[ Edição Nº 83] – Fernando Travassos, presidente da Câmara Municipal de Grândola.

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Edição Nº 8302/08/1999

Em nome do desenvolvimento sustentado
Travassos defende Plano Urbanístico de Tróia

   O presidente da Câmara Municipal de Grândola, Fernando Travassos, está optimista quanto ao futuro da península de Tróia, uma vez que o Plano Urbanístico protege os interesses ambientais e de ordenamento. Por isso, o autarca grandolense não tem dúvidas de que o desenvolvimento da Torralta e dos projectos turísticos da península, vão ter em conta a sensibilidade ambiental daquela área. Travassos diz ainda acreditar nos bons resultados da recuperação da Torralta e garante que os receios da população de Setúbal são infundados, já que os acessos às praias vão continuar a ser livres.

Setúbal na Rede

– Qual é a importância do Plano Urbanístico de Tróia para o concelho de Grândola?

Fernando Travassos

– Tal como todos os planos das áreas de desenvolvimento turístico de Grândola, este plano refere-se a áreas que ficaram marcadas no Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo Litoral (PROTALI), para as quais se perspectivava um determinado modelo de desenvolvimento equilibrado.

Temos 45 km de costa, praticamente disponíveis e virgens, com boa qualidade ambiental e o que se pretende é propor e projectar zonas de desenvolvimento turístico de forma equilibrada, com bastante respeito pelas questões do ordenamento do território e do ambiente. Este plano pode ser muito importante, na medida em que ainda associamos demasiadas vezes os projectos turísticos ao não acautelamento das questões ambientais e de ordenamento do território. Agora, temos a possibilidade de beneficiar do facto de não termos tido grande desenvolvimento nas últimas décadas e fazermos as coisas de forma planeada e ordenada.

SR

– Se este plano é tão importante, porque é que surgiu só agora?

FT

– Os planos têm que ter uma sequência e, por isso foi preferível, durante todos estes anos, não termos cedido às pressões imobiliárias e turísticas que nos dessem uma construção desordenada ao longo do litoral. Durante todo este tempo, fomos percebendo que o litoral era o nosso bem mais precioso e, por isso, fomos também ganhando a consciência de que não o queríamos fazer de forma desordenada. Então, achámos que era preferível demorar um pouco mais de tempo e fazer tudo bem feito, por isso houve uma sequência de planos. Primeiro foi o PROTALI, em 1993, depois do Plano Director Municipal (PDM), em 1996, e depois arrancámos com os plano da faixa litoral.

O Plano de Tróia arrancou em 1997 e, porque não fazia sentido continuar com um plano sem se saber o futuro daquela zona, foi suspenso na altura em que se procedeu às negociações entre o Governo e a Torralta. O que estava em jogo era saber se a grande empresa turística da região tinha ou não tinha viabilidade.

Depois de suspendido o plano, participámos activamente na definição do acordo entre as duas partes e assim que as orientações ficam definidas começámos a desenvolver um plano tendo em atenção os instrumentos superiores de ordenamento, como é o caso do PDM e do PROTALI, bem como as orientações do acordo que tinha sido firmado. Por outro lado, tínhamos que ter a plena consciência de que este plano extravasa a área da Torralta porque há mais investidores neste território. E sobretudo, há uma grande necessidade da Câmara de encontrar, neste plano, um modelo coerente e articulado. Ou seja, não é um projecto para três ou quatro investidores mas sim para toda a península de Tróia e tem que tem articulação a todos os níveis, desde os transportes às infra-estruturas e às zonas verdes. Portanto, tivemos que desenvolver um processo, não só de planeamento mas também de articulação com os diversos intervenientes no processo, desde os investidores às comissões técnicas de acompanhamento.

SR

– A incorporação do projecto Torralta neste plano de urbanização para a península foi fácil de executar?

FT

– O projecto Torralta foi o ponto de partida e o ponto de chegada é o Plano de Urbanização. A discussão constante que vamos tendo, conta com dois princípios fundamentais: os investidores turísticos sabem melhor que nós, Câmara, qual é a estratégia turística que querem para a sua empresa, e nós temos a obrigação de saber melhor que eles quais são as condições para um bom ordenamento do território. De maneira que, tendo-se conseguido este trabalho, o plano da Torralta ajustou-se às alterações que o nosso plano foi sugerindo e, neste momento, o Plano de Urbanização conta no seu todo. Ainda estão algumas questões em aberto, temos uma plataforma de compromisso com algumas áreas específicas a terem de ser confirmadas através de estudos de avaliação de impacte ambiental.

