tal não acontecer, não se admire se amanhã o Governo decidir propor a instalação de uma estação de tratamento de lixos, no Terreiro do Paço ou na Praça do Bocage.

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