[ Edição Nº 85] – Dário Cardador, presidente do Núcleo do Alentejo da Quercus.

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Edição Nº 8516/08/1999

Preocupada com a preservação do ambiente
Quercus do Alentejo critica projecto para Tróia

          Dário Cardador, presidente do Núcleo do Alentejo da associação ambientalista Quercus, garante ter sérias reservas quanto à ‘bondade’ do Plano de Urbanização da Península de Tróia e do projecto de recuperação da Torralta. O ambientalista receia mais um “elefante branco” em Tróia e garante que o interesse empresarial está no aproveitamento imobiliário e não no sector turístico. Critica o Estado por ter entregue a concessão do complexo turístico à SONAE e alerta os cidadãos de Setúbal para a possibilidade de ficarem sem acesso às praias da península.

Setúbal na Rede – Como é que vê a reabilitação do complexo turístico da Torralta?

Dário Cardador

– Em termos de projecto foi, claramente, o Estado a demitir-se das suas obrigações porque, sendo o maior credor da Torralta, não tinha dada que entregar o complexo a terceiros, uma vez que o próprio Estado está vocacionado para esta área de investimentos. Temos, por exemplo, o INATEL que paga muito em alojamentos para os idosos, que poderia usufruir daquele espaço para os mais velhos sempre que isso fosse necessário. E isto poderia ser feito sem construir mais três ou quatro mil vivendas.

Se o Estado se livrou da Torralta por achar que era um ‘elefante branco’, só espero que daqui a dez anos não esteja a braços com uma manada deles. E isto porque é mais que certo que aquela área não vai ser destinada à vertente turística mas sim à imobiliária. Ou seja, vão derrubar duas torres para facultar a construção de mais vivendas que, por sua vez serão vendidas.

SR

– Entende este projecto como uma aposta imobiliária?

DC

– De aposta turística é que não tem nada. Dentro de 10 anos as vivendas estarão todas vendidas, o sector turístico estará a dar prejuízo e, então, será efectuada uma proposta para se renegociar a dívida ao Estado. Então aí, depois de se ter investido na parte imobiliária, vendido os terrenos e aumentado o número de camas, vai por água abaixo o projecto turístico e passemos a ter um aglomerado de casas ao longo da costa. Aliás, isto não é inovação nenhuma porque temos alguns casos do conhecimento público, como é a Soltróia, há mais três ou quatro mega-projectos deste tipo para esta zona do litoral. E depois, de for preciso, faz-se como em Aveiro, onde está a ser construído um muro de pedra para conter o avanço do mar. E os contribuintes vão pagar para fazer um muro de cimento armado entre Sines e Tróia, para defender meia dúzia de casas e de fortunas. Isto não faz sentido e não é este tipo de desenvolvimento que se quer para Tróia.

SR

– Então, não confia no Plano de Urbanização de Tróia, enquanto instrumento regularizador do crescimento urbanístico da península?

DC

– No projecto Torralta não vejo qualquer benefício, quer para a península quer para a população em geral. Será um projecto dedicado a um número restrito de pessoas e virado para os especuladores imobiliários. No que se refere ao Plano de Urbanização, a Quercus nem sequer foi chamada a participar na sua elaboração, pese embora as nossas insistências uma vez que se trata de um plano para proteger o meio ambiente. E em todo o documento, que temos vindo a analisar nesta fase de consulta pública, o que vemos é que, na generalidade, anda em volta do projecto Torralta e que, por isso, serve de bandeira à demolição das duas torres, por exemplo. Diz-se que vai dar um novo ordenamento a Tróia, mas não é nada disso. O que vai é pôr menos mal aquilo que está péssimo porque, se derrubassem cinco ou seis torres mas sem construir vivendas, as coisas seriam diferentes. Mas de qualquer forma, este projecto de Tróia continua a prever mais camas do que devia porque há as de primeira e de segunda habitação. Por isso ficam lá as outras torres, a que se irão juntar as vivendas a construir.

SR

– O facto do documento ser feito ‘à luz’ do Plano Regional de Ordenamento do Território do Alentejo Litoral e do PDM de Grândola não o deixa descansado?

DC

– O PROTALI há muito que devia ter sido revisto, pois está ultrapassado. E depois quem é que fiscaliza isso? É por essa razão que acho que, da urbanização Soltróia até à Ponta do Adoxe estamos perante um caso perdido. O exemplo já vem de trás, se nos lembrarmos da construção que se tem feito e a que se quer fazer, independentemente de dizerem que desta vez será menor, e em tudo isto não se vê o não cumprimento das leis deste país. Há pouco tempo, saiu um despacho do Ministério do Ambiente para que fosse retirado o alvará de 16 lotes em cima das dunas primárias, na Soltróia. E quem é que faz cumprir o despacho? Até agora, ninguém, porque elas continuam lá. Quem é que vai pagar para que as quatro casas construídas dentro da Reserva Ecológica Nacional sejam demolidas? Só pode ser o erário público, porque as pessoas que as construíram não foram as culpadas. As instituições públicas é que o permitiram.

SR

– Do ponto de vista ambiental, as medidas previstas no Plano de Urbanização são suficientes?

