Edição Nº 54, 11-Jan.99
CRÓNICA DE OPINIÃO
por Rui Paixão (coordenador da União de Sindicatos de Setúbal)
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O clima de euforia começou a ser preparado na semana anterior.
Ele eram cavalos a correr conseguindo alcançar o tão desejado horizonte, ele era paginas inteiras de publicidade de um diário nacional, anunciando que “finalmente você vai ganhar o mesmo que ganham os alemães e os franceses”. Na véspera, nenhum serviço noticioso “politicamente correcto” passou sem informar que o bébé nascia no dia seguinte. No dia foi o directo e o anuncio formal do seu “peso”: 200.482 Na semana seguinte, os dias do feriado e do fim de semana foram dedicados aos enormes trabalhos necessários para que na segunda-feira todas as bolsas de valores conseguissem vender a sua valiosa produção já com o novo valor. Na segunda-feira foi o acompanhamento do mercado global. Tóquio, Hong Kong, Londres, Nova Iorque, hora a hora, abertura e encerramento, cotação daqui e dali, sempre a subir. Pelo meio, declarações seguidas de mais declarações sobre as suas vantagens e o promissor futuro que um dia há-de chegar. O euro foi assim a constante obrigatória do fim de 98 e do inicio de 99. Já não é necessário trocar dinheiro quando se for ao estrangeiro, já que a moeda vai ser a mesma da nossa, era o comentário mais ouvido nestes dias, esquecendo que a maioria dos portugueses passa as suas ferias no local de residência. O Ministro das Finanças – o mais eufórico de todos – lá nos ia sossegando com a afirmação do bom estado da economia portuguesa, das previsões optimistas em relação ao futuro, não deixando porém de afirmar que se por mero acaso houver alguma derrapagem se cortará nas despesas do Estado. E esta foi a única nota a manchar a euforia. Corte nas despesas do Estado, para que não se deixe de cumprir o Pacto de Estabilidade. Cortes, em que áreas? O encaixe da venda das empresas nacionalizadas é chão que já deu uvas, pois já quase tudo foi vendido, ficam os cortes nas despesas – como nos anunciou o sr. Ministro – que se esqueceu de nos dizer em que áreas se irá fazer os cortes. Na Saúde, na Segurança Social, no Ensino, na Habitação, nos salários em euros? É preciso poupar, que a convergência é nominal e os critérios são para cumprir. Talvez agora já se consiga perceber as propostas do governo para o salário mínimo nacional. O Governo apresentou em sede de Concertação Social três hipóteses de fixação de valores, situados entre 60.800$ e 61.600$ e ao contrário do que vinha acontecendo, não coloca a hipótese de acompanhamento do salário mínimo em relação à evolução da produtividade. “A terceira hipótese (a mais alta) pressupõe que a evolução do salário mínimo, para além de seguir o crescimento dos preços, acompanhe em 80% o aumento previsto para a produtividade”. Por outro lado, insiste num referencial de inflação (o crescimento dos preços) que não é realista manter. O ano findou com uma inflação na ordem dos 2,8% e previsão comunitária (naturalmente com valores fornecidos pelo Governo português) é de 2,4%. Este relatório indicia que se pretende tornar ainda mais restritiva a política salarial, no que respeita aos trabalhadores com mais baixos salários, o que terá efeitos negativos no agravamento das desigualdades salariais e na pobreza. Comparemos com a média comunitária e verificaremos que: Em Portugal os 10% de pessoas que menos auferem se apropriam de uma parte menor do rendimento total (2,2% contra 2,6% na média comunitária). E que os 10% de pessoas que ganham mais, se apropriam de uma parte maior do rendimento total (27,7% contra 24% na média comunitária). Isto é, mesmo que o Governo decida pela hipótese mais alta (61.600$) agravar-se-á a injustiça social. Ao compararmos o s.m.n. com o salário médio e esta relação é utilizada para aferir o grau de eficácia e a justiça social do salário mínimo verificamos que a proposta mais alta representa 51,3% do salário médio. Ora segundo o Conselho da Europa (veja-se a Carta Social) para um “nível de vida decente” o salário mínimo não deve ser inferior a 68% do salário médio nacional o que daria 81.600$ para o s.m.n.! Mesmo que a proposta mais alta seja passada a Euros, a realidade mantém-se. Os salários em Portugal (em escudos ou em euros) não se estão a aproximar da média europeia enquanto que os preços tendem cada vez mais rapidamente a serem iguais. Se alguma vantagem o Euro terá é a de dar mais visibilidade a esta realidade e a tornar premente uma convergência real, contra a nominal seguida há longos anos.
Basta dividir por 200,482.