SR

– A Torralta tem mostrado abertura no sentido de adaptar o projecto turístico ao Plano de Urbanização de Tróia?

FT

– Este é um processo de discussão sistemática e, à medida que o discutimos com todas as entidades, a Comissão Técnica de Acompanhamento, que por solicitação da Câmara é formada por representantes das entidades oficiais ao mais alto nível, vão tendo reuniões sistemáticas com os investidores nas áreas de actuação. Portanto, trata-se de um processo de aproximações sucessivas e de acerto de propostas, num diálogo franco e aberto.

SR

– Tendo em conta a preocupação das populações, de poderem vir a perder o usufruto de Tróia, a Câmara pode garantir que a área não será vocacionada apenas para o turismo de luxo?

FT

– A Câmara de Grândola pode garantir algumas coisas, sobretudo as relativas ao ordenamento do espaço, e isso nós queremos acautelar neste plano. Percebo que existem algumas dúvidas, especialmente da população de Setúbal, merecedoras de respeito. E de tal forma as respeito que, recentemente, aceitámos o convite da Associação de Municípios do Distrito de Setúbal para uma reunião com os cidadãos de Setúbal. E isso aconteceu porque sabemos que a cidade de Setúbal é um parceiro importantíssimo na discussão deste plano. Nesse encontro levantaram-se diversas dúvidas, e uma delas era sobre que tipo de turismo se irá desenvolver em Tróia. Posso garantir que, para a nossa área queremos um turismo de qualidade e, normalmente, ao nosso modelo de sociedade faz com que as coisas de qualidade sejam mais caras.

Mas não é porque as coisas são de menos qualidade que as vamos defender porque, o que temos de defender é uma organização da sociedade que dê acesso às coisas de qualidade de forma generalizada. Mas esta não é uma discussão que se faça no plano, mas sim no seio da organização da sociedade. Nesta questão, o que nos parece essencial é que todos os bens públicos e comuns da península de Tróia não são de acesso privado, mas sim de acesso público. Ou seja, os acessos às praias, às ruínas romanas, à Reserva Natural do Estuário do Sado e à caldeira são de fruição completa. Mas é tal como num espaço citadino, onde eu tenho o direito de percorrer a rua mas já não sei se posso entrar num restaurante de luxo. O que temos de acautelar é que o projecto seja de qualidade, do ponto de vista ambiental e do ordenamento do território, com baixa densidade populacional e de urbanização, boa construção e muito respeito pelos valores patrimoniais e ambientais em jogo.

SR

– A transferência do cais do ferry boat para a zona dos Fuzileiros, a que se junta a lembrança da vedação em volta das praias, há uns anos atrás, assusta a população. Agora, há garantias de que a população não vai ficar sem praias?

FT

– Estou convencido de que sim porque há que esclarecer a questão da mudança do cais. Primeiro, o cais dos barcos convencionais, que transportam as pessoas, não muda de sítio e essa questão sempre a considerámos inegociável. A questão do acesso por carro é mais complicada porque, não querendo minorar o acesso das pessoas de Setúbal ou sejam as pessoas de onde forem, o que se pretende com a transferência do cais é reduzir a travessia automóvel da península da Tróia. Esta península é muito vulnerável à pressão da ocupação e, nesse sentido, o que se pretende é evitar que haja trânsito de atravessamento para o sul, para o resto do Alentejo Litoral e para Grândola. E o que se quer é que as pessoas ponderem bem se, com as novas acessibilidades para Porto Covo e para a Zambujeira, vale a pena permanecer em filas em Tróia e atravessar zonas com grande sensibilidade como é a península de Tróia. Assim, tentamos que haja uma selecção de modelos de utilização e uma boa organização do trânsito, com a demarcação de áreas de estacionamento e a não utilização maciça de algumas zonas, como é o caso das ruínas romanas, da envolvente das praias e da envolvente da Caldeira.

No entanto, vão continuar a existir acessos alternativos, através da organização de um sistema de transportes públicos em que os carros ficam estacionados e as pessoas vão de autocarro para as praias. E o que estamos a propor é uma empresa mista, com capitais dos próprios investidores, mas com a maioria do capital da Câmara para assegurar esse pleno trânsito por toda a península.

SR

– Depois de anos ao abandono, as ruínas foram objecto de um protocolo de recuperação. Como é que foi possível deixar este património chegar ao estado de degradação a que chegou?

