UDP contra aeroporto em Rio Frio
Denuncia “argumentos falaciosos” a favor do projecto
Carlos Guinote, responsável da UDP nos concelhos de Setúbal e Palmela, é uma das vozes que mais se tem levantado contra a hipótese de instalação do novo aeroporto de Lisboa em Rio Frio. Acredita que tal estrutura não augura nada de bom para a região e rejeita a destruição da herdade para dar lugar a uma plataforma aérea. Classifica os argumentos dos defensores do aeroporto como falaciosos e chega mesmo a dizer que os debates públicos são uma farsa porque, ao construir a ponte Vasco da Gama o poder político estaria já a fazer contas de instalar o aeroporto em Rio Frio.
Setúbal na Rede – Qual é a sua posição sobre a possibilidade de instalação do novo aeroporto de Lisboa em Rio Frio?
Carlos Guinote – Enquanto cidadão e membro da UDP sou contra a opção Rio Frio porque estamos a falar de uma das herdades mais ricas do país, não só pelos sobreiros mas porque a sua terra agrícola é riquíssima, com uma zona de muita água, e representa uma potencial fonte de abastecimento de produtos hortofrutícolas na região. Sendo Portugal um país pobre, não nos podemos dar ao luxo de destruir riquezas para construir um aeroporto em cima, que até pode ser construído noutro local. Para além disso tenho dúvidas de que seja necessário um novo aeroporto porque, ultimamente temos visto técnicos e cientistas com opiniões diversas. Por isso acho que a opção Portela também devia estar em estudo e em consulta pública. Depois, para um país pobre como o nosso, temos de ter em conta que não podemos gastar 500 milhões de contos, que é o que vai custar o de Rio Frio, quando o alargamento do aeroporto de Lisboa ficaria mais barato e iria permitir-lhe o prolongamento da vida por mais 20 ou 25 anos. Para além disso não sabemos como é que a aeronáutica se irá desenvolver nos próximos anos e por isso parece-me mais sensato esperar. Com isto, não estou a defender esta ou aquela opção, estou é a querer uma boa gestão dos dinheiros públicos e a preservação das riquezas nacionais, como é o caso dos terrenos de Rio Frio.
SR – Então não acredita que esta estrutura possa trazer benefícios para a região?
CG – As argumentações sobre benefícios são válidas desde que sejam vistas numa perspectiva nacional, já que a criação de emprego por via do aeroporto tanto pode ser feita aqui como noutro lado. Essa é argumentação de Carlos Sousa, presidente da Câmara de Palmela e da Associação de Municípios, que revela ideias curtas quanto ao futuro do país. Para já, a tecnologia vai estoirar com essa teoria porque não há zona do mundo que se desenvolva à custa das tecnologias sem que, num determinado momento, se torne num enorme desastre. Estruturas como o aeroporto em Rio Frio, o cais de contentores em Setúbal, o porto de águas profundas em Sines e a Auto Europa em Palmela, têm actividades dependentes do exterior. Assim, ficamos dependentes de quem nos venha visitar e ficamos dependentes da transacção e da compra de matéria prima, sempre naquela perspectiva que vem de séculos, de uma burguesia de trabalho fácil virado para o comércio porque custa menos. Portanto, Portugal tem esta política de comércio e continua a defendê-la abandonando a Siderurgia, a indústria naval e a agricultura. Ora se nos acontecesse o mesmo que à Jugoslávia, queria saber como é que iríamos aguentar se, em relação à alimentação, estamos dependentes do exterior em cerca de 70%. Com um quadro destes, ainda querem destruir Rio Frio, uma zona de enorme riqueza agrícola. Tanto pode ser aqui como noutro lado qualquer e ninguém diz que tem de ser perto das grandes cidades. A Holanda e a Dinamarca, por exemplo, estão a equacionar a construção de aeroportos em ilhas. Portanto, só teremos um aeroporto à beira de zonas urbanas porque neste processo estão a funcionar lobbys com interesses que nada têm a ver com o interesse nacional.
SR – Os estudos sobre as duas hipóteses de localização parecem-lhe esclarecedores?
CG – São estudos que servem para baralhar porque, quer com uma localização quer com outra é quase tudo o mesmo. É preciso responsabilizar quem elaborou estes estudos porque, da maneira como estão feitos, as pessoas não têm qualquer possibilidade de decidir. As duas hipóteses são parecidas e a linguagem é tão difícil que o cidadão comum tem muitas dificuldades em compreender. Para além disso não fala na opção Portela quando a deveria incluir. Mas também se sabe que, quando se dá a uma empresa a possibilidade de analisar a questão, ela não está nada interessada na Portela porque representa 10 milhões de contos e dá menos dinheiro que as outras opções. Por outro lado, este processo do aeroporto é um exemplo de democracia limitada, no qual os autarcas participam. Ou seja, se formos ver os argumentos da Ota verificamos que são tão falaciosos como os de Palmela. E o debate de Pinhal Novo foi exemplo disso, quando um dos que lá foram explicar o que era o aeroporto saiu com a argumentação de que os agricultores iriam beneficiar com o aeroporto em Rio Frio. Quando tomei a palavra, disse que só por má fé o por ignorância é que se pode dizer uma coisa daquelas. Ele não percebeu nada do que disse porque não conhece a Política Agrícola Comum para falar sobre estas matérias. E é este tipo de argumento que o lobby de Rio Frio tem utilizado, se bem que no debate se tivessem contido quanto aos falados benefícios para o Alentejo. É vergonhoso falar-se do desenvolvimento do Alentejo tendo como base o aeroporto em Rio Frio, porque toda a gente sabe que os atrasos no desenvolvimento desta zona não se devem a mais ou a menos 45 minutos de caminho para chegar à Portela. Isto é vergonhoso, não tem nada a ver com democracia e manipula a opinião pública.
