[ Edição Nº 54 ] – José Carlos Sousa, presidente da direcção da Popular FM.

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barra-5118067 Edição Nº 54,   11-Jan.99

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Director da Popular FM garante
A rádio é o contra-poder

           José Carlos Sousa, presidente da direcção da rádio Popular FM quer mais ajuda governamental às rádios porque considera que estas recebem muito menos que os jornais regionais. Quanto ao panorama radiofónico, José Carlos Sousa ‘torce o nariz’ a muitas rádios do distrito por considerar que são retransmissores de estações nacionais, mas garante que o projecto Popular FM tem espinha dorsal e veio para ficar. Nos aspectos laborais, diz não recear uma visita da Inspecção de Trabalho mas sempre vai dizendo que muitos funcionários do meio preferem o recibo verde.

          Setúbal na Rede – Quais são as principais queixas da Popular FM, em termos de apoios?
          José Carlos de Sousa
– No primeiro congresso das rádios locais, tive oportunidade de moderar um painel com o Emídio Rangel sobre os direitos e os deveres das rádios. Então verificámos que não existiam direitos e só existiam deveres. Era deveres com o ICP, com o Instituto de Comunicação Social, junto da EDP, dos CTT e por aí fora. E enquanto rádios, achámos, de alguma forma, antagónico o facto de estarmos a ser um veículo de dinamização cultural e de fomento das diferentes vertentes culturais dos concelhos e dos distritos onde estamos inseridos e, depois, não termos apoio para nada. A publicidade institucional, do Estado, não chegava às rádios e daí que, desde o primeiro momento da Associação Portuguesa da Radiodifusão, nós tivéssemos feito parte da direcção. Esta rádio começou muito pequena, foi crescendo paulatinamente e, pelo meio, foi vendo desaparecer o espectro radiofónico que existia nesta zona, desde o Barreiro à Baixa da Banheira, passando por Montijo e Moita. Do que nos queixamos é das diferenças nos apoios para as rádios e para os jornais e, com isto não queremos dizer que os jornais estão a ser beneficiados, mas sim que os jornais têm um estatuto adquirido durante décadas de existência. E as rádios, com a sua primeira década de existência, tiveram uma primeira filtragem e desapareceram cerca de 30%. Os outros 30% das rádios são meros retransmissores com a complacência da Secretaria de Estado da Comunicação Social, do ICP e do Instituto da Comunicação Social, e as restantes vão sobrevivendo como podem. As rádios vivem exclusivamente da publicidade e não se percebe como é que o Orçamento de Estado prevê 1,6 milhões de contos para o porte pago dos jornais, com mais 1,4 milhões de um acordo com os CTT, também para os jornais, e para as rádios há qualquer coisa como cerca de 80 mil contos. Nem precisamos de tanto como os jornais para sobreviver, mas o certo é que temos de ter alguma autonomia senão limitamo-nos a fazer aquilo que sempre fizemos. Se não conseguirmos melhor equipamento, se não conseguirmos adaptar-nos às novas tecnologias com a informatização de toda a programação e da informação, dificilmente conseguimos concorrer com outras rádios que são nacionais e que recebem do Estado, algumas delas, parcelas grandes do Orçamento do Estado.