DC

– Há muita conversa sobre isso, nas palavras dizem que sim mas, na prática, as medidas são poucas ou nenhumas. Por exemplo, vão construir-se plataformas para evitar pisar as dunas mas depois colocam-se os pontos fixos em terrenos arenosos. No Inverno o mar encontra as barreiras fixas e dá cabo de tudo, abre buracos e reentrâncias nas dunas. Aqui, trata-se de uma questão de equilíbrio porque sou a favor do desenvolvimento mas tem de ser uma coisa estudada, de forma a que seja compatível com a própria conservação da Natureza. E o interesse ambiental foi tanto, que a Quercus não foi para ali chamada. Por diversas vezes alertámos o presidente da Câmara para a necessidade de participarmos na elaboração do plano, ele disse-nos que iríamos ser contactados e até hoje nada foi feito. Foi tudo feito à nossa revelia e o problema é que, agora que está em discussão pública, é tudo mais difícil de alterar porque saiu cá para fora como um facto consumado.

SR

– Quer dizer que a discussão pública não serve para nada?

DC

– Não tenho qualquer dúvida porque até hoje não houve um projecto alvo de grande contestação que tivesse sido mudado depois da consulta pública. Os que mudaram foram aqueles em que a Quercus conseguiu intervir durante a sua elaboração, ou seja, antes da discussão pública. Agora, estamos perante factos consumados e mesmo que digam que vão minimizar isto ou aquilo, ninguém nos dá a garantia que isso aconteça. Aqui, o que tem funcionado são os interesses económicos e os interesses públicos ficam em segundo ou em terceiro plano. Já para não falar dos interesses ambientais porque, neste projecto, são órfãos de pai e mãe.

SR

– O projecto de Tróia prevê algumas novas construções, como é o caso do porto de recreio e do novo campo de golfe. Alguma delas lhe merece maior preocupação?

DC

– Todas as mudanças me preocupam porque, ao nível do ambiente, tudo tem sido feito em cima do joelho. Não conheço estudos para a construção do porto de recreio, sobre a alteração das correntes do rio, sobre os impactes junto das espécies. Dizem que precisam de um porto de recreio e vão logo em frente. Não sou contra esse equipamento, mas acho que temos de ir com calma, com estudos científicos sérios e a aplicação de medidas concretas. E posso dar o caso da refinaria de Sines que, quando foi elaborada, há 35 anos, o projecto já previa que os resíduos domésticos iriam para a estação de tratamento de águas industriais do complexo. Tantos anos depois veio a verificar-se que nada foi cumprido e que os sistemas nunca estiveram em laboração simplesmente porque deixaram andar o caso e as bombas acabaram por apodrecer.

SR

– Não lhe merece confiança, o facto destes equipamentos virem a ser alvo de planos de pormenor?

DC

– Não, porque para fazer o porto de recreio, por exemplo, que movimenta toneladas de areia, é preciso fazer um estudo de impacto ambiental. Mas é mau sinal quando se remete tudo para o plano de pormenor. Ou seja, o projecto é aprovado na globalidade sem se conhecer o plano de pormenor, e depois, se houver contestação, arranja-se formas de minimização, feitas à pressa, e invoca-se que já o projecto já estava contemplado no plano inicial. Portanto, mesmo que os impactes sejam negativos, a obra faz-se porque a pressão económica é enorme. Isto quer dizer que o processo está todo de pernas para o ar, porque o que deve ser feito primeiro é o plano de pormenor de cada obra que se quer desenvolver.

SR

– Que contributos é que complexo turístico dará ao desenvolvimento da região?

DC

– Não sei quais serão, porque estamos a criar uma cidade fantasma. Tróia vai ter gente durante 30 dias e pouco mais. Ou seja, para se ter um desenvolvimento sustentado é preciso fixar as pessoas e conseguir postos de trabalho. E quando os trabalhos de construção civil terminarem quero ver quantos postos de trabalho é que o complexo terá. Não sei que mais valias trará a Grândola, a não ser as mais valias municipais ao nível dos resultados das eleições autárquicas. Agora, em termos de riqueza para o concelho ou para a região não vejo nada de bom. Trouxe uma cousa boa, que é a recuperação das ruínas romanas, mas não sei se o fizeram a pensar no património se nos turistas que vão usar o complexo.

SR

– São fundados os receios dos setubalenses, de que podem ficar sem acesso às praias de Tróia?

DC

– Sem qualquer dúvida, a população de Setúbal ainda não se apercebeu completamente do que está a ser feito e das consequências que isso vai trazer. Com a mudança do cais de atracagem dos ferry boats, que levam os carros até Tróia, os setubalenses deixam de entrar na península junto às praias e passam a ir direitos à zona dos Fuzileiros, muitos quilómetros acima. E depois, para chegarem às praias de que sempre usufruíram, têm que andar quilómetros a pé ou de transportes públicos porque o acesso de carro, para as praias, vai estar condicionado. Ou seja, esta é uma forma de desincentivar as pessoas e fazer com que as zonas de praia sejam apenas para a empresa e para os que lá têm casa. Têm sido colocadas bandeiras políticas à frente de todos nós, cidadãos, mas há que unir esforços e deixar as bandeiras para trás porque Tróia é de todos e, por essa razão, este assunto diz respeito a todos os cidadãos.

Entrevista de Etelvina Baía
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