Edição Nº 62, 08-Mar.99
Impactos da Vasco da Gama são positivos
Montijo diz que a ponte trouxe progresso ao concelho
A Câmara Municipal do Montijo acredita que a ponte Vasco da Gama foi a grande responsável pelo crescimento do concelho e garante não ver impactos negativos do empreendimento inaugurado há um ano. De acordo com a vereadora Honorina Luizi, a autarquia tem agido bem no sentido de um crescimento sustentado e, quanto às queixas da Câmara de Alcochete, de falta de verbas governamentais para acompanhar o progresso, garante que como o PCP “não foi, nem será nunca, Governo da Nação, acha que pode abrir a boca e pedir tudo”.
Setúbal na Rede – O que é que mudou no Montijo, com a entrada em funcionamento da ponte Vasco da Gama?
Honorina Luizi – A facilidade de chegar a Lisboa, o urbanismo e a visita de outras pessoas ao nosso concelho. Sentimos muitas mudanças na ocupação ao nível da restauração e da hotelaria, agora estão ocupados praticamente a 100% aos fins de semana. O comércio local não terá sentido tanto estas mudanças porque ainda não temos a preparação que esperamos ter no próximo ano, através da aplicação do Programa de Modernização do Comércio Tradicional que será aplicado em Agosto. Vamos iniciar obras de remodelação da Praça da República, vamos aproveitar as lojas tradicionais e fazer um grande centro comercial a céu aberto junto do rio e criar motivos de interesse para fidelizar os visitantes do Montijo. E outras obras irão permitir mais actividades através da recuperação da zona junto ao rio, especialmente porque no próximo ano já não vamos ter os esgotos a correr para o Tejo aqui mesmo dentro da cidade. Em Agosto ou Setembro será feita a ligação definitiva de todos os colectores à nova Estação de Tratamento de Águas Residuais e isso vai propiciar mais actividades junto ao rio.
SR – Então pode dizer-se que o Montijo não estava preparado para os impactos da nova ponte?
HL – De facto, não estava porque a anterior gestão não preparou o Montijo para este progresso que é a ponte e que, na minha perspectiva, só trouxe coisas boas para o concelho.
SR – E quanto às previsões de especulação imobiliária?
HL – A especulação verificou-se quando foi anunciada a localização da ponte e não aumentou pelo facto da ponte estar concluída. E registo com agrado que trouxe novos construtores à cidade e, ainda por cima, construtores que querem fazer trabalhos de qualidade. Temos em aprovação cerca de 4 mil fogos novos, na zona do Afonsoeiro, e todos são fogos de qualidade e com preocupações ambientais e de espaços de lazer, coisas que antes não se verificavam. Os preços dispararam logo a seguir ao anúncio da ponte mas desde que a ponte abriu não se verificaram aumentos substanciais na área da habitação.
SR – Com o anúncio da ponte, um dos grandes receios era o desenvolvimento urbano desorganizado. Esse receio está ultrapassado?
HL – Era de temer, de facto, mas isso não vai acontecer aqui. Essa tem sido a parte mais penosa porque custa receber toda esta gente com vontade de investir no Montijo e nada estar planificado para que as pessoas possam trabalhar. Foi praticamente com o Plano Director Municipal e com a boa vontade quer das pessoas que queriam investir quer dos técnicos da Câmara, que se foram encontrando soluções para as estruturas básicas para toda a zona em que há construção. Realmente recebemos uma pesada herança de falta de planificação ao nível das estradas, das zonas de lazer, do abastecimento de água e do saneamento básico. Portanto, as coisas têm sido penosas porque nada estava preparado.
SR – O aumento do fluxo do trânsito trouxe problemas?
HL – O trânsito tem trazido coisas boas e más, ou seja, há uma maior circulação de ligeiros dentro da cidade mas os ligeiros que se dirigiam ao barco, e que entupiam o tráfego, já têm a opção ponte. Por outro lado, houve uma melhoria por causa do IC13 que fez escoar os camiões pesados que anteriormente passavam pelo interior da cidade.
SR – A rede viária tem mostrado capacidade de resposta ao aumento do trânsito?
HL – Sim, no entanto há duas ruas de entrada que têm de ser repensadas porque estão saturadas. Estamos a procurar alternativas porque estão saturadas e tudo indica que essas alternativas sejam junto ao rio. Para além disso, com o troço da circular externa que temos em projecto, podemos transferir o trânsito para fora da cidade e, assim, ficamos aliviados do problema do tráfego. Não se trata de um trânsito complicado mas é necessário compatibilizar isto com os loteamentos previstos e, por isso, quero ter tudo pronto para receber as novas quatro mil famílias previstas para as novas urbanizações. As coisas são mais difíceis porque não há um plano de rede viária bem estruturado. E como nós herdámos uma cidade sem planos, metemos mãos à obra e temos vindo a fazer isso. Portanto, todos os loteamentos têm estado a ser compatibilizados com algumas infra-estruturas básicas e esse processo corre à medida que os loteamentos vão sendo feitos.
