Em defesa dos interesses nacionais
Pinhal Novo quer aeroporto em Rio Frio
O presidente da Junta de Freguesia de Pinhal Novo, a área administrativa a que pertence a zona de Rio Frio, defende a instalação do aeroporto na margem sul porque considera que, para além de vir a ser um factor de desenvolvimento do distrito e do Alentejo, esta seria a opção que melhor serviria o país. Neste seu primeiro mandato à frente da freguesia mais urbana e mais populosa do concelho de Palmela, o autarca comunista garante que apesar de defender a vinda do aeroporto, não está distraído quanto aos impactos de tal estrutura. Por isso faz questão de defender a criação de medidas que minimizem as consequências ambientais do projecto, como é o caso da destruição do montado de sobro no local previsto para a eventual instalação. Quanto à informação geral sobre a matéria, diz que os estudos não facilitam a vida aos cidadãos que os pretendem consultar e que, face a alguma apatia da população sobre este assunto, as televisões deveriam promover debates mais técnicos sobre as opções em causa.
Setúbal na Rede – Que localização defende para o novo aeroporto de Lisboa?
Álvaro Amaro – Defendo a vinda do novo aeroporto internacional de Lisboa para Rio Frio. E faço-o não apenas numa perspectiva bairrista e de desenvolvimento desta zona da península de Setúbal, que importa também equilibrar com o lado norte da área metropolitana de Lisboa, mas porque considero também que esta é a opção que melhor serve os interesses nacionais. Não o faço numa perspectiva apenas regionalista, senão tratar-se-ia de uma guerra entre regiões onde cada uma queria o aeroporto perto de si. Isto pode parecer um pouco contraditório com alguém que está à frente de uma freguesia, que costumo dizer que tem conseguido articular muito bem a coexistência entre o rural e o urbano, mas desmontaria essa aparente contradição da seguinte forma: com ou sem aeroporto Pinhal Novo é uma terra predestinada ao progresso, tendo sempre um forte pressão demográfica e urbanística, fruto do seu posicionamento estratégico na península de Setúbal. Portanto, esta será sempre uma zona em grande expansão e não é pelo facto de vir para cá o aeroporto que vamos ter mais gente e que teremos um grande fluxo demográfico que descaracterize a zona. O Homem tem capacidade de gerir, em termos de planeamento e de ordenamento do território, todos estes interesses e adequá-los equilibradamente. Por isso acredito, sobretudo, na capacidade de tentar equilibrar o território, tendo aqui uma pequena cidade, independentemente de vir ou não a ser concelho e independentemente de termos ou não o aeroporto aqui perto.
SR – A hipótese de instalar aqui o aeroporto traz-lhe preocupações?
AA – Há algumas preocupações porque constitui sempre um trauma quando as pessoas vêm os céus cruzados de aviões. Embora aparentemente isto possa constituir algum desassossego, quer para o Pinhal Novo, quer para o Montijo e Alcochete, porque todos os pólos em redor tenderão a ser afectados pelo cruzamento de aviões. Mas não diria que isto será um dos maiores impactos porque, estando as rotas em estudo neste momento, é prematuro falar-se nesse aspecto. Aquilo que mais me preocupa é o impacto ambiental, não na perspectiva da poluição sonora mas do elevado abate do montado de sobro, que constitui uma das riquezas endógenas da região. Temos o maior montado de sobro do mundo que importa preservar mas também é certo que um abate é sempre relativo e que o que importava era que fosse equacionado, como o foi para a ponte Vasco da Gama e outras infra-estruturas que acabam por roçar áreas ecológicas, o que se pode fazer para minimizar esses impactos. E é isso que estes relatórios, agora em discussão pública, ainda não avançam.
SR – Um dos piores impactos de que se tem falado na opção Rio Frio, relaciona-se com eventuais cortes das rotas das aves desta zona. Isso preocupa-o?
AA – De facto, a possibilidade de haver impactos com aves, e em particular aves que circulam entre dois estuários, é preocupante. Se durante a luta contra o alargamento do campo de tiro de Alcochete tinha algumas preocupações de carácter ambiental não as sacrifico agora às questões do desenvolvimento económico. Mas também nesse aspecto, a questão das rotas está ainda a ser estudada. Tudo está dependente daquilo que se puder fazer para evitar estas situações mais gravosas do ponto de vista ambiental.