SR – Quer dizer que debates como o que ocorreu em Pinhal Novo, não irão contribuir para o esclarecimento das populações?
CG – Estes debates são uma farsa e todos sabemos disso. Da forma como são feitos, não representam coisa nenhuma para o projecto e, como no caso da co-incineração, o Governo não vai ligar nenhuma à opinião das pessoas. Portanto é apenas uma forma de dizer que há democracia quando ela não existe. Aliás, pelos vistos é mesmo para cumprir calendário porque, dias antes, tive o cuidado de perguntar a muita gente do Pinhal Novo se havia conhecimento daquele debate e todos me disseram que não sabiam. Ou seja, quando há espectáculos a Câmara de Palmela telefona para a casa das pessoas a avisar e, neste caso, não fez nada para divulgar o debate. É que não lhe convém propagandear para não haver muita contestação.
SR – Se há contestação, porque é que as pessoas não se organizam, à semelhança do que aconteceu com a co-incineração?
CG – Aqui o caso é diferente porque, na falta de discussão sobre a matéria, o lobby pelo aeroporto tem feito um bom trabalho para convencer facilmente as pessoas. No entanto as populações de Lagameças, do Lau e do Poceirão só vão ficar a perder com isso porque aquelas zonas receberão o aeroporto em cima. E se ele fosse tão bom, o presidente da Câmara tinha feito a sua casa lá perto e não a 15 quilómetros a poente do Pinhal Novo. E o presidente da Junta de Freguesia de Pinhal Novo fez o mesmo. Então, é porque, se calhar, as coisas não são assim tão boas como dizem. Ainda em relação à mobilização das pessoas, esta situação é diferente da que se verificou na co-incineração, porque embora não queiram o aeroporto as pessoas acabam convencidas por causa da ideia de mais emprego. Uma ideia que tem sido apoiada pela generalidade da comunicação social ao dizerem que todos estão com Rio Frio. Ou a informação está manipulada ou anda distraída porque apesar de constatarem a existência da contestação sobre este assunto, insistem em dizer que o distrito está com Rio Frio. Por isso, o que as populações sabem é o que o lobby diz e o que muita comunicação social propagandeia.
SR – Qual seria a melhor maneira de esclarecer e consultar as populações?
CG – As pessoas com argumentos técnicos e científicos deveriam esclarecer os cidadãos e realizar reuniões e debates em todo o lado para tirar dúvidas à população. E depois era bom referendar o assunto. Com isto não quero dizer que a opção Rio Frio chumbasse, o que quero dizer é que as pessoas seriam informadas e consultadas de uma forma mais eficaz. Neste momento as pessoas estão pressionadas pela argumentação falaciosa de que vai haver mais emprego e de que os terrenos vão valer mais dinheiro, no entanto é preciso ver que quem vai pagar por tudo são os cidadãos que não vão trabalhar no aeroporto, e esses significam mais de 99% da população. Vão pagar casas mais caras, vão ter uma pressão urbanística maior e mais violência. E, para além disso, ninguém disse que crescer é o nosso desígnio.
SR – Se o futuro da região não passar pelo crescimento por onde é que passa?
CG – Como em todo o país, a primeira aposta de Setúbal tem de ser a da agricultura, porque é o que nos dá de comer e nos oferece independência face ao exterior. A Política Agrícola Comum aponta para o lado contrário, o que desde logo nos coloca numa posição de um país de comércio, serviços e de turismo. Não somos contra isso mas o que é certo é que tem de haver aqui um equilíbrio que não existe. Depois, há que aguentar indústrias fundamentais para o país e para a região, como é o caso da siderurgia e dos estaleiros navais. E isso não acontece porque a siderurgia foi vendida a estrangeiros que agora estão a desmantelá-la e a importar ferro. Os estaleiros navais não funcionam porque tudo o que compramos vem do estrangeiro. A nossa frota comercial praticamente desapareceu e nós vivemos dos barcos estrangeiros que nos trazem as cargas. O que quer dizer que estamos cada vez mais dependentes do exterior e isso assusta-me porque é criminoso e representa a destruição do futuro do país. O problema é que existem muitos interesses económicos por trás do lobby de Rio Frio, com muita gente a querer fazer desta zona uma plataforma aérea e marítima para servir a Europa que já está congestionada.
SR – Tendo em conta as movimentações regionais feitas ao longo dos últimos meses, qual lhe parece que será a decisão final do Governo sobre o aeroporto?
CG – Vai ser igual ao processo da ponte Vasco da Gama, que foi construída contra as propostas dos técnicos e a ansiedade das populações. Ou seja, a ponte devia ser feita no pressuposto de resolver o problema das populações e da grande afluência à ponte 25 de Abril. No entanto, foi feita no sentido contrário ao previsto, que era Barreiro/Chelas, e isso põe-nos a pensar na utilidade da nova ponte. A resposta que nos surge logo é a ideia de que esta ponte foi feita a pensar nos acessos ao aeroporto de Rio Frio. Ou seja, tudo indica que a decisão está tomada há que tempos e isso atesta que os cidadãos não contam nada para este processo. E a ser assim, trata-se de uma demonstração clara de falta de democracia que, mais uma vez será paga pela população.