Para uma decisão clara sobre o novo aeroporto
LPN quer ver estudadas mais hipóteses de localização
A Liga para a Protecção da Natureza considera que os estudos prévios sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa deveriam abordar outras hipóteses, incluindo a opção de alargamento da Portela. Uma opção que, de acordo com a Liga, ainda não foi objecto de um estudo sério. Embora ainda não tenham tomado posição sobre as duas hipóteses em causa, o presidente da Assembleia Geral e ex-presidente da LPN, Eugénio Sequeira, e a responsável da associação pelo sector de Ordenamento do Território, Tânia Sousa, consideram que Rio Frio poderá sofrer alguns impactes irreversíveis, tendo em conta que se situa entre dois parques naturais. Para além disso, estão preocupados com as consequências ao nível do ordenamento do território, da especulação do uso do solo e da densidade populacional nas áreas circundantes ao novo aeroporto. Os atentados ambientais no distrito merece-lhes algumas preocupações e por isso apelam à consciência da população no sentido de proteger os recursos naturais.
Setúbal na Rede – Qual é a melhor localização para o novo aeroporto de Lisboa?
Liga para a Protecção da Natureza – Ainda não temos posição sobre isso porque vamos tomar uma posição conjunta com o GEOTA e com a Quercus, baseada na análise dos estudos técnicos. Por isso é uma posição que só vamos tomar em fins de Abril.
SR – Concorda com o facto de só existirem duas hipóteses de localização?
LPN – Parece-nos muito mal, principalmente porque o novo projecto de Lei dos estudos de impacte ambiental prevê que se faça consulta ao público no âmbito do Estudo de Impacte, o que incluiria perguntar às pessoas quais são as alternativas a estudar. E então as pessoas sugeririam o estudo de Rio Frio, Ota, alternativa zero e talvez outras alternativas. A LPN acha que a alternativa zero devia ser estudada e isso não tem
ordenamento do território.
sido feito porque ainda não foi apresentado um estudo sério sobre o alargamento do aeroporto da Portela. Os únicos dados existentes sobre isso foram encomendados pela empresa que vai construir o novo aeroporto, o que não faz sentido nenhum.
SR – Acha que essa alternativa seria viável?
LPN – O que tem vindo a público é muito contraditório porque há pessoas que dizem ser impossível estender-se a capacidade do aeroporto acima dos 12 milhões de passageiros, o que seria até 2010, e há pessoas que defendem que pode estender-se até 20 ou 30 milhões de passageiros e assim seria viável até 2020 ou 2030. Acrescente-se que nos pressupostos de crescimento do tráfego aéreo, onde também não se tem tomado em conta o tráfego de carga, que é tão importante como o de passageiros, o que nos preocupa é que não se tem em conta a necessidade de restrição energética que vai haver face à resposta que a comunidade mundial vai dar ao efeito estufa. Ou seja, vamos ter de reduzir a emissão de gases de efeito de estufa e o transporte aéreo é um dos que tem maior emissão. Será que com os TGV parte dos transportes aéreos não vão reduzir o seu trabalho? E onde é que estão os estudos que provam a necessidade de um aumento para os tais 20 milhões ou 30 milhões de passageiros? Há estudos sobre isto mas não de uma forma clara. Os estudos estão feitos no sentido de um crescimento económico, que pressupõe um aumento brutal de tráfego, um aumento brutal de construção civil, um aumento brutal de um crescimento que não é desenvolvimento sustentado e que não tem em conta os problemas que podem surgir no futuro. Esta é uma opção política de longo prazo e as populações deviam ser ouvidas. E isto não depende só de nós porque, suponhamos que os espanhóis resolvem fazer um aeroporto internacional em Badajoz, como é que ficamos? Suponhamos que, em vez de fazermos estes grandes centros iríamos fazer aeroportos mais pequenos para voos mais pequenos e aumentar Faro e Porto? Ora, isto são opções diferentes. O Governo está a tomar uma opção para 20 ou 30 milhões de pessoas e para uma localização determinada, portanto parece-nos que existe falta de estudos, não só em relação à opção zero, mas em relação a tudo o que está por trás disto.
SR – Qual seria a melhor forma de consultar as populações sobre esta questão?
LPN – Devia perguntar-se sobre as várias opções relativas ao tipo de desenvolvimento que queremos. Ou seja, não estar a tomar decisões sobre o turismo na Costa Vicentina, baseado num hipotético alargamento, ou no desenvolvimento da zona de Fátima com a hipotética instalação do aeroporto noutro sítio, por exemplo, sem sequer perguntar à população. Vamos agora perguntar às pessoas, mas sem a opção zero, e as condições que estão por trás da decisão do aeroporto não são perguntadas à população. São questões políticas de fundo, que deveriam ser ouvidas. Não tem ainda a ver com a questão do ambiente, tem secundariamente, a ver com o desenvolvimento em zonas costeiras ou o desenvolvimento na zona do interior, mais a norte ou mais a sul, com implicações ambientais. Isto não tem só a ver com o aeroporto, porque estamos a analisar o estudo de impacte do aeroporto e não podemos esquecer que o aeroporto vai ter efeitos secundários, efeitos esses que também não estão no estudo. Pelo menos ao nível do resumo não técnico, que já analisámos. Há implicações como na ponte Vasco da Gama, visto que ali as maiores implicações ambientais não são propriamente a ponte mas sim o ordenamento ou desordenamento que veio causar na margem sul. Em relação ao aeroporto, qual vai ser o efeito da sua instalação na Ota ou em Rio Frio, ao nível do crescimento urbano? E qual será o efeito do não aumento do aeroporto de Lisboa, em termos do aumento da população? É que se o aeroporto sair dali, vai haver implicações no trânsito, ou seja, vai haver uma redução de ruído mas em contrapartida vão aumentar as filas de trânsito. Por outro lado, era necessário contabilizar também os efeitos da retirada do aeroporto de Lisboa, o que é que se faria neste local e de que forma iria melhorar a vida das pessoas que aqui residem.