FT

– Costumo dizer, de forma um pouco irónica, que, quando não temos projectos integrados para as zonas, em nome da defesa do ambiente e do património guardamos algumas resistências ao avanço de projectos de desenvolvimento. E quando não se faz nada, as coisas resultam em situações de abandono caóticas como acontece neste momento em toda a península de Tróia, inclusivamente o seu monumento nacional, a Caldeira, a reserva botânica e o espaço de utilização pública. Ao longo dos anos, a Câmara tentou estabelecer protocolos com a Torralta e com o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), e isso não foi possível ora porque a Torralta estava a atravessar uma grave crise, ou porque o IPPAR estava em restruturação e sem condições para avançar com o projecto. Ainda conseguimos um protocolo tripartido, que deu alguns resultados na limpeza da área, na construção dos acessos e da vedação, mas depois disso fomos adiando conscientemente, à espera de encontrar uma solução para Tróia. Por isso, agora podemos ter condições para avançar com um bom projecto de valorização das ruínas e com investimentos mais fortes, porque as ruínas de Tróia têm um grande valor cultural e são uma mais valia do ponto de vista turístico.

SR

– Com este protocolo, ainda se vai a tempo de recuperar plenamente as ruínas?

FT

– Os técnicos do IPPAR dizem que sim e. não há dúvida, que é sempre lamentável ter um monumento naquele estado. Para além de dizerem que é possível recuperar, os técnicos mostram-se muito empenhados em fazê-lo. Foi criminoso o que se passou nos últimos anos com as ruínas romanas de Tróia, porque não deixa de ser penoso e lamentável que o cidadão comum tenha perdido o acesso a um vestígio da presença romana no nosso país.

SR

– Estando virado para a urbanização e para as infra-estruturas, este Plano de Tróia conseguiu acautelar as questões da protecção ambiental da península?

FT

– Os técnicos que desenvolveram este projecto, conhecem muito bem o território visto terem estado envolvidos na elaboração do PDM e na execução da primeira fase do Plano de Pormenor. E como tal, o estudo do plano assenta em regras muito simples com uma clara demarcação de zonas de Reserva Ecológica Nacional. E só para dar uma ideia deste cuidado, basta dizer que apenas 30% de toda a área de intervenção de Tróia é considerada área urbanizável. Ou seja, 70% são áreas verdes dos mais diversos tipos, desde reservas ecológicas a verdes de enquadramento, de lazer e de protecção.

Relativamente a zonas que poderiam suscitar algumas dúvidas, como é o caso do novo cais de embarque para ferry boats, das propostas para o novo campo de golfe, para uma zona de eco-turismo, perto da Caldeira, para a instalação de um porto de recreio e para o alargamento da nova Estação de Tratamento de Águas Residuais, todas elas vão ser sujeitas a estudos de avaliação de impacte ambiental. Se os estudos disserem que há condições as coisas avançam, se disserem que não às propostas elas saem do plano ou podem ser aplicadas com algumas condicionantes que têm obrigatoriamente de ser respeitadas. Uma das questões que o plano levanta, neste momento, é que só poderá haver campo de golfe se houver a reutilização das águas residuais. Portanto, a ETAR é que vai ter efluentes para regar o campo de golfe e, por isso, não se vai tirar água das reservas freáticas.

No caso do porto de recreio, o projecto indica que será para 80 pequenas embarcações, com uma localização que os técnicos desta área consideram ser a que menos impactes tem ao nível do território, nas dinâmicas estuarinas e nos fenómenos da erosão. Nós estamos convencidos disso, mas os estudos dirão se aquela é a melhor localização, se há outra mais indicada ou se, simplesmente, não pode haver porto de recreio. Depois destes estudos, vão ainda ser realizados nove planos de pormenor que vão estudar, ainda com maior minúcia, cada uma destas áreas e, se for preciso, introduzir correcções. Por isso, acredito quer estamos munidos das maiores cautelas para conseguirmos um bom plano ao nível da defesa do ambiente.

SR

– O loteamento Soltróia não ultrapassou já os limites de densidade e de ocupação de dunas?