SR – Apesar de ter sido anulada a lei que obrigava as autarquias envolventes à ponte a pedirem o parecer da CCR sobre novas construções, na prática continuam a ser obrigadas a fazê-lo. Isso tem sido um obstáculo para a Câmara?
HL – Com as práticas levadas a cabo por este executivo, de inflexibilidade em termos de urbanos e de querermos cumprir as coisas ao nível da observação dos limites do PDM, podiam estar todos descansados e não era preciso ter esse instrumento a funcionar. E posso dizer que conseguimos alguma abertura da CCR porque agora estamos dispensados de enviar os projectos de arquitectura referentes aos os projectos de loteamento que já passaram pelo parecer da CCR. E essa prática era muito penalizante porque temos urbanizadores que entregam dezenas de processos. Portanto, acho desnecessário termos de submeter estas coisas à CCR, até porque eles não são mais rigorosos do que nós. Para além disso, aquilo que vão analisar não é o fundamental em termos de urbanismo porque corremos o risco de um processo perfeitamente arbitrário em termos de volumetria, para o centro da cidade, passar só porque não colide com os acessos à ponte.
SR – Uma das consequências mais temidas, com a abertura da nova ponte, relacionava-se com as questões do ambiente. Confirmam-se esses temores?
HL – Acho que não, até porque há muitos anos que não se viam flamingos perto do Montijo e este ano apareceram. Este é um bom exemplo de como a ponte não veio prejudicar o meio ambiente. Não sei se em Alcochete, na zona de amarração da ponte, haverá alguns problemas ao nível dos efluentes não tratados, mas o certo é que aqui não temos problemas e o caso dos flamingos parece-me um bom exemplo. O que eu considero como problema é o facto de não agarrarmos na questão das ETAR’s e do tratamento dos efluentes para o rio. Portanto, para além do impacto visual não vejo outros problemas, mas esta questão do impacto visual tem a ver com o progresso porque ele traz sempre algumas mudanças. Ao nível do ambiente é que não vejo mudanças nenhumas.
SR – Ao nível do ambiente, foram feitas iniciativas sobre as salinas, para as quais convidaram a Câmara do Montijo mas não a de Alcochete. Não há uma componente política a dividir os dois concelhos numa questão que diz respeito a ambos?
HL – Não pomos a política à frente do ambiente e não achamos que, pelo facto de cada lado ser de uma cor diferente, o ambiente passou a ser bom de um lado e mau do outro. Até porque as coisas erradas em Alcochete reflectem-se necessariamente no Montijo e vice-versa. Não conheço essas questões relacionadas com a falta de convite a Alcochete em iniciativas sobre as salinas, mas o que posso dizer é que não consigo ver isto com o ilhas isoladas, porque não o são. Quanto à questão do José Manuel Palma, realmente falámos com ele mas foi sobre as nossas salinas. Quanto ao tal parecer da Câmara sobre a nomeação de Palma para a Equipa de Missão, não é verdade, porque o Montijo não deu parecer nenhum nem foi contactada para isso. No entanto, acho que é bem nomeado porque, em princípio, é uma pessoa que sabe defender as salinas e este meio ambiente. Refira-se que nós defendemos o ambiente mas não somos fundamentalistas, queremos uma defesa sustentada porque não faz sentido defender o ambiente até ao máximo e, por isso, impedir que se usufrua do rio e que se ignore a realidade junto do rio. E a realidade são muros de salinas partidos, com o rio a invadir a área, para além de entulhos e coisas velhas que é preciso limpar e remover. No entanto, antes de avançar para algumas mudanças e limpezas do rio, temos tentado dialogar com ambientalistas e responsáveis do Ministério do Ambiente no sentido de fazer o melhor possível. Regressando à questão da política, quando as autarquias têm à frente gestores da mesma força política do Governo, não é porque elas tenham mais força que outras nem porque o Governo olhe mais por elas que pelas outras, há sempre pessoas que já conhecemos de outros lados e que já se sentaram connosco a discutir política. Portanto, quer queiramos quer não, é mais fácil telefonar e pedir ajuda a um amigo do que a uma pessoa que desconhecemos. E não me parece que a diferença de cores políticas esteja a travar o relacionamento entre Montijo e Alcochete, isso é mais o empolar da situação do que propriamente a realidade.
SR – Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, o vereador Álvaro Costa, da Câmara de Alcochete, queixou-se de que, nem Montijo nem Alcochete recebem Governo as verbas de que necessitam para acompanhar este desenvolvimento. A Câmara do Montijo sente de facto, esse problema?