          SR – Sendo empresas com objectivos comerciais, seria natural que as rádios tivessem de viver por si próprias, em vez de estarem dependentes do apoio do Estado. Como é que uma rádio se consegue equilibrar quando precisa do apoio do Estado para viver?
          JCS
– Todos os equilíbrios são benéficos para todas as empresas. Desde o governo de Cavaco Silva que se acabou com todos os benefícios que as cooperativas de rádio tinham. Portanto, estamos em pé de igualdade com os jornais, e se os jornais têm uma certa comparticipação do Estado porque é que as rádios não têm ajuda, seja o que for, sejam as taxas do ICP, sejam as taxas do TLP. A maior parte das rádios têm um centro emissor e uns estúdios e, em média, nunca pagam menos de 60 a 70 contos por mês. Isto dá cerca de mil contos por ano e esta verba, no total de um bolo de uma rádio que tem, obrigatoriamente, de ter um máximo de 12 minutos de publicidade por hora, é bastante significativo. Principalmente num distrito onde há rádios que vendem spots a 60 escudos, que há rádios que vendem para uma e passam noutras e rádios que são meros retransmissores. Por seu lado, a realidade da Popular FM é muito sui generis no distrito. Estamos no Pinhal Novo, o centro da península de Setúbal e uma zona em grande crescimento, mas se dependermos unicamente da sua zona comercial não conseguimos sobreviver. Isto porque somos servidos por um leque de profissionais no sentido de dar à rádio uma boa qualidade, e isso só se consegue com bons profissionais e bons meios técnicos.
          SR – Nesta altura, coloca-se a questão da viabilidade da própria rádio?
          JCS
– A rádio, como está e com um orçamento de 40 mil contos, não consegue crescer mais. Porque, se vendermos spots a 500 escudos, temos rádios à volta que vendem muito mais baixo e temos dificuldade de, nos 12 minutos que a lei nos dá por hora, vendermos spots que nos permitam angariar os cerca de 3.500 contos mensais de que precisamos para sustentar a rádio. Assim, só com uma boa estrutura económica por trás é que consegue caminhar. O futuro das rádios tem de passar por compromissos e partilhas com os agentes económicos das respectivas regiões.
          SR – Qual é a relação da Popular FM com os poderes instituídos?
          JCS
– A rádio tem que ser um contra-poder porque, caso contrário, não tem razão de existir. E sendo contra-poder, de alguma forma tem de viver com o poder instituído. Neste momento, temos uma relação muito próxima com as câmaras de Palmela, da Moita e do Montijo, temos uma relação directa com as outras câmaras do distrito, um bom relacionamento com o Governo Civil, com a Associação de Municípios e com a AERSET. Por outro lado, temos relações muito próximas com associações de professores, com o sindicato dos professores, com o ensino recorrente, com instituições particulares de solidariedade social que, inclusive, têm espaço gratuito em antena para divulgar as suas actividades. A relação com os poderes tem de se conseguir partindo da premissa de que a rádio é contra-poder e que está a fazer um trabalho com os poderes instituídos, não para os servir mas sim para lhes corrigir algumas deficiências que possam ter.
          SR – No entanto, já se sentiram alvo de tentativas de utilização?
          JCS
– Podem criar-se algumas relações que passam de institucionais a pessoais e penso que isso é negativo porque deixamos de funcionar com raciocínio lógico e passamos a funcionar com o coração e pela amizade. E isso tira-nos a razão para proceder de forma isenta.
          SR – Mas concorda que, quando a rádio não é viável apenas com o mercado publicitário, pode haver a tentação de servir alguém, pensando na componente financeira?
          JCS
– Se quiséssemos já tínhamos vendido a rádio, porque houve propostas de grandes empresários e também da igreja Maná e da Igreja Universal do Reino do Deus. Portanto, se a rádio ainda não se vendeu a este nível, não se venderá a outros que terão, concerteza, valores bem menores. Portanto, continuamos com a nossa postura e contando com as pessoas certas para os lugares certos.
          SR – A Popular FM passou a ter este nome porque fez uma grande mudança no seu perfil. Como é que este processo de mudança foi visto pelos que a têm acompanhado, nomeadamente a população do Pinhal Novo?
          JCS
– Nós somos uma cooperativa e temos 30 sócios. As suas directrizes são traçadas, ou por fóruns abertos ou por assembleias gerais. Em 1995, depois de uma grande reflexão, optámos por este modelo. Quando se diz que a rádio fugiu do Pinhal Novo, eu digo que fugiu apenas no nome, porque, contrariamente ao que algumas pessoas pensaram, na altura, nós não metemos o Pinhal Novo na gaveta. O nome do Pinhal Novo não dizia muito há maioria das pessoas de Lisboa, que pensavam tratar-se de uma terra no Alentejo. E foi preciso encontrar um nome mais abrangente para podermos ir disputar mercado no norte do distrito e mesmo em Lisboa, onde somos melhor ouvidos na faixa ribeirinha do que muitas rádios da capital, por causa das sete colinas. Demorou algum tempo a perceber, mas sinto que as coisas estão encaminhadas. Alargámos o nosso âmbito, ganhámos muito auditório e ganhámos anunciantes. Passamos exclusivamente, música portuguesa e de expressão portuguesa, e neste momento, temos alguma dificuldade em conseguir 24 horas de boa música. Mas temos música de qualidade, com o prejuízo de termos de adquirir tudo quanto são trabalhos novos, visto que as grandes editoras não nos mandam muitas coisa. E também com prejuízo de termos algumas pessoas descontentes porque não ouvem Júlio Iglésias e Juan Luís Guerra e por aí fora. Esta foi a política definida para a rádio em 1995 e é uma aposta ganha porque todos os orçamentos da cooperativa têm sido suplantados.
          SR – A rádio não foi visitada pela Inspecção de Trabalho, no entanto pergunto qual é a situação laboral dos trabalhadores da Popular FM?
          JCS