SR – Nunca equacionou outra localização para o aeroporto?
AA – Desde criança que ouço falar num aeroporto em Rio Frio e chegaram mesmo a haver terraplanagens no local. Recordo-me de, em meados de 1972, ir ao castelo de Palmela e avistar ao longe uma vasta área de charneca, que já não era verde, isto numa época em que se registou essa euforia do aeroporto em Rio Frio. Digamos que já era uma área predestinada para isso e que a opção Rio Frio não surge por acaso. Agora, temos de pensar nesta opção, que é nacional, de uma forma mais abrangente do ponto de vista da importância que tem para a área metropolitana.
SR – O que é que o aeroporto traria de bom para o distrito de Setúbal?
AA – É importante equacionar todos esses factores porque não há dúvida que a região tende a afirmar-se, sobretudo fruto das mutações sociais e económicas ocorridas desde o início dos anos 80, numa grande área de serviços mantendo ainda algumas bolsas industriais de transformação, felizmente ainda activas. Mas algumas podem vir a desaparecer e a História tem-nos dado exemplos concretos disso. Agora até se costuma problematizar a saúde da Auto Europa e questionar se, em termos de projecto, durará mais do que 15 anos, como já aconteceu com a Renault, por exemplo. Portanto o que importa é que haja uma grande infra-estrutura capaz de revitalizar e dinamizar o tecido económico e o turismo, os serviços e a ligação ao porto de Setúbal e ao porto de Sines, dois grandes portos redimensionados para grandes saltos. E há um vasto conjunto de infra-estruturas que se articulam com o aeroporto a sul do Tejo. Do ponto de vista do desenvolvimento regional e da instalação de novas empresas, há de facto vantagens acrescidas para a região.
SR – Caso o aeroporto seja instalado em Rio Frio, a região está preparada para o necessário ordenamento do território?
AA – Essa é a principal preocupação que deve estar presente nos nossos espíritos neste momento. Por isso digo que acredito na capacidade do Homem de utilizar instrumentos reguladores do território, mantendo os equilíbrios necessários para que haja um máximo de qualidade de vida. Como se sabe, estão agora em análise novos conceitos de ordenamento do território e todas as questões do ordenamento têm de ser reequacionadas, há uma grande reflexão sobre a matéria, que irá ajudar muito no futuro. Felizmente temos planos directores municipais, que também necessitam de ser actualizados e revistos, como o próprio plano geral de urbanização do Pinhal Novo, que deve ser revisto a breve prazo com cenários com ou sem o aeroporto, ou seja, defendo que não estejamos eternamente à espera da decisão do aeroporto. Sendo uma das áreas onde ainda há espaço para expansão, com ou sem aeroporto esta zona vai sofrer a tal pressão demográfica de que tem sido alvo a maior parte da área metropolitana. Se por um lado se pensa que o aeroporto vai trazer apenas mais gente para esta zona, por outro acredito que esta infra-estrutura vai ajudar a fixar pessoas no Alentejo, promovendo o combate à desertificação do interior.
SR – Os instrumentos existentes parecem-lhe suficientes para pôr ordem nos impactos provocados no território por uma mega estrutura como a do aeroporto?
AA – Estamos num estado de direito e há que obrigar quem tem responsabilidades, a cumprir os compromissos assumidos. Não é secundarizar as questões depois da obra estar feita, porque assim as questões do ambientalismo e da ecologia seriam mera propaganda. Acredito na capacidade das pessoas se debruçarem sobre esses instrumentos, reflectirem sobre eles e melhorá-los. E eles têm mesmo de ser dinâmicos porque, por exemplo, há hoje zonas verdes no PDM de Palmela que hoje me fazem questionar se têm, efectivamente, valo de zonas verdes. Não podemos esquecer também que o processo que levou à conclusão dos PDM’s foi um processo apressado e que, entretanto, alguns conceitos evoluíram. Aquilo que se perspectiva hoje, por exemplo na orla costeira, em termos de princípios genéricos há poucos anos defendia-se a mesma coisa mas não estava a ser aplicada. Hoje há uma posição um pouco mais fundamentalista quanto a estas matérias, que é fruto do tempo e dos abusos que obrigam a actuar com mais firmeza. Os instrumentos que temos devem ser aperfeiçoados, no sentido de acautelar esta pressão que, com ou sem aeroporto, é muito maior. Por isso dizemos que é necessário rever o plano geral de urbanização do Pinhal Novo.