HL – Estamos sempre com falta de verbas para nos ajudarem neste processo mas não abdico de dizer que o PCP não foi, nem será nunca, Governo da Nação. Por isso acha que pode abrir a boca e pedir tudo, milhões de contos para aqui, milhões de contos para ali. Parece-me razoável pedir, dentro de uma coisa pensada e estruturada porque temos um país, não temos apenas umas zonas junto de Lisboa. Claro que as obras que reivindicaram não tinham projectos e mesmo que o Governo desse o dinheiro ninguém conseguia fazer nada nos três anos seguintes porque não há um único projecto, não há estudos, não há nada. Portanto, aqui há é conversa. Não há dúvida que, ao nível de algumas circulares e de ligação entre os centros mais populacionais, acho que deve ser o Governo a actuar. Mas não nos podemos queixar porque, em termos de segurança temos previsto o reforço da GNR, embora já a tenhamos quer aqui quer em Alcochete. Temos tido o apoio possível, eventualmente podemos reivindicar um pouco mais, mas o que acho é que não há grandes estudos sobre a região para podermos fazer grandes reivindicações realistas. Mas depois, admito que há coisas que são um sonho, como por exemplo, vermos a base área transformada numa grande área de lazer para a zona de Lisboa. Mas não vou dizer que queremos isto para amanhã porque temos de ser realistas e, para já, fizemos sentir este nosso sonho porque não é muito agradável ter aqui os aviões quando sabemos que a zona é muito bonita e que dava um bom parque de lazer.
SR – E ter aviões em Rio Frio, constitui ou não uma vontade da Câmara do Montijo?
HL – A posição oficial da Câmara é que, aquilo que for bom para o país não terá a nossa oposição. Não temos estudos feitos nem tivemos capacidade para isso mas, agora que o estudo da Universidade Nova, encomendado pela Associação de Municípios, foi divulgado, vamos debruçar-nos sobre a matéria e, se verificarmos que o impacto ambiental é negativo, veremos como serão as coisas no futuro. Agora, um dos perigos em termos de urbanismo, era termos de receber aqui pavilhões e armazéns. Não surgem porque não deixamos já que temos espaços próprios para isso, como acontece em Pegões. Mas o aeroporto também pode trazer hotéis e isso é bem vindo. Temos uma larga circular florestal à volta do Montijo, onde se podem construir hotéis, portanto há que compatibilizar as coisas e tentar saber, junto do poder central, os aspectos negativos e positivos que o empreendimento poderá trazer. Não temos dados suficientes para discutir isto, mas parece-me que as consequências negativas seriam as armazenagens e o tráfego de pesados. Em termos de trabalho directo, penso que durante alguns anos será capaz de movimentar as pessoas, como aconteceu com a ponte. Mas em termos de trabalho a médio prazo, se desactivarem o aeroporto de Lisboa os profissionais especializados vêm para aqui. Para um leigo como eu, o aeroporto em Rio Frio poderia ser uma placa giratória interessante, em termos do país, para o sul da península e poderia trazer algum desenvolvimento ao Alentejo. Directamente, no que diz respeito ao Montijo, não estou a ver muitos benefícios.
SR – No entanto, o discurso da presidente da Câmara destoa, nomeadamente da maioria das autarquias, que são claras em defender o aeroporto em Rio Frio.
HL – Reconheço que a presidente tem sido uma voz corajosa ao dizer que o aeroporto não traz só coisas boas. Acho que é uma voz verdadeira e um aeroporto não é decisão que tenha a ver com um concelho, tem a ver com todo o país e tem que ser visto com esta seriedade. Acho que, por vezes as pessoas estão a trabalhar sem bases nenhumas e, nessas bases nós também podíamos ter trabalhado. Mas não o fazemos porque não trabalhamos assim, quando falamos é sobre coisas concretas. Por vezes, do ponto de vista político é uma atitude incómoda e é por isso que acho a presidente muito corajosa ao tomar a posição de reserva que tomou.
SR – Quanto ao aeroporto, há quem defenda a hipótese de remodelar a base aérea do Montijo em vez de construir em Rio Frio. Essa ideia colide com o que a Câmara sonha para aquela zona?
HL – Decididamente, a Câmara prefere um parque de lazer naquele espaço. No entanto, quanto a Rio Frio ou mesmo em relação à base aérea, se achássemos que as coisas eram catastróficas para o concelho não nos calávamos. Se em relação a Rio Frio temos esta posição, é porque achamos que mediante estudos e as contrapartidas que o município possa ter, as coisas poderão ser resolvidas para compatibilizar o desenvolvimento de forma sustentada.
Entrevista de Pedro Brinca