FT

– Este loteamento, aprovado em 1980, não tem vindo a mudar ao longo dos anos. Se fosse hoje, claro que não poderia ser feito. E o Plano de Urbanização de Tróia mostra bem como é a Soltróia e de que forma estão a ser concebidas as novas manchas previstas para a península. Nos anos 80, as coisas eram diferentes e com os anos veio a verificar-se que a densidade urbanística não era nada baixa. O loteamento Soltróia não é completamente mau, mas não o vamos repetir em termos de conceito de desenvolvimento. Quanto à Reserva Ecológica Nacional, de facto aquele plano cumpre tudo o que, na altura, estava demarcado como Reserva Ecológica. Admito que essa demarcação possa não ter sido feita com todo o rigor, mas o que garanto é que o alvará tem sido rigorosamente cumprido. Agora, o que podemos fazer é retirar lições disto e olhar com cuidado para as manchas de Reserva Ecológica e para as manchas verdes de protecção.

SR

– O Plano de Tróia será seguido de outros para o resto do concelho?

FT

– Há um plano ainda mais adiantado que este, que é o Plano da Galé e Fontaínhas, onde está o parque de campismo. Esta é uma área de intervenção prevista no PROTALI, cujo plano de pormenor já foi aprovado na Câmara e irá agora para ratificação em Conselho de Ministros. Os investidores estão já a programar o lançamento das obras para as infra-estruturas, respeitando este plano que me parece muito cuidadoso e que pode proporcionar um desenvolvimento turístico de qualidade na zona da Galé. Outro projecto que seguimos com muita expectativa é o do Carvalhal. Este projecto da Atlantic Company, tem a particularidade de não prever apenas o desenvolvimento turístico, mas pôr-nos a olhar para toda a herdade da Comporta. São mais de três mil hectares que extravasam o concelho de Grândola, onde técnicos da Câmara e da empresa estão a fazer um estudo integrado da ocupação daquela zona, incluindo os problemas económicos, de habitação e da agricultura. Trata-se de um estudo pioneiro, porque o projecto turístico da Comporta será o resultado de uma avaliação integrada de todo o território.

SR

– Estes instrumentos de avaliação, serão a garantia de que não vai acontece a Tróia o mesmo que aconteceu ao Algarve, ao nível do ordenamento, da ocupação e do meio ambiente?

FT

– Estou convencido que sim, embora não nos possamos refugiar nas certezas absolutas. Embora os planos ainda não tenham avaliado todas as situações, a metodologia que estamos a seguir e o facto de nada estar a ser feito de forma casuística dão-nos muitos motivos para ter segurança. O que não quer dizer que não continuemos a dar toda a atenção ao facto de que, o demasiado acréscimo de utilização do nosso litoral pode criar zonas de grande vulnerabilidade.

No entanto, este modelo de desenvolvimento em que cada uma das áreas a desenvolver estão espaçadas mais de 5 ou 10 km uma da outra, o facto de não construirmos próximo do mar, de construir com muito baixa densidade, de se avaliar todos os recursos existentes e só depois passar para a fase de projecto, garante-nos que estamos a fazer isto com algum cuidado. Queremos fazer a avaliação ao mesmo tempo que se vai fazendo a execução, porque estes são projectos de alguma dimensão que, a meio do processo nos permitem fazer uma clara avaliação do que está feito e tentar dimensionar os seus impactos. Portanto, não nos deslumbramos com o facto do Alentejo estar na moda e queremos é que esta moda tenha a ver com valores fundamentais da generalidade da população. Esta zona é um bem precioso para o país e para o mundo e, por isso, não é para ser estragada por duas ou três decisões precipitadas.

SR

– Neste concelho eminentemente agrícola, o futuro vai ser a indústria do turismo?

FT

– Só podemos ter um modelo de desenvolvimento integrado e sustentado se não dependermos de apenas uma área económica. Uma das questões fundamentais da estratégia da Câmara é criar e assegurar a diversidade da base económica. Para além disso, a parte agrícola permite-nos manter a riqueza do carácter rural da nossa região. Há um determinado tipo de cultura e de memória que não se pode perder por causa do desenvolvimento turístico. Seria desastroso que reproduzíssemos aqui um bocado do modelo do país que se litoralizou e se esqueceu do seu interior.

É por isso que estamos a tentar ter projectos para o interior, como é o caso do Lousal onde se implementou um projecto de recuperação da zona mineira, dos projectos que dotam as aldeias das infra-estruturas básicas e dos incentivos à manutenção das economias privadas e à fixação das pessoas. Por isso tenho muitas dúvidas de que o desenvolvimento do concelho possa ser feito sem a agricultura.

Entrevista de Pedro Brinca
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