SR – Parece-lhe correcto fazer dois estudos prévios, que estão agora em consulta pública, e só depois de ser escolhida a localização levar a cabo um estudo de impacte ambiental?
AA – Esse é o processo legalmente previsto, e o estudo prévio que já permite levantar algumas pistas, permitirá aprofundá-las mais tarde quando houver uma decisão de localização e de trajectos. Depois há legislação paralela que implica que, seja qual for a decisão, existam as tais medidas e contrapartidas. Sem ser uma garantia total, como é o caso da ponte Vasco da Gama onde as coisas não estão a ser levadas à prática, há que fazer cumprir a lei senão deixamos de acreditar nas instituições. Quanto ao estudo em consulta pública, acho que poderia ir mais além. Como é que vamos para as auscultações públicas se as pessoas não estão suficientemente documentadas, há uma série de documentação com linguagem científica não acessível a toda a gente e, sendo assim, esta auscultação pode ser um mero acto processual, como parte do calendário. O período de consulta, de 40 dias, também é relativo porque tudo depende da documentação que está disponível e as juntas de freguesia só receberam os resumos não técnicos enquanto o outro conjunto de documentação está nos municípios. Quer queiramos quer não, hoje rendemo-nos um pouco ao poder exacerbado dos media, e em particular das televisões, e o que acontece é que embora tenhamos apelado aos órgãos de informação locais e regionais que divulgassem a existência desses documentos aqui, o certo é que não tem sido significativa a procura desses documentos na Junta de Freguesia. Preocupa-me esta situação porque, ou as pessoas estão apáticas ou há desconhecimento dos factos, e isso favorece um pouco o cepticismo. E se não for a televisão, creio que as pessoas continuam sem saber o que se passa. Mas nem aí os debates têm sido esclarecedores porque por um lado estão dependentes dos lobbys, por outro falta-lhes uma maior intervenção de técnicos. Mas tendo em conta a importância nacional deste projecto, valia a pena um maior aprofundamento da discussão nos grandes media porque são esses que chegam às pessoas.
SR – Como é que veria a opção Portela?
AA – Seria uma macrocefalia, concentrar tudo em Lisboa, e isso não me parece uma boa opção. Se é uma opção nacional e se tem em conta perspectivas de desenvolvimento de zonas mais desfavorecidas, como se tem dito oficialmente, é uma das razões por que defendo Rio Frio. A opção Portela parece ter alguns aliados fortes mas creio que veio baralhar um pouco o processo. Se a opção fosse o aumento do aeroporto da Portela, significaria uma regressão muito grande em muitos aspectos.
SR – Acredita que o aeroporto vai mesmo para Rio Frio?
AA – Não tenho tido tempo para interpretar as movimentações políticas em volta desta questão, mas espero que a decisão seja, sobretudo, uma decisão que tenha em conta os interesses nacionais. Acho que deve vencer a melhor hipótese de localização e, inclusivamente, estaria disposto a aceitar a derrota se efectivamente o adversário tivesse trunfos que servissem melhor o interesse do país. Espero que a decisão final tenha isso em consideração e que não ceda a pressões de lobbys com cores partidárias. Esta tem de ser uma decisão política e nunca uma decisão partidária. Este é um grande receio porque, infelizmente temos tido alguns exemplos de partidarização de decisões importantes. Não quero acreditar que isso vá acontecer mas alguns casos ocorridos fazem-me recear o futuro e um dos grandes exemplos de partidarização de decisões está no Plano de Investimento e Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC), que penalizou fortemente a península de Setúbal. Na península também estão três autarquias do partido do Governo, mas o certo é que o investimento da administração central aqui, onde a maioria das autarquias não são da cor do Governo, tem sido extremamente reduzido. Já para não falar dos problemas da freguesia de Pinhal Novo, das nossas reivindicações para a implantação das finanças, do notário, da variante e da regularização da vala da Salgueirinha. É uma coisa que não se compreende porque toda a gente diz que temos razão, inclusivamente o partido do poder. A nível local têm os mesmos propósitos e objectivos, expressos nos programas eleitorais, e depois a nível do poder central não há correspondência com estas preocupações. Espero que, com o aeroporto as coisas corram de forma diferente e que vença a localização que mais servir o país, independentemente da existência de qualquer pressão partidária.