Soluções fáceis
para problemas difíceis
Há momentos em que já não consigo gerir tanta má notícia. Falo das notícias de jornal, dos “media” em geral, das notícias do mundo. Nesses momentos penso que, se todos os males se repetem indefinidamente, é porque as soluções tradicionais estão erradas. Elementar, meu caro. Mas então porque se insiste nessas soluções? Por outro lado, não é verdade que cada um de nós pensa isso mesmo e tem sempre a solução ideal? Porque é que só os que governam é que não sabem as soluções?
Naquela manhã, a propósito de mais um dos frequentes casos de assalto e violência de que, desta vez, tinha sido vítima o filho de um meu colega de trabalho, o grupo de colegas solidarizava-se com o pai e, como é normal nestas situações, exprimia a sua revolta por este moderno sentimento de impotência perante a lei da força que os marginais utilizam impunemente.
Cabe aqui um aparte para vos confessar (e espero que nenhum marginal leia esta crónica) que só não percebo como é que esta omnipresença e omnipotência do marginal não começou há mais tempo e não é ainda mais trivial. Porque eles têm tudo a seu favor e não há de que ter medo. Já lá vai há muito o tempo em que quase era possível os polícias conhecerem os “nossos amigos” pelo nome ou de vista. Até acabavam por ser figuras típicas e meio simpáticas, desde que não se metessem connosco. Era o tempo dos “ladrões”, dos “carteiristas”, dos “burlões” e.. pouco mais. Um punhado de marginais de elite, do “underground” das cidades.
Hoje é impossível distinguir no formigueiro das cidades quem são as formiguinhas trabalhadeiras, quem são as formigas infiltradas à espera de uma oportunidade, quem são as cigarras disfarçadas de formiga, quem são mesmo os papa-formigas. É que a densidade humana é tal, a confusão social é tanta, os labirintos habitacionais são tão esmagadores, as possibilidades tecnológicas são tão surpreendentes, as facilidades de movimentação são tão grandes, a velocidade a que surgem novidades é tão imensa… que se um indivíduo for minimamente inteligente e subtil, sobretudo subtil… facilmente passa a perna à pesada e arcaica estrutura de defesa do cidadão.
Sinceramente creio que o que nos vale, ainda, é que a grande maioria dessa gente não tem visão para o negócio, para não dizer inteligência pois se assim fosse… estávamos mesmo desgraçados.
Mas, voltando à vaca fria… onde é que eu ia? Eu sei que ia dizer qualquer coisa a propósito da marginalidade… Ah! Já sei! O que é espantoso é a facilidade com que o cidadão comum, que não estudou para ser ministro e por isso paga aos ministros para lhe encontrarem soluções para os problemas, é espantoso como encontra soluções… óbvias, fáceis e eficazes, no momento em que se põe a pensar nas coisas.
Ora, qual foi a solução que um desses meus colegas anunciou à assembleia dos ouvintes, por exemplo, para os “drógados” (termo com que vulgarmente se designam os tóxico-dependentes que precisam de roubar para consumir e que não têm uma família de posição para os proteger)? Pois a solução, para esse clarividente, seria facílima.
Peço agora a vossa atenção para o que se segue e, se conhecerem pessoalmente alguém bem colocado na hierarquia do Poder, metam a cunhazita e divulguem-lhe a solução dos nossos problemas. O meu colega não pretende direitos de autor nem prestígio político.
A solução para os “drógados”, para a qual tomarei a liberdade de contribuir com alguns aperfeiçoamentos a fim de lhe dar viabilidade mas sem alterar o espírito do seu autor, está em:
1- Construir um novo tipo de prisão que não seria mais que murar (com todas as características necessárias para evitar a fuga) uma área bem grande de terreno agrícola, digamos… uns 30 hectares, por exemplo.
2- Nesse imenso terreno não se prenderiam os “drógados” mas apenas ali se instalariam, se despejariam, ali se lhes fixaria a sua zona de actividade. Teriam inteira liberdade para andarem por onde quisessem, fazerem o que quisessem, sem a mínima proibição, pois não haveria um único guarda lá dentro.
3- A estes “moradores” desta espécie de condomínio murado seriam fornecidas sementes e todos os meios necessários para o cultivo de toda e qualquer planta que quisessem, incluindo e até privilegiando “aquelas” que já se sabe, para o seu tratamento e consumo.
Comentário final do autor ao enunciado da sua própria solução:
“Se eles são felizes a drogar-se e se isso é a causa da nossa infelicidade pelo que inevitavelmente terão que nos fazer, porque não se satisfazem ambas as partes? Dêem-lhes toda a droga que quiserem, deixem-nos viver felizes, até passam a ter que trabalhar para conseguir o que querem e nós… ficamos também felizes longe deles! Ganhamos todos. Muito mais barato e eficiente do que manter prisões onde não há lugar para os que deveriam estar presos e os que lá estão… não estão mais do que à espera de vir cá para fora para voltar ao mesmo. Não estão a pagar crimes nenhuns. E o que digo para os drogados pode aplicar-se a todos, adaptando os campos de residência ao tipo de criminosos que albergaria.
Se não fossemos todos uns hipócritas e se não se pensasse sempre mais nos direitos dos que prevaricam, por causa do politicamente correcto, do que nos direitos e sofrimento das vítimas? não tinha nada que saber!”
Tentei imaginar este sistema a funcionar na prática. Confesso que lhe achei uma certa viabilidade. De facto… é o mesmo que permitir às pessoas que sigam livremente os seus impulsos sem entrarem em conflito com os que recusam essas filosofias de vida. É o máximo da liberdade, do prazer… e sem punições graves a não ser o terem um espaço limitado. Mas até podia ser do tamanho de um cidade inteira, porque não? Claro que há nesta solução problemas humanos, morais, pois há. Mas porque é que os problemas das vítimas não são mais importantes?
E pensemos nos assassinos. Vá lá, só para a gente explorar a ideia. Não seria a melhor maneira de eles constatarem como é errado o que fazem? Já imaginaram o que seria uma comunidade de centenas, de milhares de assassinos vivendo livremente numa sociedade só deles, organizando-se como quisessem, matando-se uns aos outros se assim o entendessem pois a sociedade cá de fora nada teria a ver com isso? Não sentiriam eles na pele o que fazem aos outros?
Mas isto, claro, é apenas um exercício de imaginação. Felizmente. Felizmente porque não é nada impossível que um dia eu próprio lá fosse parar por um erro judiciário ou até vítima de algum “complot”.
É inacreditável não é? É inacreditável… como todos nós, e eu falo por mim, talvez simpatizemos com estas soluções. Mas não achamos correcto dizê-lo.