– De facto, não fomos visitados pela Inspecção de Trabalho. No âmbito de alguns projectos desenvolvidos com o Instituto da Juventude e com o Instituto de Emprego e Formação profissional, temos alguns jovens devidamente enquadrados. Depois, temos os profissionais da casa que são funcionários com direito a Segurança Social e tudo o mais. Depois, temos alguns colaboradores que vêm preencher alguns espaços e alguns empresários em nome individual, principalmente, na área comercial.
          SR – Então, estão descansados quanto a uma possível visita da Inspecção de Trabalho?
          JCS
– Não há problema. No entanto, também digo que as pessoas estão mais interessadas em ganhar 100 ou 200 contos durante 12 meses, do que ganharem menos e terem os descontos para a Segurança Social. Isto, independentemente de saberem que teriam subsídio de férias e 13º mês.
          SR – A propósito das intervenções que têm vindo a ser feitas pela Inspecção de Trabalho, houve quem dissesse que obrigar à colocação de funcionários nos quadros significaria a morte das rádios. Concorda com isto?
          JCS
– Digamos que não é a morte das rádios mas sim um grande rombo no orçamento graças a dois factores. Neste momento, a própria APR, em cuja direcção temos um representante, discute muito esta matéria. Presentemente todos os funcionários das rádios pertencem à chamada linha branca, que é como se classificam os funcionários indiferenciados. E quando for criada uma portaria regulamentadora de trabalho para todos os trabalhadores das rádios, inclusivamente os jornalistas, será incomportável uma rádio ter um jornalista de 1ª a receber 250 contos. E se neste momento a maior parte das rádios furta-se a ter informação, mais difícil seria a seguir. E a discussão que a APR está a ter, sobre esta matéria, poderá dar resultados sobre a criação de uma portaria, ainda este ano ou no início do ano que vem, o que poderá mesmo provocar muitos contratos de 3 anos, a termo certo. E ao fim de 3 anos despede-se, dá-se indemnização e contrata-se outro. Portanto, temos de criar mecanismos no sentido de fidelizar as pessoas ao local porque um trabalhador satisfeito é meio caminho andado para que o trabalho corra bem. E aqui queremos ter as pessoas satisfeitas, embora não tenhamos muito espaço físico para lhes oferecer e essa é uma das nossas grandes reivindicações. Temos o compromisso da Câmara de Palmela para novas instalações, mas isto foi há mais de um ano e até agora, nada. Voltando atrás, acho que é mesmo necessário criar uma portaria que enquadre os funcionários das rádios mas é preciso darem-nos condições para que possamos cumprir. A este nível, pode não ser a morte das rádios mas algumas coisas têm de acabar e, se calhar, em vez de ter cinco jornalistas, como temos neste momento, passamos a ter dois.
          SR – Tendo neste momento algumas colaborações com a Cabovisão, como é que a Popular FM vê a televisão regional?
          JCS
– Estamos sempre abertos a tudo. Neste momento, somos a única rádio com protocolo com um canal de televisão local. A Cabovisão tem os meios materiais e nós temos os humanos e, portanto, é muito mais fácil a fusão destes dois ingredientes para um produto televisivo, do que estar a construir tudo de novo. Assim, sempre houve quem preconizasse a perspectiva que incluía uma rádio, um jornal e uma televisão. Neste momento, o Pinhal Novo tem um jornal que, por acaso, ou não, é propriedade de um dos cooperantes da rádio. Portanto, há alguns elos de ligação, embora ténues, que se têm mantido desde o aparecimento do jornal, de que é exemplo o anúncio que lá temos e os spots de promoção do jornal que fazemos na rádio. Mas nunca houve uma ligação muito directa entre aquilo que se faz na rádio e aquilo que se faz no jornal. A linguagem é diferente, o tratamento da notícia é diferente e o cunho pessoal que se dá no jornal, onde se vê muita opinião, na rádio não se verifica. A televisão é uma possibilidade mas, penso que, enquanto esta rádio for uma cooperativa, onde, entre os 30 cooperantes existirão 10 com preocupações relativas ao seu funcionamento, dificilmente terá possibilidade de granjear apoios essencialmente financeiros, para partilhar uma estação de televisão. Penso que a televisão pode ser partilhada., por exemplo com a Cabovisão com quem temos um protocolo até ao ano 2000, ou até com a TV Cabo, por exemplo, mas de forma a que o tipo de acordo que se crie, preconize essencialmente que a Popular possa fornecer material humano. Por outro lado, esta ligação à televisão é proveitosa no sentido em que nos pode dar uma outra abrangência que permita que possamos angariar outro tipo de patrocínios, de uma outra forma. Porque rádio, em si, encerrada sobre si própria, é um modelo esgotado.
          SR – A Internet passa pelos objectivos da Popular FM?
          JCS
– Sim, há cerca de um ano e meio houve um protocolo entre a Telepac e a Secretaria de Estado da Comunicação Social, para que as rádios tivessem acesso à Internet. Por teimosias e indefinição da nossa parte, nunca se chegou a saber quem tinha a password, como é que se tinha acesso e o que é que se podia ir lá buscar. Entretanto passou o prazo e agora estamos à espera porque temos algumas indicações sobre o reatar das conversações entre a Secretaria de Estado e a Telepac, para retomarem o protocolo. Aí estaremos dispostos a ter Internet na rádio porque este meio é mais uma forma de atingirmos os nossos objectivos.
          SR – Mas marcar presença na Internet, não está nos horizontes?
          JCS
– Marcar presença da Internet não está nos nossos horizontes, neste momento. Já tivemos um site e depois retirámos isso. Entretanto, ainda ninguém se dignou a fazer uma página. Quanto à emissão, penso que é um pouco complicado nesta fase mas temos esse tipo de horizonte. Os nossos objectivos prioritários são as instalações e a mudança da torre para termos uma cobertura mais sólida e com mais qualidade.

Entrevista de Pedro Brinca     

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