SR – Tendo em conta a análise do resumo, que opinião tem sobre os estudos?
LPN – Ainda não estamos em condições de comparar os dois, mas podemos dizer que os estudos apareceram separados, ou seja, para um mesmo local temos um estudo dos solos, um da poluição atmosférica, por exemplo. E eles não estão interligados, pelo que não há interacção entre os vários impactos. Isso não está feito, pelo que os estudos estão incompletos. Isso obriga a uma leitura do estudo técnico, dos vários dossiers do estudo técnico, e depois a uma metodologia para interligar tudo.
SR – Quais são os principais impactes de uma ou outra localização?
LPN – Na Ota, o principal impacte deverá ser toda a movimentação de solos de que se fala, cerca 60 milhões de m2 de terra que poderão ser retirados. Para além disso, pode ocorrer o risco de cheias porque a estrutura vai impermeabilizar boa parte do solo. Em Rio Frio o problema é instalar-se o aeroporto entre os parques naturais do Tejo e do Sado porque vai funcionar como uma barreira para as rotas das aves migratórias. Isto é um grande problema quer para as aves quer para a segurança dos aviões. Para além disso, poderá haver problemas com aquíferos, especialmente em Rio Frio.
SR – Estão acauteladas as implicações ao nível do ordenamento do território e do uso dos solos, relativamente às áreas que poderão receber o aeroporto?
LPN – Não, tal como aconteceu com a ponte Vasco da Gama. O que se sabe é que, para sobreviverem, as Câmaras precisam do crescimento por causa da Lei das Finanças Locais. Como as câmaras são os maiores ‘patos bravos’ do país, porque forçosamente têm de crescer, e se não crescerem não têm SISA nem imposto autárquico na taxa de construção, fomentam o seu crescimento. Logo, quando há uma hipótese de crescer, porque há uma apetência maior, há a ponte, acessos rápidos e um desenvolvimento de emprego, que o aeroporto irá criar, logo muita gente desloca-se para lá. E o problema que se põe, em relação a Rio Frio, é um Parque Natural a norte, um Parque Natural a sul e o aeroporto no meio. Sabe-se que as aves passam por ali, não se sabendo apenas por onde. E não se sabendo o caminho delas, coloca-se o risco de colisão com as aeronaves. Ainda por cima é uma zona muito plana, com ventos de várias direcções, e a altura da passagem das aves depende das condições atmosféricas. Portanto, não há estudos suficientes para estabelecer corredores de passagem.
SR – Uma das ‘bandeiras’ dos defensores do aeroporto em Rio Frio, é o incremento do turismo. Há condições de suportar o aumento de pessoas que se pretende?
LPN – Não, o que devíamos ter na Costa Vicentina era um turismo de alta qualidade, com poucas pessoas dispostas a gastar muito dinheiro. Com o que se prevê, 15 milhões de passageiros por ano, não sei como é que a zona vai suportar esse aumento. E não faz sentido porque, se tiver um turista de alta qualidade, que gaste dinheiro, terá dois postos de trabalho bem remunerados e o consumo de uma pessoa. Se tiver turismo de massas, por cada cinco turistas terá um posto de trabalho. Ou seja, terá dez vezes mais consumo de recursos naturais pelo mesmo posto de trabalho, e ainda por cima de pior qualidade. E estas zonas são extremamente sensíveis porque, se encherem a Arrábida de gente, se encherem Tróia e o Sudoeste Alentejano de gente e, se começarem a construir e a urbanizar, o que é que sobra dessas zonas?
SR – Um dos pontos mais negativos, apontados a Rio Frio, diz respeito à destruição do montado de sobro. Parece-lhe um argumento forte contra esta localização?
LPN – É um argumento fortíssimo. Estão a querer destruir vários hectares num lado, para construir um campo de golfe, estão a deitar abaixo na Herdade da Barrosinha para fazer um eucaliptal, para além de irem deitar abaixo a mancha de sobro por causa do aeroporto. Isto tem implicações graves nos lençóis freáticos, que são considerados dos melhores da região. Agora junte-lhe as urbanizações e as impermeabilizações e os aquíferos ficarão destruídos.
SR – Com tudo isto, parece-lhe indesejável o aeroporto em Rio Frio?
LPN – Os impactes, neste local, são muito sérios, e alguns irreversíveis, mas para tomar uma decisão temos de comparar estes com os da Ota. No entanto, seja qual for a opção tem sempre impactes gravosos, mas tudo depende das medidas de minimização. No caso de Rio Frio, há impactes irreversíveis, como é o caso da destruição dos sobreiros e como poderá ser o caso da rota das aves. A nível das águas subterrâneas poderá haver minimização, através de estações de tratamento e de recolha e sistemas de depuração. No entanto, em Portugal estas medidas nunca são aplicadas nem fiscalizadas.
SR – Os 40 dias de consulta dos estudos são suficientes?
LPN – Este prazo é o máximo previsto pela nova lei dos estudos de impacte ambiental e acho que é muito curto. Com um estudo desta amplitude, nem as organizações vão ter capacidade de trabalhar aquilo tudo. Os estudos até estão bem feitos, o problema vai ser interpretar os dados e fazer a sua interligação.